O desapego, versão neolib
José Antônio Silva
O discurso
por vídeoconferência em que o presidente do Grupo RBS, “Duda” Melzer, anunciou
friamente a demissão de 130 jornalistas nos próximos dias, é um exemplo de cinismo.
Ou, se formos generosos, da forma alienada e irreal como um típico jovem
empresário neoliberal vê o mundo: tudo são “oportunidades” para a empresa
crescer, como um fim em si mesmo.
Mas o que chama
mais a atenção é o termo “desapegar”, que Melzer utilizou à vontade ao longo do
texto. Sua utilização, aqui, representa o auge de uma desvirtuação de
linguagem. Trata-se de um conceito de origem budista. Esta filosofia de vida,
salvo engano, diz que, para evitar o sofrimento, é preciso ter consciência de
que somos mortais e não vale a pena nos “apegarmos” a riquezas que são
passageiras - e que mais nos prendem do que nos libertam, existencialmente.
A propaganda
já vinha usando com excesso de liberalidade o termo “desapegar” – para vendermos
bugigangas que não nos servem mais (claro que o verdadeiro “desapegar” seria daquilo
pelo qual temos verdadeiro apego).
No caso da
RBS, já vimos este filme em sessões anteriores. Demissões em massa. “Duda”, em
seu discurso, trata os profissionais que vão para a degola sumária – alguns com
mais de 20 anos de “casa” – com desapego no sentido neolib: bota pra rua o que
já não rende tanto e não maximiza os lucros. E tem mais uma pérola de pragmatismo
duríssimo na fala do presidente Melzer: a casa não irá investir “em coisas que
não agregam”. Coisas?
Muitos dos
jornalistas demitidos tinham desenvolvido grande envolvimento e apreço pela
empresa, o que é natural (Millôr dizia que o dinheiro compra até amor
verdadeiro, mas aqui é só uma piada).
Enfim, para
Melzer e companhia, trata-se apenas de fazer uma operação de limpeza na empresa
pós-industrial, com “desapego” fácil e fake – só dói nos demitidos.
Aos
jornalistas agora dispensados, em tom alegre e de crescimento empresarial,
falta conseguirem se desapegar do contracheque no final do mês. Muitos deles,
no próximo emprego (tomara que todos consigam), já terão aprendido a lição de “Duda”,
e desenvolverão menor apego à futura “casa”. Já para os que agora entram na
empresa, recebem tapinhas nas costas e são bombados nas políticas de TI da RBS,
pode-se dizer – sem medo de errar: o dia de vocês também vai chegar.
Comecem a se
desapegar desde agora.
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