No início dos anos 80, o país já ouvia – ainda à certa distância, é verdade – os últimos suspiros da Ditadura milica. O general Figueiredo, na Presidência de 1979 a 1985, garantia à cavalo a abertura política lenta e gradual - tanto que já tinha avisado outros setores da caverna, digo, caserna: “Quem não quiser que abra, eu prendo e arrebento!”. Jornalistas, cartunistas, intelectuais, estudantes e artistas em geral, assim como alguns políticos e muitos trabalhadores sindicalizados, iam empurrando no peito, na raça, com jeitinho ou jogo de corpo, a linha demarcatória das liberdades democráticas.
Glauco Villas Boas, o Glauco, natural do Paraná, sotaque acaipirado, era um desses jovens cartunistas que surgiam na cena paulista cheios de ironia e crítica ao regime militar, mas com sangue novo e visada diferente. Era apenas alguns anos mais novo que a geração de Chico e Paulo Caruso, Angeli, Laerte; ou, em Porto Alegre, de Edgar Vasques, Santiago, Eugênio “Corvo” Neves, o falecido Ronaldo Westerman, entre muitos outros.
Olho no comportamento
Historicamente, todos eram “filhos” ou herdeiros da geração Pasquim – Millôr, Ziraldo, Henfil, Jaguar, vocês sabem. Glauco, estreando na segunda metade dos 70, trazia um traço mais sintético e limpo; e um humor que já ousava olhar para o comportamento, os costumes sociais, a sexualidade, as drogas, a hipocrisia das relações humanas, o machismo e outras questões então pouco abordadas pelos chargistas estabelecidos, criados que foram no enfrentamento duro ao regime militar, que parecia ocupar todo seu esforço e talento.
Mas a sociedade se modificava e exigia ser refletida, pensada em sua subjetividade – e lá estava Glauco, na hora e local certos para isso. Como este sentimento era geral, outras áreas também acordavam e iam à luta, para além dos limites da censura e das dificuldades econômicas.
Edições Lira Paulistana
Uma delas era o (hoje) mítico Teatro Lira Paulistana – um porão na Rua Teodoro Sampaio (Bairro Pinheiros, São Paulo) que abriu seu palco de arena e sua precária mas entusiasmada infraestrutura para o surgimento e afirmação de Itamar Assumpção e Banda Isca de Polícia, grupos Rumo, Premê, Língua de Trapo, Arrigo Barnabé, Tetê Espíndola, Almir Sater e tantos músicos mais, no que ficou conhecido como “Vanguarda Paulista”.
O Lira, no entanto, se humano fosse, seria um baixinho invocado e abusado, e não contente em ser teatro, produtora musical e gravadora, também virou editora (ver aí pela internet o jornal Lira Paulistana).
E foi assim que tivemos a honra – pois eu era da equipe de malucos lirenses, à época (enquanto trabalhava na Folha de S. Paulo e outros gigantes midiáticos) – de abrir a Edições Lira Paulistana com nada menos que o primeiro livro de tiras do cartunista, chamado “Minorias do Glauco”, cuja capa vocês podem ver aqui reproduzida. Assim como a página de apresentação, o expediente da editora e a contracapa, na qual – como de costume, fiel ao seu jeito gaiato – Glauquito dava uma sacaneada em seu amigo Laerte.
Personagens clássicos
Logo depois formaria/desenharia Los Três Amigos (com o citado Laerte e o indigitado Angeli), num sucesso que atravessaria duas décadas. Sem falar do desenvolvimento de seus personagens clássicos e caóticos: Geraldão, Geraldinho, Dona Marta, o Casal Neuras, Zé do Apocalipse, e outros.
Eram as minorias do Glauco, que tanto tinha uma visão aberta da sociedade e do mundo, que ousou aprofundar-se nos desafios espirituais. Até que uma alma perturbada acabou com a graça.
Zé... conheci o Glauco quando morei em Sampa, entre 86 e 89, antes de se converter ao Santo Daime.
Muito amigo do Fred Maia, meu querido compadre, volta e meia nos encontrávamos e passávamos bons momentos juntos conversando sobre mulheres, cultura, política e espiritualidade.
esse paranaense desgarrado da porra vai fazer uma falta...
Oi, Riba! Verdade, tínhamos que falar disso, que é só mais um aspecto da vibração que o Lira promoveu, em seu tempo. Tu, como um dos fundadores da coisa toda, sabe bem disso. Abração! Zé Antônio
Valeu pela boa postagem, Zé! E que belo currículo esse teu junto com a Lira - o que só reforça a parte que já conheço (êpa!). O que me espanta - com ou sem Glauquito - é que a universidade ainda não trata o desenho editorial como disciplina obrigatória em seus cursos de comunicação. E, Alexandre Brito, também conheço Fred Maia, mas não avisa a polícia...
José Antônio Silva? Jornalista e escritor em Porto Alegre/RS.
Autor de dois livros de ficção (Diabo Velho, Ed. Mercado Aberto-RS; O nome do Fuínha, Ed. AGE-RS).
Dois de poemas (Tiques & Taques, Ed. Klaxon-SP;Lá vem o que passou, Col. Petit PoA, SMC-Porto Alegre).
Um de resenhas e ensaios jornalísticos (A Impressão da Cultura, Ed. Sulina-RS).
Participou de coletâneas de contos e poemas (Antologia do Sul – poetas contemporâneos do RGS, 2001, Assembléia Legislativa/RS; Sul/Sur – poetas do Cone Sul, pela Secretaria da Cultura do Estado do RGS).
E de edições independentes (Há margem - Porto Alegre e Vício da Palavra - São Paulo).
Como jornalista contratado ou como frila, andou por Zero Hora, Folha de S. Paulo, Editora Abril, Caldas Jr., Diário do Sul, Diário Comércio e Indústria, Veja, Isto É, Bizz - e muita imprensa alternativa, sindical e cooperativada.
Já deu aula de Jornalismo na Universidade, foi assessor de imprensa em prefeituras e governo estadual, hoje atua novamente como jornalista no SindBancários/RS, além de frilar como repórter e/ou editor para revistas e jornais, e ainda criar roteiros para TV, cinema e vídeo.
5 comentários:
Zé...
conheci o Glauco quando morei em Sampa, entre 86 e 89, antes de se converter ao Santo Daime.
Muito amigo do Fred Maia, meu querido compadre, volta e meia nos encontrávamos e passávamos bons momentos juntos conversando sobre mulheres, cultura, política e espiritualidade.
esse paranaense desgarrado da porra vai fazer uma falta...
grande post esse teu!
contribuo com a página oficial dele na web:
http://www2.uol.com.br/glauco
abraço.
Valeu Zé, estava esperando algo sobre as minorias,
Riba de castro
Valeu, Alexandre!
Grande abraço.
Zé Antônio
Oi, Riba!
Verdade, tínhamos que falar disso, que é só mais um aspecto da vibração
que o Lira promoveu, em seu tempo.
Tu, como um dos fundadores da coisa toda, sabe bem disso.
Abração!
Zé Antônio
Valeu pela boa postagem, Zé! E que belo currículo esse teu junto com a Lira - o que só reforça a parte que já conheço (êpa!). O que me espanta - com ou sem Glauquito - é que a universidade ainda não trata o desenho editorial como disciplina obrigatória em seus cursos de comunicação. E, Alexandre Brito, também conheço Fred Maia, mas não avisa a polícia...
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