Caetano, Chico e as
biografias não autorizadas
José Antônio Silva
Nunca achei que discordaria
tanto de uma posição tomada pelo genial Chico Buarque, que costuma acertar não
só em suas letras e músicas. Mas leio agora que Chico, mais outros artistas da
primeiríssima linha da MPB – Gilberto Gil, Caetano Veloso, Milton Nascimento,
Roberto e Erasmo, Djavan – fundaram um grupo (infelizmente não musical),
intitulado “Procure Saber”, para tentar impedir a publicação de biografias não
autorizadas. Como todos estes mestres veteranos passaram pelos rigores do
período ditatorial e da censura (à imprensa, às obras artísticas, aos livros),
soa muito estranha esta obsessão em querer controlar tudo o que se escreve ou
se escreverá sobre cada um deles.
“Autorização prévia” para uma
biografia significa dizer: “Neste livro que tu estás escrevendo, só vai sair o
que eu quiser que saia!”. Enfim, uma grande reportagem chapa-branca, apenas com
uma seleção dos melhores momentos.
Claro que o mundo ideal seria
o autor chegar a um acordo com seu biografado (ou com os herdeiros deste), para
que o livro saísse sem paranóia de um lado, e compromissado com a verdade e a
ética do outro.
Acho que um bom exemplo de
algo assim é a biografia “Vale tudo – o som e a fúria de Tim Maia”, escrito por
Nelson Motta. Amigo do “Síndico”, morto
em 1998, aos 56 anos, com muitíssimos quilos de talento, Motta tinha a
confiança da família do cantor, e os altos e baixos de sua carreira e vida
estão todos ali. Mas mesmo as verdades desagradáveis ali são ditas com respeito
e bom humor, correspondendo ao afeto que tinha pelo grande artista falecido e
ao crédito que foi depositado nele, biógrafo.
E se o escritor não merecer
essa confiança e inventar, distorcer, criar escândalos e factóides para bombar
a divulgação e venda de seu livro? A regra é clara: os familiares e detentores
dos direitos da obra do biografado podem entrar na Justiça e solicitar a
retirada do livro do mercado, retratação, indenização por perdas e danos, etc.
Mas, liderados com fúria
santa pela ex-senhora Veloso, Paula Lavigne, o grupo “Procure Saber” não quer
saber. Como explica matéria da Folha de S. Paulo (http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2013/10/1352167-gil-e-caetano-se-juntam-a-roberto-carlos-contra-biografias-nao-autorizadas.shtml),
a Associação Nacional dos Editores de Livros move uma Ação Direta de Inconstitucionalidade
no STF questionando artigos do Código Civil que impedem a publicação de
biografias sem a autorização prévia dos biografados ou herdeiros. Por isso,
Lavigne quer registrar o “Procure Saber” como associação, obtendo assim status legal
de “interessada na causa” junto ao Supremo.
Autores e jornalistas que se
dedicam ao gênero, como Lira Neto, Ruy Castro, Fernando Morais e outros têm,
claro, se manifestado contra a pretensão dos retratáveis, seus herdeiros e
representantes.
Enquanto nada muda, os fãs
não poderão conhecer, por exemplo, os detalhes do Rei (sua biografia “Roberto
Carlos em Detalhes”, de Paulo César de Araújo - capa na foto acima -, foi retirada das livrarias por
ordem judicial). Ou os sertões interiores de Guimarães Rosa (“Sinfonia Minas
Gerais: A vida e a literatura de Guimarães Rosa”, de Alaor Barbosa, também não
pode). Ou ainda a vida sem queixa nem queixo (essa foi braba!) do formatador do
samba, em “Noel Rosa – uma Biografia”, pelos craques João Máximo e Carlos
Didier, que também está censurada. Ah, igualmente “Lampião, o Mata Sete”, não
pode ser vendida nas boas livrarias do país. Afinal, poderia prejudicar a
imagem do bandoleiro.
Só para confirmar: esse
Caetano Veloso do “Procure Saber” (mas não procure muito), é o mesmo que uma
vez, em plena ditadura, disse que “é proibido proibir”?
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