Temas

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Poetando

Lá vai o Cara


José Antônio Silva


Descendo a rampa com estilo

como uma fera do skate

ou tipo malandro velho

de sapato branco

deslizando por um morro

pacificado

ou ainda um Vampeta

em cambalhotas aéreas

frente ao Palácio


Lá vai o Lula

lá vai o tapa na cara da direita

lá vai o papai noel dos deserdados


Lá vai o enigma solar

se pondo em frente à Alvorada


Lá vai o Cara

de volta pra casa



30dez2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

Crônica MInha

A hora da justiça cósmica

José Antônio Silva

Condições sociais, defeitos físicos, problemas psicológicos e emocionais que nos caracterizam e nos fazem sofrer, formam o deserto de pedras pontiagudas que devemos atravessar, descalços - e que conhecemos pelo nome de Vida. Se resistimos por um tempo razoável, idosos ou não, terminamos por nos acostumar às irregularidades do terreno e ao sol inclemente, ou então, sob nossos pés, desenvolvemos uma crosta calosa que faz com que eventualmente esqueçamos a dor. E cheguemos até a parar, vez ou outra, apenas para apreciar a paisagem.

Mas você há de apontar um dedo indignado para este ou aquele fruto do privilégio e da riqueza, que do berço à cova só conheceu do bom e do melhor. Que jamais soube o que é ser feio, aleijado, barrado em qualquer portão; que nunca conheceu a angústia cortante do desemprego; para quem todos os desejos foram possíveis e realizados. E que ainda se deu – sem traço de culpa ou arrependimento – o direito de ser arrogante, prepotente e explorador.

O seu coração – é, o de você mesmo, que me lê – ferve de ódio ao pensar como o mundo, ou o destino (o nome do jogo não importa), pode ser cruel, desigual e sem sombra de justiça.

Não morra de impotência, porém. Assim como você na aridez do deserto, ele – na maciez da seda, da pele das mulheres mais lindas ou na velocidade dos carros de luxo – viu crescerem em seu espírito, aos poucos, uma angustiante insatisfação e a erva não erradicável das dúvidas, do vazio, do câncer e da loucura.

Cercado de aproveitadores e falsos amigos, parentes contando os dias para colocar as garras em sua herança, ele se vê imerso no tédio infinito, cortado apenas pela percepção do rancor de serviçais a quem ele tantas vezes sequer percebeu como seres também humanos, e que o rodeiam hoje já sem se darem ao trabalho de sorrir.

Agora, antes de fechar os olhos e apagar a luz desta vida de vez, intui que seu sofrimento está recém tendo início.

Samsara vai equilibrar todos os pratos, de novo e de novo.

Verdade? Não sabemos, mas se não for, pelo menos se trata de um excelente consolo para nós, virtuosos sofredores, em busca de alguma justiça, ainda que cósmica.

Não é mesmo, seus rancorosos de uma figa!? Vocês vão ver, invejosos, na próxima encarnação!!

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Crônica Minha

Presepada


José Antônio Silva


Presépio, meu filho?

Era um negócio que existia quando eu era do teu tamanho. Tinha umas vacas e um bebê – ou seria um bezerro? Não me lembro direito... Também uns barbudos, tipo aqueles terroristas, com lençol enrolado na cabeça.

Ah... tinha um anjo montado num camelo – senão me engano.

E uma estrela – me parece que era o logo da empresa que patrocinava.


O que significava aquilo tudo, eu não sei. Tinha uns presentes, mas só um valia a pena – me lembro que era ouro, mas pelo jeito só um pouquinho.

Mas nem te preocupa com isso.

A nossa religião é muito melhor que qualquer outra – o nosso querido Papai Noel já deixou os teus presentes no pinheiro.

Mais tarde nós vamos rezar pra ele – significa fazer um brinde, filho!

E abrir os pacotes!


quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Mundo Visual



desculpem,
mas
agora
quem
vai
lavar
as
águas?




josé antônio Silva

Boas Festas

Assis Valente


Anoiteceu, o sino gemeu
E a gente ficou feliz a rezar
Papai Noel, vê se você tem
A felicidade pra você me dar


Já faz tempo que eu pedi
Mas o meu Papai Noel não vem
Com certeza já morreu
Ou então felicidade
É brinquedo que não tem



Eu pensei que todo mundo
Fosse filho de Papai Noel
E assim felicidade
Eu pensei que fosse uma
Brincadeira de papel


sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Conto um Conto

Penavento na rota


José Antônio Silva


- Me vou ao Leste - disse Penavento.

Farafiel baixou a cabeça discordando, mudo.

- Diz que lá o mar bate nas botas... – voltou Penavento.

- Diz quem quer dizer – Farafiel escutou a própria voz.

- … e que as mulheres são dadas e têm a cabeleira solta – tornou Penavento.

- As nossas também podem soltar. Podem se soltar E se soltam, às vezes.

- E que os peixes vêm comer na mão.

- Não gosto desses bichos esquisitos.

- E que chove quando precisa.

- Às vezes, demais – Farafiel fez questão de registrar.

- Tem coisas que não dá, dependendo. Mas quase toda semente vinga.

- Só que por aqui cresce mais.

- Frio, aqui nestas bandas. Cansa.

- Tá te entregando, Penavento?

- Nosso frio mata.

- O deles também. E as águas que batem na bota são salobras. E sobem pela barranca.

- Tem bons cavalos lá. Vi um tobiano que...

- … te apresento trezentos tobianos especiais, sem ir muito longe.

- Aquelas galegas têm olho de bolita azul...

- Nossas morochas têm preto, marrom, verdinho e até azul, igual. E até já parei num olhar violeta, na subida, outro dia. Se me acreditas.

- Dá pra andar de manga curta.

- Esqueceste da canícula nossa?!

- Nossa? Tua! Eu me vou ao Leste, Farafiel.

- Nossa terra é mais bonita – murmurou o outro.

- Já não vejo beleza.

- Outras vão aparecer... Laís me indagou de ti... E aquela pode repensar.

- Pode pensar, repensar, desaparecer se quiser. Aqui, ainda faço uma loucura.

- Ah.... Bueno... Te empresto o dinheiro do trem, então.

- Eu me viro por aí.

- Mas volta!

- Nunca mais te vejo, Farafiel.

- É muito tempo, este nunca, Penavento.

- Tempo é só o que eu tenho agora. De sobra. Mas quem sabe...

- Vais perder o trem.

- Estás com pressa de me ver pelas costas?

- Mas se tu é que queres ir...

- Verdade. Querendo ou não querendo, eu quero.

- Não. Não querendo, não precisa. E a Rosa me disse que …

- O trem! Vem chegando. Até um dia.

- Esqueces do chapéu, Penavento!

- Fica com ele, Farafiel. Lá, diz que ninguém usa mesmo.

- Será? Que gente. Mas e tu?

- Adeus!

- Assim? E... e a mana?

- Adeus e me fui!

- Ah! Vou ser obrigado.




segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

Poetando

Metáfora a dentro


a árvore

ameaça

concretamente

o concreto

da calçada:

questão de raízes



José Antônio Silva

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Poetando

Velório da viúva


Em outra caixa

menor

descansam os anéis

à espera

de novos dedos



José Antônio Silva

Crônica Minha

Progresso – apenas uma frase apagada numa velha parede


José Antônio Silva


Ao observar antigas fotografias urbanas, não raramente nos deparamos com algum Restaurante Progresso, Sapataria Progresso, Açougue Progresso... Natural que assim fosse – e que assim seja – pois através de sua história o ser humano vem experimentando, consciente ou inconscientemente, o desejo de progredir, crescer, desenvolver seu negócio, melhorar de vida e de dinheiro. Me parece ainda que este espírito ficou especialmente atiçado a partir do desenvolvimentismo dos anos 50 do século passado, os famosos Anos JK, em que sob a inspiração da construção da nova capital brasileira, em pleno – e até então isolado - Planalto Central do país, uma febre de progresso e avanços em todas as áreas fez subir a autoestima nacional.


Ao mesmo tempo em que o governo impulsionava a implantação de fábricas de automóveis,em que a petróleo era nosso, em que Volta Redonda fornecia o aço para os grandes empreendimentos, afirmava-se também nosso futebol mágico e campeão mundial. A Bossa Nova magnetizava Nova York, o Cinema Novo ganhava a Palma de Ouro em Cannes e começava a consagrar a geração de Glauber Rocha, o teatro batia recordes de apresentações, questionamentos e inovações, os movimentos sociais avançavam no sonho de um país menos desigual, e assim em todas as áreas, em especial no espírito do povo brasileiro, em cada canto distante do país.


Não por acaso, surgiram papelarias, fundições, fruteiras Progresso. Mas também espalhavam-se, neste rastilho de esperança em novos tempos, as mercearias, aviários, padarias, oficinas e outros empreendimentos com o nome de Alvorada. Que replicava o mesmo sentido de Progresso, representando ambas as palavras a fé em dias melhores que começavam a raiar.


Limites concretos

Tudo, porém, termina encontrando seus limites, e havia poderosos setores que temiam tantas mudanças. Em 1964 teve início um período de repressão militar, que enquadrou todos os segmentos sociais, que a arte limitou, que a imprensa censurou e calou, que aos espíritos inquietos, rebeldes e inovadores cassou, perseguiu, prendeu ou exilou – além de coisas piores. Grande parte da sociedade brasileira, deve-se dizer, apoiou a ditadura em seus primeiros momentos. Aos poucos, os efeitos nocivos do arbítrio impuseram-se sobre suas possíveis virtudes.


Progresso? Bem, tirando alguns momentos em que as classes médias viveram o sonho do chamado “Milagre brasileiro”, com o decorrer do tempo já poucos colocavam uma placa sobre seu estabelecimento com o nome de Progresso ou Alvorada. De uma maneira ou de outra, na consciência da maior parte do povo brasileiro, outras palavras-conceitos foram ao longo dos anos ganhando espaço: Resistência, Transição, Abertura, Liberdade... Democracia! Estas, no entanto, não podiam ser pintadas sobre a fachada das lojinhas.


O resto é história. Quanto ao progresso, outros motivos – mais amplos, profundos e urgentes – fizeram com que o termo já não fosse tão atraente e unânime quanto em outros períodos. Caso é que a noção de progresso como um processo de crescimento (físico, econômico, empresarial, de consumo) sem barreiras, esbarrou nos limites muito concretos da própria natureza.


Vocábulo insustentável

Uma série crescente e interminável de desastres ambientais, secas prolongadas demais, chuvas em excesso, tufões onde isto não existia, buracos na camada de ozônio, aquecimento global, derretimento de calotas polares, rios e lagos poluídos, envenenados e semimortos, queima em excesso de combustíveis fósseis, lixo não degradável que lança um problema e uma incógnita para o futuro de todos, ilhas de dejetos a boiar nos oceanos - e muito, muito mais – obrigaram a um repensar.


O mundo inteiro vive hoje, aos trancos e barrancos (e haja barranco pra desabar em áreas de risco!), um processo de tomada de consciência de que nosso planeta e suas riquezas não são intermináveis. Engarrafamentos gigantescos nas grandes cidades são um desafio aos administradores e planejadores urbanos. As cidades menores que ainda não sofrem – muito - com estes problemas, não perdem por esperar.


Por tudo isso, outros vocábulos pedem passagem nos dias de transformação que vivemos. Preservação, Equilíbrio, Ecologia, Consumo Consciente, etc. As agendas políticas, sociais e econômicas hoje são obrigadas a incorporar a palavra Sustentável – mesmo que para muios administradores, políticos e empresários, esta seja, ainda, apenas mais uma expressão vazia ou uma forma de oportunismo.


Claro que continuam existindo, Brasil afora, sólidas empresas batizadas de Progresso. Porém, tudo indica que o real progresso – nas relações humanas, sociais e ambientais – só continuará a ter sentido se levar em conta, para valer, uma visão mais ampla de nossas ações e de suas consequências. O resto é apenas uma palavra, com a pintura descascada, em alguma velha fotografia.