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terça-feira, 31 de março de 2015

Clássicos do cinema

José Antônio Silva


Norte-americano
Velhote estrebucha, depois de ser espancado num beco escuro. Um jovem amigo o encontra:
- Você sabe, Frank... Eles me pegaram...
Jovem:
- Não fale, Joe. Você vai ficar bem...
Velhote, agora sussurrando entre golfadas de sangue:
- ...urgh... um homem sabe quando está acabado, Frank...

Francês
Dois amigos fumam e tomam café e fumam e tomam café em um café parisiense.
Mais jovem, de gola rolê e óculos de aros pretos:
- Jean Louis, uma mulher pode ser apenas uma mulher...
Mais velho, cabelos grisalhos, óculos de aros pretos sobre a gola rulê, depois de soltar a fumaça:
- Uma mulher nunca é apenas uma mulher, mon petit Jacques...

Brasileiro
Garoto magro de 14 anos, guias no pescoço, duas pistolas na cintura, agarrado a uma loira falsificada e gostosa, decreta:
- Vamos invadir o Borel!
Gordo vestido apenas com bermuda e fuzil, repercute:
- Vamos acabar com os alemão, aê!
O líder dá o baseado para a namorada e passa o cano de uma pistola no meio das pernas dela. E encerra o papo e a cena:
- Só se for agora, Buiu!

Italiano
Rapaz salta de uma motoneta em frente a uma casa, após rodar barulhentamente por ruelas estreitas e seculares. Uma moça voluptuosa e irada abre a porta.
O motoqueiro leva um susto, mas sorri:
- Tiau, bela!
A jovem, grandes peitos balançando no vestido floreado:
- Ma che?! Questo são horas de chegar? Estavas com tuas vagabundas, não é?!
- Non, minha santa... Che vagabunda?... (bate com a ponta nos dedos na testa).
Sorri:
- Trouxe uma coisa para você... Por isso me atrasei...
Remexe no bolso da jaqueta. Seus dedos apertam uma caixinha de jóia.
Ela percebe algo... ele a segura antes que desmaie.

Inglês
Táxi quadradinho e negro desliza pelo cinza-chuva londrino. Pára na frente de um casarão vitoriano. Desce um roqueiro com os cabelos verdes, calça apertada azul, casaco listrado de amarelo e preto. Num braço, o estojo da guitarra, no outro um tradicional e imenso guarda-chuva negro.
O mordomo do clube privado masculino recolhe o guarda-chuva e o chapéu côco do roqueiro. Ele se senta ao lado de um velho sir, de colete e paletó de tweed discretamente quadriculado:
- E aí, vovô? Como foi a sessão no Parlamento hoje?
O nobre dá mais uma bicada em seu cherry brandy:
- Maçante, Leonard. Como sempre... Como vai sua mãe?
- O senhor sabe... Ela suspendeu o financiamento da minha banda até que eu termine o college...
- Ela é muito careta. Fale comigo. Você não deve se transformar em mais um almofadinha, um coxinha desses.
(Vira-se para o lado, em direção ao garçom, em pé há horas, junto à porta):
- Alfred, traga mais um cherry.
(E abaixando a voz para o jovem):
- Vamos fumar ali na sala reservada. Você trouxe o haxixe, não é mesmo?





segunda-feira, 23 de março de 2015

Lourdes, Darcy, Plauto - as últimas vozes vão calando

José Antônio Silva

O violonista Darcy Alves, o Professor Darcy, abandonou o instrumento e a vida neste mês de março, às vésperas de festejar seus 83 anos. Foi mais um membro de uma excepcional geração musical boêmia, do samba, do choro, da noite porto-alegrense, que teve em Lupicínio Rodrigues (falecido precocemente em 1974, antes de completar 60 anos) sua maior estrela. E olha que ele não foi o único a receber o reconhecimento e as glórias da nação (antes da geração de Elis Regina): cantores como Elza Soares, Germano Mathias, Luís Vieira, Noite Ilustrada e muitos outros vinham a Porto Alegre para pedir a Túlio Piva uma canção inédita.

A Lupi e Túlio, somavam-se nomes de compositores e/ou instrumentistas e cantores da altura de Alcides Gonçalves (co-autor de muitos sucessos de Lupicínio), Johnson, Ruben Santos e tantos mais: Plauto Cruz, Zilah Machado, Clio, Jessé Silva, Lúcio do Cavaquinho. A roda de uma Porto Alegre boêmia à moda antiga – dos anos 40 ao final dos 70 do século passado – incluía jornalistas, radialistas, políticos, artistas e intelectuais como Hamilton Chaves, Demóstenes Gonzales, Glênio Peres, Hélio Vasques da Silva, Antoninho Onofre. Reuniam-se em bares como Adelaide’s, Chão de Estrelas, Batelão (um dos vários restaurantes que Lupi criou), Gente da Noite e Pandeiro de Prata (ambos de Túlio Piva e nomes de dois de seus grandes sucessos), Dona Maria e muitos outros.

Enfim, nos últimos anos os remanescentes destas duas ou três gerações ligados à ideia ainda romântica de uma boemia do samba, seresta, choro e gêneros assemelhados, que atravessou o século XX em todo o Brasil, vêm desparecendo por força da própria idade. Em Porto Alegre não é diferente.

Apenas no ano passado, a música porto-alegrense perdeu nomes como a cantora Dona Lourdes Rodrigues (uma das principais intérpretes de Lupi), falecida aos 76 anos, em outubro; e o radialista e promotor cultural Glênio Reis, aos 86, em agosto.
Já há algum tempo, sobrevive no esquecimento o virtuose Plauto Cruz, o Plauto da Flauta, em sua casinha de madeira na Zona Sul da capital gaúcha, já sem condições de soprar seu instrumento, aos 85 anos.


Antes que toda essa geração desapareça, não está mais do que na hora, - em nome da cultura, da música e da história gaúcha e porto-alegrense – de gravar seus depoimentos num grande documentário sobre o samba, a seresta e o choro na Porto Alegre do século passado, pelas vozes que ainda restam? E, é claro, em regime de urgência?