Temas

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Poetando

Céu do Mercado




José Antônio Silva



Por entre as aletas

que fazem voar

o céu do Mercado

chuviscam pardais



que rasam farelos

de chão e de mesas

como pistas de caça

na água das cervejas



ciganos

magicos

ladrões escolados

sobreviventes



pardais pisam

sem medo nem pressa

no rastro das gentes.



sábado, 9 de junho de 2012

Crônica Minha


Ivan Lessa morreu. Quem é mesmo Ivan Lessa?


José Antônio Silva

Do final dos anos 60, passando pelos 70 e indo adiante, uma das mais talentosas formas de resistência cultural à Ditadura Militar atendia pelo auto-depreciativo nome de O Pasquim. Jornal tablóide semanal (ou hebdomadário, como preferiam os pasquineiros), o Pasca foi fundado em 1969 pelo cartunista Jaguar e os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral. Típico representante da boemia intelectualizada da Zona Sul carioca da época (mesmo que seu editor-chefe – Tarso – fosse um gaúcho de Passo Fundo), o Pasquim já entrou em campo revolucionando a linguagem, usando e criando gírias, inserindo no jornalismo o falar coloquial, e com isso acabando com a formalidade do jeito de escrever da imprensa brasileira.

Seus temas iniciais, com a cautela que a época recomendava, eram a crítica de costumes e cultural, a liberdade sexual, comportamental – mas com uma subentendida oposição ao regime militar, usando a arma corrosiva do humor. Não demorou quase nada para incluir em seu leque de assuntos, claramente, a política, a economia, a política internacional e outros tabus da época, mas (quase) sempre com uma pegada leve, satírica, criativa, com um jogo de corpo que lhe conferia todo um diferencial, frente a outros jornais de oposição à Ditadura.

Além de artigos provocadores e debochados, uma de suas principais marcas foram as grandes entrevistas, regadas a uísque, que abriam a boca dos entrevistados (e dos seis ou sete entrevistadores sempre presentes). Charges e tiras de humor reuniam os maiores cartunistas e ilustradores da imprensa na época – que já sentiam o fechamento de espaços profissionais, frente ao endurecimento e a direitização dos grandes jornais da época, que apoiaram ou foram aos poucos aderindo à ordem unida dos militares.

Lá estavam feras do primeiro escalão, como o já citado Jaguar, Ziraldo, Henfil, Claudius, Fortuna, Millôr, e outros jovens colaboradores que começavam a surgir, como Nani, Reinaldo (um dos criadores do futuro Casseta e Planeta), Paulo Caruso, Angeli, Edgar Vasques...

Jaguar, é bom destacar, criou – com Ivan Lessa - o personagem símbolo do Pasca, o ratinho Sig (de Sigmund Freud), que saiu de uma tira sobre a boemia da praia de Ipanema para fazer comentários hilários, de pé de página e duplo sentido, sobre os principais assuntos abordados em cada edição, ou mesmo sobre a nebulosa e por vezes tétrica conjuntura brasileira...

No texto, além dos artigos de Cabral (crítico de música e pai do atual governador carioca) e Tarso (que esbanjava deboche e ironia em suas crônicas), também brilhava a coluna “Underground”, de Luiz Carlos Maciel, intelectual e homem de teatro antenado na contracultura – uma das vertentes rebeldes que colocava em polvorosa a ordem estabelecida, em todo o mundo ocidental. Sem falar em Paulo Francis, jornalista cultural prestigiado e analista internacional brilhante, no auge da forma, então ainda um homem de esquerda. E é nesse grupo que pulsava - à última página do jornal - na coluna “Gip Gip! Nheco Nheco!” o tal de Ivan Lessa, com ilustrações de Nani. Lessa era um grande frasista e não menos talentoso cronista de humor.

Numa época em que a repressão a qualquer forma de resistência à Ditadura era violentamente contida (aliás, toda a redação do Pasquim foi para a cadeia, entre novembro de 1970 e fevereiro de 71), e em que a mídia tentava passar uma mensagem de normalidade e de bons sentimentos à população, Ivan se saía com essa: “Amar é... ser a primeira a reconhecer o corpo dele no IML”. Ou: “O brasileiro tem os dois pés no chão – e as duas mãos também”. Sobrava pra todo mundo: “Baiano não nasce – estréia”.

Porém, o filho inquieto do escritor Orígenes Lessa não aguentou por muito mais tempo o clima ensolarado mas cinzento do Rio de Janeiro da época, e bateu asas para Londres, em 1978, onde foi trabalhar na BBC e onde viveu até agora, aos 77 anos, sob um céu cinzento mas respirando liberdade. Lá escreveu três livros. Porém, carregando sempre uma indisfarçável nostalgia da terra natal, que ele combatia com doses de puro e duro sarcasmo. Assim Ivan “O Terrível” Lessa, em plena Ditadura, completou e deu o troco ao slogan do regime militar (“Brasil, ame-o ou deixe-o”): "O último a sair apague a luz”.