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sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Poetando (6)

Mensário biográfico

José Antônio Silva


Nasci como um peixe, no rio de janeiro
Nadei contra a corrente, já em fevereiro
Em março, fora da água, um primeiro passo
Rumar para o sul, em abril, me serviu
Em maio arrisquei tudo – um ensaio
Mês de junho assinei casório, do próprio punho
Caí em julho, virei lixo, um entulho
Em agosto me levantei – e na carreira subi de posto
Descasei em setembro; mas da tristeza nem lembro
Me traz esperança outubro, é o que descubro
Do clube do amor voltei a ser membro, era novembro
Dezembro? Dezembro me torna menino:
do rio eu relembro.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Três episódios espirituais

1 - Guarda-chuva
Você é um garoto de dez ou onze anos. Está no pátio da Igreja – um amplo espaço semi-selvagem ao lado do velho templo, ocupando quase um quarteirão inteiro. Paineiras imensas - com imensos espinhos e painas que nevam sobre o chão, ao se partirem com a queda - convivem com lugares pedregosos, arbustos e muitas moitas, próximas a uma capela de pedra. Um muro alto, mal conservado, cerca tudo. Chove fraco, desde a manhã. O sino avisou: já são cinco da tarde. E começa a escurecer.

Muita correria, algum jogo de bola, brincadeira de pegar com direito a escalada rápida do muro, do qual se pula para algum galho de árvore à feição. A gurizada sobe com agilidade pelas laterais da capela, se equilibra entre as pedras retangulares do topo e salta do outro lado. Ah, sim: está mesmo escurecendo. Hora de ir embora.

De repente... onde está o guarda-chuva? Onde, pelo amor de Deus, está o guarda-chuva novo que você pegou ao sair de casa e que agora, algumas horas depois, simplesmente, sumiu?!!
É certo que vai levar uma surra ao voltar para casa sem o acessório. Recém comprado pelo pai – que provavelmente nem o usou e que você não deveria ter trazido, só para se mostrar aos amigos.

Você procura no chão, entre o capim, nas moitas próximas. Nada. A maior parte dos meninos já se despediu e vai indo embora, barulhentamente.

Medo.

E agora?

Você se sente muito só. E reza: Nossa Senhora (pronuncia em silêncio toda a oração). Ou teria sido o Padre Nosso? Me ajuda! Faz com que eu encontre o guarda-chuva!

No mesmo instante, uma voz interna lhe responde, mais ou menos assim: Olha naquela moita perto do muro.

Você não pára para questionar quem deu a informação, dentro de sua cabeça. Corre ao lugar indicado pela voz e – voilá! – o guarda-chuva ali está.

Exatamente ali.

Com a simplicidade da infância.


2 - Tijolo de luz
Você desce a escada em caracol, imersa na escuridão. Você trabalha como noticiarista de uma rádio, no centro da cidade. É um jovem estudante de comunicação, e às vezes fica até mais tarde na rádio, adiantando as notas informativas e personalizadas que o locutor da manhã, que “abre” a emissora, vai ler por volta das seis da matina.

São 15 andares, mas o elevador naquele momento não chega, não chega, não chega, e você decide encarar a escuridão das escadas até o térreo. Não há um negrume total: a parede curva e envidraçada que acompanha os degraus recebe uma leve luminosidade que chega da rua, lá embaixo, nesta uma hora da madrugada.

De repente, talvez entre o sétimo e o sexto andar, próximo de colocar os pés na laje que separa os lances de escada, da escuridão avança com imensa rapidez um bloco de luz – luz muito branca, mais ou menos retangular, como um grande tijolo maciço – em direção ao seu rosto.

Depois você não lembra se gritou, mas sabe que colocou as mãos em frente ao rosto, numa atitude instintiva de defesa.

Mas o bloco de luz vindo diretamente (de onde?) para o seu rosto – a partir da escuridão total do andar, em que nada mais funcionava àquela hora -, se desfaz.

Você nem olha para trás. Com o coração disparado e as pernas idem, em tempo recorde atinge o térreo, estende a mão ao comutador de luz na parede, abre a grande porta de vidro do prédio e coloca seus pés na rua.

Só então suspira profundamente. E amparado pela concreta iluminação dos postes, avança, ainda trêmulo, em direção à sua casa.



3 - A Velha
Você dormiu. Tirou um cochilo. Agora escuta os ruídos do trânsito lá fora. Sua mulher está na cozinha, provavelmente, e você espichado na ampla cama, no quarto que cabe a vocês, no apartamento dividido com outro casal. Sabe que, encostado à parede oposta, está o berço que abriga sua primeira e única filha.

Você fita o teto do quarto. Mas algo lhe atrai a atenção e você vira o rosto em direção ao berço. E vê – e vê!

Há uma mulher ali, uma mulher idosa, de cabeços brancos arrumados em coque. A velha observa o nenê em seu berço.

Você apóia os braços no leito e ergue o tronco, estica o pescoço e a cabeça, olhos arregalados e sabe que sua boca está abrindo num “hóoooo”...

Pisca os olhos e os abre novamente.

Já não há nada lá.

Você levanta como um raio.

Sua filha dorme em paz. Um anjinho.

A visão que você teve, digamos assim, era igualmente de paz.

Você tem certeza que não foi um sonho. Você não dormia na hora!

Também não havia fumado ou ingerido qualquer droga, nem bebera.

Sabe o que viu. E sabe que viu.

E para sempre vai lembrar. E é tudo.


José Antônio Silva

sábado, 6 de dezembro de 2008

Rememória
















Vinte aninhos do Diário do Sul


José Antônio Silva

Pois é, em 30 de setembro último completou-se vinte anos do fim do hoje mítico Diário do Sul. Experiência brilhante de jornalismo diário que apostava no talento e no estilo (ou busca de um) de promissores ou consagrados repórteres, redatores, ilustradores, cartunistas, fotógrafos, diagramadores e editores gaúchos, o Diário do Sul chegou disposto a não fazer concessões, para o bem ou o mal. Ao contrário de toda a imprensa, não apostava suas principais fichas em temas de apelo fácil – tipo esportes (leia-se futebol, basicamente) ou polícia.


Cultura, política, comportamento, economia ocupavam a maior parte dos espaços, com ênfase para grandes reportagens com texto personalizado, fotos abertas, ensaísticas, interpretando o que era noticiado, artigos traduzidos de grandes nomes internacionais.
Elitista? Inovador? Diferente? Que fugia do apelo fácil e do arroz com feijão costumeiros, isso fugia.

Para mim, após dez anos de São Paulo, integrar essa equipe e encarar o desafio do DS foi um ótimo e convidativo pretexto para voltar à minha Porto Alegre natal. Pena que o grupo Gazeta Mercantil (SP), que bancou o projeto de Hélio Gama, abandonou o barco em meio da viagem, sem dar tempo ao DS de ancorar financeiramente - entre outros problemas.
Durou de agosto de 1986 a 30 de setembro de 1988. Hoje, é tema de monografias e teses acadêmicas e uma memória instigante para quem passou por lá, embora os terríveis atrasos dos salários, que após um ano de existência passaram a ser substituídos por “vales”, levando praticamente todos os 120 jornalistas ao SPC e ao bloqueio de contas nos bancos...


No alto, ilustração feita por Edgar Vasques, dia 02 de outubro de 1988, da porta do elevador que desembocava direto na redação. Edgar tascou seu recado, à época: “Imprensa gaúcha: o último a sair, por favor, acenda uma luz”.


Na foto, da esquerda para a direita: Cida Golin, Glênio Povoas, José Antônio Silva, Luiz Carlos Barbosa, Carlos Urbim, Ana Barros Pinto e Renato Lemos Dalto. À mesa, José Weis.


(Para quem quiser saber mais: matéria completa sobre o DS, de autoria do mesmo José Weis, saiu no jornal Versão dos Jornalistas, do Sindicato dos Jornalistas/RS, edição de setembro de 2007. Mas não adiante procurar no site do SindJor: ao que tudo indica, essa edição não possui versão eletrônica...)