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domingo, 1 de junho de 2008

Crônica Minha (1)

Morrer se for preciso. Matar...
“Morrer se for preciso. Matar nunca”. A declaração de intenções foi do marechal Rondon, militar e sertanista brasileiro, criador do Serviço Nacional do Índio (antecessor da Funai), nas primeiras décadas do século XX.

“Índio bom é índio morto”. Frase atribuída ao general Custer, oficial da Cavalaria norte-americana encarregado de solucionar a “Questão Indígena” dos EUA, no século XIX.

As frases vêm à mente neste momento em que a Funai divulga fotos de uma tribo não contatada até hoje, na fronteira do Acre com o Peru - e ficamos sabendo que dos 100 grupos indígenas isolados existentes no planeta, 68 estão no território brasileiro, em pleno século XXI!

Há poucos dias, também na Amazônia brasileira, a TV mostrou indígenas da etnia caiapó espancando um engenheiro da Eletrobrás, após uma palestra em que o branco tentou convencer os índios de que alagar uma vasta porção das terras onde vivem, para erguer uma grande hidrelétrica, seria bom para todos, inclusive para os indígenas.

No mesmo período, no interior de São Paulo - estado mais desenvolvido do país, em pleno Sudeste-maravilha – 200 índios fizeram reféns quatro funcionários da Funai. Eles protestam contra intenção de mudar o escritório da Fundação Nacional do Índio de Avaré para o litoral paulista. E querem agora um indígena no comando do escritório.

Não é só: reunidos no agreste pernambucano, lideranças indígenas do Maranhão, Ceará, Paraíba e Pernambuco protestam e querem que o STF garanta a homologação da Reserva Raposa do Sol, em Rondônia, contra a ação dos grandes arrozeiros locais. Um cacique da etnia xucuru já avisou: “Se a Justiça acatar a ação dos arrozeiros, vai haver derramamento de sangue!”.

Que há algo em comum em tudo isso, só não vê quem não quer.

O desenvolvimentismo brasileiro a qualquer custo de agora, cheio de boas intenções, na prática significa uma retomada do que sempre foi feito no país e nas Américas desde a chegada dos europeus.

Este trator com correntes já derrubou a ministra-símbolo do ambientalismo, Marina Silva, junto com grande parte das árvores da Amazônia. O incremento da monocultura da cana de açúcar para produzir bio-combustível avança por todos os espaços do Sudoeste em direção ao Norte do país, com isso empurrando Amazônia adentro a produção de grãos e de gado.

Enfim, o agro-business brasileiros atropela fauna, flora, águas e ares da maior floresta do mundo, dizimando até os humanos que, inadvertidamente, há centenas ou milhares de anos, ali estão estabelecidos.

Em foco, a última grande fronteira da vida selvagem, da natureza no auge de sua riqueza e exuberância, enfrentando o pragmatismo dos números: cabeças de gado, toneladas de soja, bilhões de dólares e euros.

Consciente ou inconscientemente, os índios estão pintados para a guerra, dispostos a ir à luta literalmente - lutando com arco e flecha e bordunas – para defender sua vida, sua dignidade, sua cultura, na pior batalha de toda sua longa existência neste continente.

Quando não mais houver uma árvore centenária, um pássaro para cantar, um curso d’água sem agrotóxico ou detergente, um índio vivendo como índio, com o ar poluído, o planeta superaquecido, bilhões de carros parados para sempre num interminável engarrafamento, nossos líderes políticos e empresariais poderão comemorar.

“Afinal, chegamos ao ápice do desenvolvimento!”. E deitarão para morrer realizados, com a sensação do dever cumprido, sobre o solo envenenado do planeta-lixo.

“Índio quer apito, se não der pau vai comer”. O alerta era cantado em marchinha de carnaval brasileiro dos inocentes anos 50.
O apito – que avisa, chama a atenção – já estava nas palavras do cacique Seattle, da América do Norte, no século XIX: “O que acontecer com a Terra, também acontecerá com os filhos da Terra”.

2 comentários:

Eduardo Simch disse...

Maravilha Zé!! Pô meu, tava demorando esse blog. Coisa boa poder voltar a ler um texto com essa qualidade, clareza e arte.
Valeu, vida longa ao Lavra Livre!
Simch

Sidnei Schneider disse...

ótimo retorno à lavra virtual. adorei o "agora" aí ao lado.
abraço.