Scliar e a sucessão literária
José Antônio Silva
Porto Alegre e o Rio Grande, creio eu, têm dimensão para suportar (em todos os sentidos) um grande nome da literatura por vez – idéia que me vem à mente agora com a morte de Moacir Scliar. Ao menos, é isto que venho notando em meu tempo de vida - falo apenas do que venho observando nas últimas décadas. Penso que, pelo menos dos anos 60 para cá, tivemos três grandes nomes, que se sucederam como figuras de proa na barca da literatura riograndense.
José Antônio Silva
Porto Alegre e o Rio Grande, creio eu, têm dimensão para suportar (em todos os sentidos) um grande nome da literatura por vez – idéia que me vem à mente agora com a morte de Moacir Scliar. Ao menos, é isto que venho notando em meu tempo de vida - falo apenas do que venho observando nas últimas décadas. Penso que, pelo menos dos anos 60 para cá, tivemos três grandes nomes, que se sucederam como figuras de proa na barca da literatura riograndense.
Grandes no sentido mais largo do termo, englobando não só a consistência e o eventual brilhantismo da obra, mas também um alto nível de reconhecimento popular (inclusive nacional) e de crítica. O que não tira um milímetro da importância dos demais escritores e escritoras de forte talento que aqui iniciaram ou desenvolveram, e desenvolvem, sua trajetória literária.
Por ordem cronológica de entrada na (minha) cena, aparece Erico Verissimo, o construtor dos amplos painéis sobre a formação histórica do povo riograndense. E um criador de personagens que amalgamaram em si traços presentes na cultura pampeana, devolvendo ao imaginário riograndense figuras símbolo, ainda que idealizadas, como o Capitão Rodrigo Cambará, Ana Terra e outros. Erico, nascido em dezembro de 1905 e falecido em novembro de 1975, foi também editor, tradutor, um homem de posições políticas e – até hoje – talvez ainda seja o autor gaúcho mais conhecido no Brasil e no mundo.
Contemporâneo e colega de Editora Globo, Mario Quintana foi o nome que sucedeu ao amigo Verissimo no gosto popular e no reconhecimento crítico. Um homem problemático e que teve sérios problemas com o alcoolismo, Quintana sem dúvida foi um poeta maior, com uma dicção muito própria, aliando uma aparente singeleza formal a um refinamento que esconde várias camadas de significado. Nos últimos anos de vida, foi transformado pela mídia (ou aceitou o papel) em um “bom velhinho”, adorado por crianças e professorinhas. Ao morrer, em 1994, amargava a derrota de seu sonho de tornar-se um “imortal” da Academia Brasileira de Letras, sufocado pela politicagem medíocre que envolve todo o processo de escolha. Mas para a poesia brasileira – e sem dúvida para os gaúchos – é um imortal.
E eis que seria Moacyr Scliar a concretizar o desejo de Quintana, ao ser eleito para a ABL em 2003. Um escritor prolífico, dotado de grande poder de comunicação em seus romances e contos, agregou um caráter ainda mais universal à literatura riograndense. Jogando com a ironia, com o melancólico e típico humor judaico, por vezes imerso no realismo fantástico, tendo como cenário mais freqüente o seu Bom Fim da infância, Scliar abordou grandes temas. Seus livros de contos e romances abriram-lhe as portas do reconhecimento em vários lugares do mundo, até porque apostava quase sempre na leveza – e no recurso das parábolas - para narrar o peso da violência, da culpa, da mentira ou para tratar da revolução.
O fenômeno de um grande nome por época, no sistema literário, talvez seja típico de culturas menos cosmopolitas. Na também regionalizada Bahia, João Ubaldo Ribeiro ocupou naturalmente o espaço deixado por Jorge Amado.
Fato é que a morte de Scliar, como toda a morte, deixa um vácuo. No caso dele, no cenário das letras. A julgar apenas pelo sucesso nacional e local de público e crítica, em especial a partir de seu trabalho como cronista de jornal (mas também romancista), Luis Fernando Verissimo teria todas as condições de ofício para bem ocupar este posto, informal e não oficial, mas concreto, de algum modo. No entanto, tudo indica que precisa existir no autor alguma disposição para encarar o “sucesso”, desde as filas de autógrafos, as muitas entrevistas, a badalação, a presença em atos e eventos oficiais e oficiosos. O filho de Erico é famoso não apenas pelo talento humorístico e a leveza e precisão de suas análises políticas e sociais, mas igualmente pelo laconismo e a timidez. Do mesmo modo, vivo fosse, me parece que jamais seria entronizado no lugar uma personalidade fugidia e outsider como a de Caio Fernando Abreu.
3 comentários:
Muito boa a tua análise, Zé. Pode ser que um dia nós, gaúchos, deixemos nosso bairrismo de lado e passemos a enxergar nossos escritores como eles são, com sua humanidade e grandeza. Abraços!
Gostei muito da análise. Os escritores citado são todos do Brasil e do mundo e não precisaram da Academia para isso.
Obrigado pelos comentários, Luciane e Lena!
Apareçam sempre.
Abraços!
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