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domingo, 26 de setembro de 2010

Crônica Minha

A batalha decisiva no Reino da Terra Brasilis

José Antônio Silva


Atrás, muito tempo atrás, existia um enorme reino com uma grande família imperial, com seus cortesãos e cortesãs - nobres cuidando com ferocidade, sempre que necessário, de todos os setores rentáveis do país. Entre eles, despontavam seis ou sete barões, donatários reais que se especializaram em informar e dirigir a informação e a opinião que a plebe deveria ter sobre isso ou aquilo.

Por anos, décadas – que pareciam muitos séculos, no lombo dos atingidos diretamente, ou dos ignorados e desprezados – estes senhores feudais sugaram, com avidez, tudo o que podiam do tesouro real. O soberano e seus próximos não se importavam com o saque. Primeiro que aqueles recursos tinham vindo dos impostos pagos pela maioria da população; depois, os vários monarcas que durante décadas se sucediam – sempre oriundos das famílias nobres – tinham plena consciência de que aquele era o preço a ser pago por um serviço fundamental à manutenção do status quo e dos privilégios que a elite do reino gozava.

Aliás, gozava em todos os sentidos, mas principalmente com a cara sofrida do povo nas vilas, nas ruelas estreitas e sem saneamento, lume ou água, sem mestre-escola, médicos ou tiradentes, abandonado nas glebas e pontos mais distantes e inóspitos do reino, entregue aos salteadores ou ao abuso dos prepostos e dos soldados reais. Enfim, uma população jogada desde sempre à própria e muito dura sorte. Enquanto os marqueses, baronetes, viscondes, barões, condes e duques – com sua própria laia de mandaletes, pajens, capitães-do-mato, bate-paus, puxa-sacos, bobos da corte, cortesãs, beleguins, capatazes, borra-botas e afins – precisavam preocupar-se apenas em manter toda a patuléia rude sob controle, e aproveitar o bem bom daquelas férias luxuosas e hereditárias.

Excesso de confiança

Mais eis que não mais que de repente, lá pelas tantas – talvez por relaxamento baseado num excesso de confiança na eterna ignorância da plebe – um membro das guildas e associações de artesãos e trabalhadores, depois de muito tentar, chegou ao poder, derrubando com o apoio da massa esperançosa a nobreza encastelada no palácio real.

Não que os fidalgos tenham perdido muito com isso: quase todos continuaram lucrando nos novos tempos. Mas a maioria dos pobres começou a ver que podia ter – e começava a experimentar – uma vida mais digna. Apesar dos erros cometidos durante o período, na essência foram oito longos anos (para os cortesãos chorosos) de mudanças benéficas trazidas ao povo humilde pelo rude obreiro, que já havia perdido um dedo na batalha pela vida. Neste período todo (aliás, ainda antes de ter assumido o poder), ele foi duramente atacado, noite dia, por todos os meios (inclusive de comunicação) possíveis. Para os aristocratas do reino, representava uma verdadeira bofetada na cara o fato do populacho conquistar voz e vez, andar em sua própria carroça ou cavalo para se locomover, morar em um lugar onde os ratos não lhe roessem a ponta dos dedos, comer mais de uma vez ao dia ou ver os filhos aprendendo a decifrar os caracteres da escrita. A maior parte da nobreza crioula simplesmente não aceitava que seu presumível direito divino ao bom da vida não fosse uma exclusividade sua, mas de todos. Intolerável!

E era forte a perspectiva de que o poder popular – como nunca antes na história daquele reino - iria prosseguir por novo período. Agora encarnado por uma ex-auxiliar do trabalhador que presidira o país, uma mulher que, no entender de muitos, em sua juventude fora uma espécie de Robin Hood, Hood, que empunhara a espada e o arco e flechas para enfrentar ricos em favor dos mais pobres... E que por essa ousadia pagara com dor e tortura nas masmorras mais sórdidas do regime.

Vida menos dura

Com a perspectiva de novos quatro anos de vida menos dura para os mais humildes, os baronetes da informação entraram em pânico e botaram em operação especial e reforçada todo o seu arsenal. Foram a campo, com suas armas e barões assinalados, atacando, acusando, fraudando informações, atemorizando, fazendo terrorismo e assustando os bons burgueses. Golpes eram disparados especialmente à esquerda, com uma tropa de choque formada por porta-vozes, editores, bobos da corte e formadores de opinião.

Para esta arte da guerra, subiram a serra (mas terminaram resvalando para lama, no fundo do Vale das Pesquisas), lançaram uma estratégia global, folha por folha e acusações diretas: “Veja como é diabólica a nossa rival”!

Nada, porém, parecia surtir grande efeito... O odiado inimigo avançava nos ombros fortes do povo. Povo que tinha o olhar incendiado e confiante, já vislumbrando um futuro melhor se desenhando no horizonte, porque os primeiros passos, nos oito anos anteriores, tinham demonstrado que aquele era o caminho correto, mesmo considerando erros - pequenos e grandes - cometidos ao longo do trajeto...

Encastelados nos palácios da comunicação, os barões prometiam resistir até o fim. As escaramuças se sucediam, e até um patético índio apareceu para desferir golpes baixos e ataques, da costa e pelas costas. Para atemorizar os adversários populares (“populistas”, segundo o esquadrão de elite denominado formadores de opinião) o baronato lançou mão de todas as suas bestas, lanças, espadas, flechas de fogo, escadas de assalto, torreões, óleo fervente e catapultas, sem se importar com mais nada. A verdade, como sempre, foi duramente atingida.

Marcha para a vitória

Mas a batalha final ainda estava por acontecer, no início de outubro, no descampado do planalto central do reino - e em cada província distante. As forças populares, agora unidas e no mesmo tom, apostando num primeiro e arrasador embate, avançavam contra uma barreira infernal de boatos, informações falsas e desencontradas, ferro e fogo. O inimigo batia em retirada, lançando impropérios, semeando confusão e prometendo se reorganizar para o contra-ataque. Muitos, porém, procuravam, pateticamente, juntar-se à plebe: “Apesar de ser rico e protegido há décadas pelos poderes da elite, eu também vim de baixo, gente! Na essência eu sou pobre também...”

Armado com sua cédula, sua consciência e sua determinação, o povo avançava. Agora, só iria depender de cada homem e de cada mulher.

domingo, 12 de setembro de 2010

Balaiada Hightech - VI

Essas são de morte!

José Antônio Silva

A fugir, a vida atravessa o mundo. A morte está à espera na última estação.


A vida é um filme no qual o protagonista sempre morre no final. Menos mal quando é longa metragem.


A natureza é uma linha de montagem que se dedica a repor eternamente o estoque.


Morte e vida só se encontram mesmo quando a mãe se finda no parto, mas a criança vinga.

sábado, 11 de setembro de 2010

Livro

O Diário de um Traíra

José Antônio Silva

Abstraindo todo o resto, a subjetividade do protagonista e as (extremas) nuances do ambiente e do momento histórico, se poderia batizar este livro, alternativamente, como “Diário de um traíra”. Mas claro, não teria sentido ler criticamente “Filho do Hamas”, de Mosab Hassan Yousef, apenas para simplificar assim este relato em primeira pessoa do jovem Mosab, filho do xeique palestino Hassan Yousef, talvez a mais forte liderança espiritual e moral de boa parte dos militantes palestinos, em sua resistência contra os avanços de Israel. Editado pela Sextante, com 288 páginas, incluindo notas explicativas e prefácios, o livro narra em linguagem simples e direta a trajetória do autor desde uma posição radicalizada contra a ocupação israelense (e seus muitos desmandos contra os árabes da região), até a completa transformação em colaboracionista e agente secreto do Shin Bet – a agência de segurança do estado judeu.

Garoto que jogava pedras nos tanques israelenses, ao tempo das primeiras intifadas, Yousef cresceu na Cisjordânia ocupada por Israel, num caldo de cultura que misturava várias organizações de resistência palestina. Da então majoritária e leiga OLP/Fatah, de Yasser Arafat, passando pela FDLP e a FPLP (ambas marxistas-leninistas), a Jihad Islâmica e suas congêneres Brigadas Ezzedeen Al-Qassan e Brigadas dos Mártires de Al-Aqsa, até o religioso e poderoso Hamas – que por falar nisso terminou tirando a Faixa de Gaza das mãos do grupo de Arafat, acusado de corrupção, numa verdadeira guerra fratricida. Entre as duas, vários outros grupos e entidades, que iam da extrema esquerda até organizações moderadas, de caráter muçulmano ou não.

Cristianismo

Para além da trajetória confusa de Mosab, que paralelamente à colaboração com os israelenses, também converteu-se ao cristianismo (ao descobrir uma Bíblia escrita em árabe, na prisão), o livro é útil por dar um panorama geral, mas detendo-se em detalhes importantes, da situação caótica em que vivem árabes e judeus naquele espaço de terra árida – mas tão aguerridamente disputada. “Filho do Hamas” é rica em informações sobre personagens do conflito desde a década de 20 do século passado, com o fim do Império Otomano, contando ainda com glossário e notas sobre atentados históricos, avanços e recuos nas negociações de paz, etc.

Nascido em 1978, o jovem Mosab vive há dois anos nos Estados Unidos (onde, segundo ele mesmo, “não consegui encontrar um emprego em tempo integral e praticamente me tornei um sem-teto”). A seu favor, argumenta que tudo o que fez, fez na tentativa de evitar ainda maior derramamento de sangue, numa escalada de violência para a qual, de fato, continua difícil enxergar uma solução digna e justa. Também é verdade que para isso correu sério risco de vida, como espião no meio dos militantes islâmicos – assim como nas prisões israelenses e nas ruas conflagradas da Cisjordânia, frente a soldados que não sabiam de sua condição de colaborador.

Pontes queimadas

Mas, outros palestinos que não acreditavam ou não acreditam nos atentados terroristas e na violência como maneira de superar a prepotência de Israel, engajaram-se em movimentos políticos e pacifistas. Já o filho do xeique Hassan, nos dez anos em que viveu esta dupla condição, enriqueceu com o dinheiro israelense, chegando a ganhar cerca de dez vezes mais que o padrão normal da população palestina. Quando resolveu abrir o jogo e dispensar as benesses dos seus empregadores israelenses, já havia queimado todas as pontes. Encontrou uma saída, ao que tudo indica, nas palavras de tolerância de Cristo. Porém, para seus irmãos palestinos, provavelmente seu nome continuará sendo um sinônimo da palavra traidor.