Temas

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Poetando

Carnal digital

José Antônio Silva


Brigava com o marido

na hora da transa

e escafedia-se

escafodia-se

para o banheiro

entendiada

enxaquecada

ofendida

mas não fodida



Ele descia pra beber

na cozinha

ela no banho

manipulava

o próprio sexo

e o do

ator tanquinho

da sua

tela mental



Mil quilômetros dali

o galã projetado

gozava às pressas

com a mangueira

do jardineiro

encaixada no rabo:

hora horinha

de gravar

o novo capítulo

romântico

do seriado.






sábado, 23 de outubro de 2010

Livro

“Manual de Anti-Ajuda”: sarcasmo e poesia em dois Santos dos Santos



José Antônio Silva

Personalidade reconhecida no centro antigo de Porto Alegre, por onde deambula – discreto, culto e levemente irônico – entre salas de cinema, livrarias, casas de cultura, restaurantes e outros espaços amigáveis, dois Santos dos Santos é também poeta rigoroso na lavra dos versos. Mas agora, o autor de “Sobre corpos e ganas” e “Cidade noturna” leva aos leitores um inesperado “Manual de Anti-Ajuda – aforismos, frases feitas e desaforos” (Editora Nova Roma Livraria, 100 págs.), que de quebra é ilustrado pelo próprio escritor.

O título já adianta praticamente tudo o que encontraremos no miolo do livro. Há sacadas e insigths brilhantes – por vezes francamente cômicos – mas quase sempre tisnados por uma demão de sarcasmo ou desilusão. “O Brasil tem um largo passado de país do futuro” poderia muito bem ser assinada por, digamos, Millor Fernandes.

À direita e à esquerda, Santos (inconfundível mesmo à distância, com seu colete e sua boina para as quatro estações) vai aspergindo sua sabedoria cruelmente humorística: “Dada a implacabilidade do sistema, e suas circunstâncias aparentemente irremovíveis em nosso tempo, para um bocado de seres ainda chamados humanos, um outro mundo é possível só depois de mortos”.

Papai e mamãe

E, claro, a mediania geral também é brindada com pérolas como esta: “Um casamento pode ser considerado maduro e feliz quando, em torno da meia- idade, mulher e marido começam a chamar-se de ‘mãe’ e ‘pai’”.

A maioria das boutades do livro segue assim, em clave humorística – como alguém na platéia, divertindo-se com a comédia humana à sua frente. Há, no entanto, um pessimismo assumido, aparentemente domesticado, mas marcando presença e eventualmente mostrando os dentes: “Era um fracassado tão completo que foi incapaz de consumar até mesmo o suicídio”. De fato, o tema é persistente nas páginas do livreto, por vezes de modo mais inspirado: “Dada a condição humana em seus aspectos mais terríveis, o suicídio pode ser visto como uma forma de eutanásia”.

Como se sabe, há uma longa, hilária e respeitável tradição de aforismos e frases de duplo sentido, configurando uma seita que tem no jornalista e crítico norte-americano H.L.Menken, um dos seus sacerdotes maiores. Apenas uma provinha: “Digam o que disserem sobre os Dez Mandamentos, devemos dar-nos por felizes por eles não passarem de dez”. Ainda entre os norte-americanos, uma dose de Groucho Marx, sem gelo: “Eu não freqüento clubes que me aceitam como sócio”.

Palavra afiada

Claro que uma arte assim – à semelhança de um cartum, talvez - não raramente é utilizada como arma no campo da política, da crítica de arte, da discussão de botequim ou academia, sem falar nas colunas jornalísticas.

Enfim, o Brasil também tem um time que não faz feio nesta especialidade, do Barão de Itararé – “Pobre quando come frango, um dos dois está doente...” – ao citado Millor. Por falar nele, o clássico O Pasquim nos brindou ainda com Ivan (o Terrível) Lessa: “Amar é ... ser a primeira a reconhecer o corpo dele no Instituto Medido Legal”.

E a gauchada não deixa por menos (além do já lembrado e genial Barão). É o caso, entre muitos outros frasistas de talento, de Fraga – agora um verdadeiro fenômeno no Twitter, pela quantidade industrial e a qualidade artesanal de suas tiradas. Salta um pio dele, demonstrativo: “Se arrependimento matasse, ninguém se arrependeria”. Sobre esta espécie de miniblog na internet, vale frisar que é um terreno extremamente fértil e convidativo para os frasistas, como comprova o cidadão citado acima.

Humor, poesia, pensamento

Certo que alguns cultores do gênero são humoristas puro sangue; outros, caso de dois Santos, já vieram da maternidade contaminados pela poesia. O que determina diferenças sutis no resultado. Indiscutível é que faz pensar, enquanto sorrimos. “Aquele que era considerado por todos quase um deficiente mental, geralmente acaba se tornando o membro mais brilhante da família”.

Acautelai-vos, porém, loucos e visionários em geral: “Ainda que algumas pessoas se achem – quem sabe até mesmo você – nem todo o sujeito com um parafuso solto pode ser considerado genial”. E lembre-se, ainda: “Alguns muares zurram de maneira atípica, e isso é considerado uma espécie de iluminação”.

Por sinal, o mundo animal recebe considerável dose de realismo do poeta: “O cão, além de haver sido humanizado em excesso – por domesticação e contágio – foi corrompido ideologicamente: é o único animal capaz de matar em defesa da propriedade”.

Arte? Dois Santos dos Santos reservou uma das frases mais secas e cortantes do livro para o tema – frase que, aliás, talvez o defina: “A principal qualidade do artista é a exigência; e poucos a têm”.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Poetando


Poetando sem juízo

José Antônio Silva


Suicídio vespertino

Poemas sobre

o por do sol

no Guaíba

morrem afogados

- em solidariedade a ele -

todo final de dia


…........................................


Animals language

Um cachorro mia

um gato ladra

uma vaca pia

o rato (vocês sabem) ruge

o passarinho muge

a galinha guincha

o porco cacareja

o sapo grasna

a abelha (em esquadra) zurra

o pato relincha

o burro chilreia

a ovelha coaxa

o que eu também acho:

todo animal

aqui citado

não sofreu danos

durante a produção

desta brincadeira


…......................................

Só n'amor

Amor é o espelho de Roma

e portanto o lema

dos romanos românticos:

só n'amor

amam.


Em dúvida

em Roma

como as romanas.




sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Política

Campanha de Serra: repulsiva, assustadora, interessante

José Antônio Silva

A série de calúnias e baixarias contra Dilma Roussef, que vem sendo despejadas - como sacos de lixo que caem do caminhão da mídia e de outros – sobre o eleitorado, é repulsiva e até assustadora. Mas tem aspectos interessantes. Repulsiva pois não conhece qualquer limite ético, ao inventar mentiras escabrosas, distorcer fatos e declarações, forçar ilações, baratear em nível rasteiro e rápido debates complexos (como a questão do aborto), e jogar esta porcaria toda sobre a cabeça das pessoas, com frases de efeito.


É também assustadora, a atual série de baixarias, pois nos mostra até que ponto podem ir os setores conservadores e reacionários do país, capitaneados – como artífices, estrategistas e cérebros da oposição à Lula, ao PT e, agora, à Dilma, - pelos órgãos de comunicação de massa. Os mais facilmente identificáveis atendem pelos nomes de Veja (Ed. Abril), Estadão, Folha de S. Paulo, Rede Globo...


Chacais no deserto

A coisa é interessante - para observadores, jornalistas, cientistas e analistas políticos -, como seria interessante observar o ataque articulado, conjunto e impiedoso de chacais contra quem se aventura no deserto, no caso o deserto inóspito de uma Eleição Presidencial. Melhor dizendo, de uma eleição que, desde o advento de Lula, sempre vem opondo dois projetos distintos e claros. Um, agora encarnado em Dilma, que quer manter o crescimento do país com geração de empregos e divisão de renda, com jovens pobres e pretos na universidade; e o outro – com Serra - que faz o antiquíssimo jogo da casa grande e da senzala.


Segue sendo interessante notar como o presidenciável que vem ajuntando toda a direita ao seu redor, foi oriundo do movimento estudantil contra a ditadura (assim como Dilma), foi exilado (como ela)... Mas a partir daí, escorregou para a intimidade com os poderosos (incluindo as viúvas da ditadura), o neoliberalismo, a privataria e as negociatas com o poder, movimentos deflagrados pelo impichado Collor e alavancados, historicamente, pelo guru de Serra, Fernando Henrique Cardoso (autor de “esqueçam tudo o que eu escrevi”).


Já Dilma manteve sua coerência, conservando-se ao lado das grandes massas injustiçadas e segregadas do país. Sem ficar presa ao passado (aliás, onde ficou presa foi na cadeia da ditadura, sendo torturada), avançou, trocando a opção sessentista/setentista da luta armada pelo voto, a democracia plena, a conscientização popular.


Enfeite do bolo

Para a candidatura Serra, sabemos todos os que viveram os anos do PSDB no governo, “políticas sociais” não passam de um enfeite, a cereja do bolo, daquele bolo que os mais pobres nunca recebiam uma fatia. O cerne ideológico do grupo que se opõe à Dilma é formado por monetaristas e homens de fé verdadeira – fé na “Mão Invisível do Mercado”, que tudo regularia, e que colocou Estados Unidos, Europa e praticamente o mundo todo numa terrível depressão. (Depressão, aliás, da qual o Brasil escapou graças às políticas sensatas do governo Lula).


Nesta linha da fé, continua interessante verificar (mas tape o nariz!) como Serra tem ajoelhado e rezado no altar da hipocrisia. Ele apela para os aspectos mais obscurantistas da nossa sociedade – como o fanatismo religioso – disparando orações junto a seitas reacionárias, preconceituosas e/ou profundamente ignorantes, que julgam ter canal direto com Deus.


Não é difícil imaginar que ao sair de uma cerimônia dessas, ele deve (aí sim!) reassumir sua verdadeira e arrogante personalidade, tomar um banho a rigor, esfregando-se com fúria para se ver livre do cheiro do povo. Pronto, arrumado e perfumado, “Zé” irá beber seu sagrado uísque, jantando no melhor restaurante dos Jardins, junto com a elite elitista que o apóia, brindando ao pretendido avanço do retrocesso. Interessante mesmo, não?


Mas mais interessante que tudo isso, será ver o resultado das urnas, dia 31 de outubro, quando ele cair do cavalo – junto com os poderosíssimos interesses que representa. Já estou esperando, penalizado, pela cara abatida de William Bonner, anunciando que o Brasil, pela primeira vez na história, tem uma presidenta.


Não dá para perder.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Balaiada Hightech - VII

O sentimento das coisas – 1

José Antônio Silva

Inferno – O inferno são os outros, mas nós não somos o paraíso de nós mesmos.

Comédia – Interferência artístico/terapêutica de alienação existencial, através de uma sucessão de gargalhadas histéricas.

Tragédia – A vida num ambiente de eterna penumbra, onde nunca se abre uma janela que traga ar puro e a luz do sol.

Alegria – Uma linda jovem sorridente que corre pelos campos atraindo os incautos, encantados...

e Tristeza - Quando nos prostramos frente à ela, sentimos a flecha da morte atravessando o coração.

Drama – A casa pega fogo e você escapa pela última janela, com ferimentos leves. Mas jamais vai esquecer os gritos e lamentos dos que não conseguiram.

Esperança – A certeza de que finalmente nosso motor de popa vá pegar - na próxima tentativa – antes do barco ser arrastado cachoeira abaixo. Às vezes pega, o que garante existência eterna e sempre renovada a este sentimento, enquanto os homens morrem.

Pânico – Paralisação da mente e do corpo: imobilidade frente ao cão feroz. Ou fuga desgovernada, sem traço de vergonha, dignidade ou prurido, enquanto o estádio lotado o observa.

Palavras – Escadas e pontes que nos levam até a próxima ilha, onde confraternizamos num breve tempo, enquanto ruge a tempestade da solidão. Em desespero, vamos lançando mais e mais palavras. A maioria cai no oceano e nunca mais é ouvida.

Paradoxo – Você sonha que está ajudando alguém em perigo; este se volta contra você. Uma multidão o espanca. Você não acorda.

Ódio – Imenso bloco de mármore negro, imóvel, no meio do único caminho. E agora?

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Proto-conto

Sujeito bebe como quem desce um barranco: a cada gole – ou passo – está um ou dois metros mais para baixo, mais para o fundo.