Perdido o ônibus do horário, embarquei num lotação com destino
ao Centro da cidade. A calma da manhã nebulosa, na periferia, logo passou a ser
metralhada pela voz do locutor da emissora sintonizada pelo motorista, em altos
brados:
- Matar, matar, matar! Vagabundo não tem que prender, não! Tem
é que matar!
Inebriado pela sua própria voz amplificada pelo rádio, o
“comunicador” comunicava que tinha a saída perfeita para todos os problemas
ligados à criminalidade.
-... passar com a moto em cima da cabeça do vagabundo!
Fiquei imaginando o poder daquela mensagem de ódio e
crueldade despejada diuturnamente na cabeça não só do motorista do lotação, mas
de toda a imensa população mais carente de educação, formação cultural e
política, direito à informação de qualidade.
A metralhadora vocal continuava despejando impunemente seu
pente carregado de projéteis nos ouvidos de vagabundos e trabalhadores.
-...enterrar vivo, tem que enterrar vivo o vagabundo!
Tendo uma espécie de orgasmo de sadismo, o locutor da morte
avançava em seu delírio criminal.
- Polícia tem que matar, matar, matar, despejar bala neles! Polícia
trabalha sério, trabalha para caramba, pro vagabundo andar solto por aí! Tem
que pisar na cabeça do vagabundo até sair o cérebro, pisar na cabeça até sair o
cérebro!
Imaginei se o Ministério Público, a Justiça, o Legislativo e
o Executivo – com a ajuda de psiquiatras, sociólogos, especialistas de vários
ramos do saber, não deveriam tomar pé e
providências sobre esta clara incitação à violência e ao assassinato,
através das ondas de rádio e TV, que são concessões públicas. Meu próprio
cérebro, no entanto, ainda que não estivesse vagabundeando, também começou a
sentir uma imaginária sola de botina espremendo-o.
- Um grande abraço a todos os policiais civis e militares do
Rio Grande do Sul – concluía o comunicador.
Ainda bem que o rádio perdeu a sintonia no viaduto e
perdemos também a próxima ideia genial do fascismo encarnado no radialista, que
não pensa em exigir melhor educação pública, igualdade social, combate ao
racismo, oportunidades iguais a todos, cidadania, prisão, julgamento com
liberdade de defesa, tratamento psicológico/psiquiátrico aos casos adequados e
todos os outros direitos que fazem parte do cotidiano dos países menos desiguais
e mais civilizados.
Afinal, ele tem uma solução muito mais fácil e rápida para
todos os problemas sociais e para a criminalidade, instaurando de vez a paz dos
cemitérios.
Você sabe: Matar! Matar! Matar!
(Após a leitura, se possível poste um comentário. Obrigado)
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