De volta aos escorpiões
Em setembro de 2007, fiz uma reportagem para a revista Brasileiros sobre refugiados palestinos que aportavam aqui no RS. Na mesma leva, todos vindos de campos de refugiados no deserto da Jordânia, outras famílias palestinas foram estabelecidas em Mogi-Mirim, São Paulo. No total, 107 famílias chegaram para tentar vida nova na Terra Brasilis. Tentar, de fato. Pois agora leio nos jornais que nove deles estão acampados em frente ao prédio do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) em Brasília. Com suas famílias, querem ir embora do Brasil...
Um pouco de informação: quase todos estes palestinos – os mais velhos – haviam emigrado para o Iraque, décadas atrás, fugindo do interminável conflito com os israelenses e em busca de uma vida melhor. E o Iraque de então era governado por Sadam Hussein, um muçulmano sunita - sunita como a maioria dos palestinos.
Quando Bush invadiu o Iraque e caçou Saddam de todas as maneiras, até encontrá-lo escondido dentro de um buraco, os xiitas iraquianos – maioria da população daquele país – sentiram-se à vontade para também perseguir os odiados sunitas. E mais à vontade ainda para saquear, prender, torturar e matar os palestinos sunitas, que sequer eram iraquianos.
Fecha parênteses. E chama os parentes: pais, mães, filhos e filhas, tios e primos – milhares de palestinos saíram na calada das mil e uma noites de Bagdá e de outras cidades, pegando a estrada e fugindo em direção à Jordânia.
Embora eles não quisessem falar sobre o assunto, fiquei sabendo com os representantes da ONG que os apoiou na chegada e instalação no RS: do grupo de 14 pessoas – três famílias – que entrevistei, todos os homens, sem exceção, haviam sido torturados pelos iraquianos xiitas, que os consideravam apoiadores do regime de Saddam.
Aqui no Brasil receberam e recebem apoio, casa, uma pequena ajuda de custo por até dois anos, documentação e condições de levarem uma vida normal. Isso mesmo: mais do que conseguem numa vida inteira alguns milhões de brasileiros natos.
O mesmo aconteceu alguns anos atrás com refugiados afegãos: boa parte destes também preferiu voltar e encarar talibãs, insurgentes e soldados americanos em sua pedregosa terra natal.
No caso dos palestinos, não se sabe direito porque pelo menos uma parte do grupo quer retornar – e a imprensa também não diz para onde. Se para o Iraque, se para a Palestina (onde já não viviam) ou para o campo de Ruweished, no deserto da Jordânia.
Neste campo, onde deveriam ficar por alguns meses, muitos viveram por cinco anos, em barracas cercadas de areia e driblando venenosos escorpiões negros.
Alguns reclamam do Brasil porque a ajuda financeira é pequena, porque trabalham demais, porque têm dificuldades com a língua.
Sei não. A mãe de uma família de nove filhos que ficou por anos no campo de refugiados me confessou (via intérprete, é claro) que chegou a pensar em recusar a chance de sair do deserto e vir para o Brasil. Preferia ter ido para a Alemanha, onde já tinha parentes estabelecidos. O que ela não disse, mas ficou evidente, é que a Alemanha tem a vantagem de ser um país rico.
Só tinha (e tem) um problema: a Alemanha, assim como a Inglaterra, a França, a Itália, a Espanha e o restante da Europa, não quer mais saber de refugiados e imigrantes do – vamos lá – Terceiro Mundo. E muito menos do terceiro e estranho mundo que fala árabe e adora Allá.
A ONU faz força para realocar estes refugiados em outros países, mundo afora. Mas ninguém – ou quase ninguém – os aceita. O Brasil aceitou.
No entanto, ao que parece não estava à altura de suas exigências.
Me parece que no fundo – mais do que a estranheza de uma língua tão diferente, do cotidiano sem o canto dos muazedin, mais do que as dificuldades financeiras – o que os espanta é a liberdade. Ou mais especificamente, a liberalidade, como queiram, de mulheres seminuas na TV, nas capas de revista e até nas ruas do verão brasileiro.
Os escorpiões, ao que tudo indica, assustam menos.
quarta-feira, 25 de junho de 2008
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