Globo mantém prestígio nas novelas e esportes, enquanto abandona
de vez o jornalismo real
“Ouça um bom conselho/ que eu lhe
dou de graça:/ inútil dormir, que a dor não passa“. – Bom Conselho, Chico Buarque
de Hollanda. http://migre.me/tuWow
Pois eu, que como muitos milhões
de brasileiros, acompanha a trajetória global ao longo do tempo, e hoje assiste
o império midiático da Famiglia Marinho engasgando na crescente queda de
audiência, também tenho meu bom conselho - minha singela sugestão - a dar aos
herdeiros do moribundo jornal O Globo, que há muito sobrevive com a ajuda de
aparelhos. Com menor público e credibilidade jornalística ao nível do chão, acredito
que a Globo – para sobreviver com alguma respeitabilidade e manter o apoio
popular – deveria se fixar em produzir novelas, onde tem competência
internacional reconhecida e onde, inclusive, pode se dar ao luxo de ser
progressista em áreas como o combate aos preconceitos contra gays e ao racismo.
A ideia aparece de passagem na excelente e lúcida entrevista concedida por
Carlos Araújo ao repórter Marco Weissheimer, no Sul21 ( http://migre.me/tqE5r )
Poderia, ainda, a Venus Desbotada, se manter focada no
futebol e outros esportes, onde “faz lá a sua graça”. Sem que se esqueça, é
claro, da proximidade promíscua de alguns apresentadores e locutores com a
malcheirosa CBF, com empresários mafiosos do futebol, ex-boleiros-agentes-de-jogadores,
marqueteiros esportivos e assemelhados (hoje, em situação de desgraça,
preventivamente criticados, embora amigos do peito até ontem).
Mas o Jornal Nacional – seu principal produto jornalístico –
sofre lenta e constante perda de confiança e audiência. Grande parte da
população já não acredita em suas notícias de enfoque parcial, sempre que o
tema é político. Por vários motivos.
O primeiro e mais óbvio é o advento da internet e redes
sociais, que na prática fragmentou o monopólio da informação da grande mídia
conservadora e que, sempre que acha conveniente, é também golpista.
Mídia Ninja
A maior demonstração disso foi desfechada pelo até então
desconhecido coletivo do Mídia Ninja, que, nas manifestações de 2013, desmentiu
na rede, para todo o Brasil, imagens sem edição que na prática revelavam o
contrário do jornalismo editorializado, cortado, selecionado e empacotado entregue
pela Globo. O MN, claro, é só um exemplo de centenas (ou milhares) de ações
midiáticas diretas, sites, blogs, mensagens no Face e etc., hoje desenvolvidas
por qualquer um que tenha uma câmera ou um celular na mão e alguma ideia
honesta na cabeça.
Muitos dos grandes profissionais do jornalismo, historicamente
corajosos, inovadores e éticos, como Caco Barcellos, preferiram sair (ou foram
saídos) da linha de ação do JN e do jornalismo diário e se dedicam a projetos
de base, como a formação que ele ministra aos jovens jornalistas, no seu Profissão
Repórter.
Risco aos bons
jornalistas
Outro comunicador global que mostra independência é o
apresentador Chico Pinheiro, que, à revelia da posição da empresa, manifestou-se
publicamente contrário ao impeachment forçado de Dilma, por não ver motivo
concreto para esta medida extrema.
É de justiça citar também a demissão do repórter e apresentador Sidney Resende (que estava desde 1997 na Globo), em novembro do ano passado. Ele levou o chute no traseiro após publicar em seu blog algumas observações sobre o jornalismo global: “Uma trupe de jornalistas parece tão certa de que o impedimento da presidente Dilma Rousseff é o único caminho possível para a redenção nacional que se esquece do nosso dever principal, que é noticiar o fato, perseguir a verdade, ser fiel ao ocorrido e refletir sobre o real e não sobre o que pode vir a ser o nosso desejo interior. Essa turma tem suas neuroses loucas e querem nos enlouquecer também. O Governo acumula trapalhadas e elas precisam ser noticiadas na dimensão precisa. Da mesma forma que os acertos também devem ser publicados. E não são. Eles são escondidos”.
Resultado de tanta franqueza? Demissão sumária.
Acomodação e cooptação
Afinal, o padrão vigente neste momento na emissora é o da
acomodação, da cooptação, da subserviência y otras cositas. É exemplar, neste
mau sentido, a trajetória de Pedro Bial, que de repórter audacioso e culto,
correspondente de guerra que chegou a ficar parcialmente surdo no conflito
bélico da Bósnia, virou um bufão, apresentador animado da mediocridade
apelativa de BBBrasil. Outros velhos jornalistas, que passaram com postura
digna pelos tempos duros da ditadura civil-militar (que malucos hoje querem
reviver), atuam agora com cinismo na agenda golpista e desequilibrada da emissora.
Por estas e
outras, cresce a desconfiança sobre o que seria a isenção jornalística “global”.
E, para piorar o descrédito da empresa, sua trajetória é repleta de lances de
golpismo político localizado e apoio geral ao conservadorismo. Vale recordar
rapidamente alguns casos.
País dividido
O deslavado
apoio ao golpe e aos golpistas contra a democracia em 1964; a escandalosa
tentativa de fraudar o resultado da eleição de Brizola ao governo do Rio, em
1982; a manipulação do debate entre Lula e Collor, nas eleições de 1989. Estes
e tantos outros casos pagam o preço do descrédito a qualquer cabeça pensante no
Brasil. E até mesmo no exterior, como se vê pelo repúdio ao golpismo evidente,
entre grandes líderes políticos internacionais e em parte importante da mídia
mundial, que denuncia a má vontade escandalosa e a tendenciosidade de sua
congênere brasileira.
Na mesma
medida em que se aferra à busca pela queda – do jeito que for – da presidenta
eleita Dilma Roussef, a Globo observa, temerosa, que esta opção preferencial
pela manipulação política vem afastando ainda mais telespectadores. Afinal,
hoje não há dúvida de que o Brasil está dividido entre quem pretende o
impeachment de Dilma e o fim do PT (ainda que de forma golpista), de um lado, e
os que, de outra parte, lutam pela manutenção das normas constitucionais e do
tratamento isento – pela Mídia, Judiciário e Legislativo - para toda e qualquer
autoridade, de qualquer partido ou coloração ideológica, que estiver envolvida
em malfeitos.
De braços
dados com O Globo (versões impressa e digital, em franca decadência), Estadão,
Folha de S. Paulo, Veja/Abril, IstoÉ, Época e a maioria da grande mídia, a TV
Globo vive um tudo ou nada desesperado. Mesmo os mais alienados e acomodados
telespectadores observam que há algo de podre, mal parado e suspeito no reino
platinado do Jardim Botânico carioca.
A Bíblia tinha razão
Enquanto as
produções bíblicas nacionais da Record abocanham nacos crescentes do público
noveleiro, antes cativo da Globo, a emissora marinha sente também o bafo da Band
com suas novelas turcas. Assim como na área esportiva, onde a televisão
paulista alcançou liderança de audiência durante as partidas decisivas da Copa
dos Campeões da Europa, em fevereiro deste ano. Para não falar do prestígio
conquistado pelo Jornal da Band, comandado por Ricardo Boechat – uma
alternativa concreta, mais jornalística e menos tendenciosa que sua congênere
da Globo, dominada pelo mi-mi-mi ensaboado de William Bonner.
RS: o absurdo diário
Afirma-se
ainda, como opção informativa e diversificada, a cada vez maior TV Brasil, da
Empresa Brasil de Comunicação. A empresa nasceu, em 2007, da fusão dos
patrimônios da antiga Radiobrás e da Associação de Comunicação Educativa
Roquette Pinto. Hoje, sua programação cobre 90% do território nacional. O seu
jornalismo amplo e profissional, junto com programas culturais, era
retransmitido pela TVE do Rio Grande do Sul. Mas o governo Sartori – vale
noticiar – rompeu o contrato gratuito com a EBC. Atualmente, acredite se
quiser, em seu lugar a TVE transmite os noticiários da estadual TV Cultura de
São Paulo (administrado há décadas pelo PSDB), sem qualquer interesse objetivo
e próximo para o público gaúcho. Absurdo diário: há algum ganho para os
riograndenses em saber se a Linha Jabaquara do Metrô de SP vai estar interrompida
hoje ou amanhã?
Globo paga para (a gente) ver
Mas,
fechemos o parêntese. E voltemos ao caso da Globo. Reconheça-se que a empresa
tem know-how ainda superior na teledramaturgia. E suas fórmulas de programação
esportiva seguem dominantes. Seria aconselhável a ela reforçar estas áreas, de
público certo. Porque o seu jornalismo vem merecendo crescente desconfiança dos
telespectadores – na mesmíssima medida em que se afasta da isenção e se afunda,
de modo levemente histérico, no lamaçal do golpismo e da manipulação informativa.
A Globo decidiu pagar para ver. Que pague. Mas nós, por certo, já paramos de
assistir a farsa de todas as noites.
Um comentário:
A Globo cansa quem pensa, mas adicica enquanto massageia o cérebro de quem não quer pensar.
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