Sexo, drogas, rock n’roll e gangsta rap
José Antônio Silva
“Sexo, drogas e rock n’roll”. De algum modo imperfeito, este chavão ainda dá uma idéia do que envolvia a questão das drogas, e tudo que a cercava, nos libertários anos 60 e 70, mundo afora. Na sopa contracultural em que ferviam as juventudes ocidentais da época, com seus marcos – Maio de 68 em Paris; o mega Festival de Woodstock; a Marcha contra a guerra do Vietnã (em Washington); a Marcha dos 100 mil (contra a ditadura, no Brasil), etc – misturava-se revolução socialista com movimento hippie, liberação sexual com religiões orientais, anarquismo com artesanato e ecologia, feminismo com meditação transcendental e luta armada. E muita, muita mochila e estrada, cortando tudo.
A droga neste contexto não era encarada como pura alienação ou vício: tratava-se de uma “viagem para abrir as portas da percepção”. Os livros de Carlos Castañeda e suas drogas indígenas, “de poder”; o LSD; os cogumelos alucinógenos; e mesmo a singela maconha – tudo fazia parte desta aventura mental e transcultural, no caminho de uma nova era...
E inclusive com o apoio da ciência. Bem, de alguma ciência... Como a do dr. Timothy Leary, professor de Berkeley e Harvard, que ministrava aos alunos doses de ácido lisérgico (substância descoberta nos anos 40 pelo químico suíço Albert Hoffman), observando suas reações. Ele mesmo uma espécie de cobaia entusiasmada da droga, em pouco tempo tornou-se o profeta da transformação psicológica da humanidade, que seria descortinada com o uso do LSD. Claro que em pouco tempo perdeu as cátedras, foi fichado pela CIA e chamado por Richard Nixon de “o homem mais perigoso da América”.
Mas as drogas naturais continuavam prestigiadas. Paralelamente às viagens de Carlos Castañeda nos desertos mexicanos com as plantas de poder, havia toda a maconha e o axixe que pudesse ser consumido, sem falar na caça aos cogumelos nascidos do esterco das vacas, devidamente ingeridos em forma de chá. Este universo paralelo mas amplamente disseminado receberia contribuição genuinamente amazônica e brasileira através da mistura de ervas conhecida como yahuasca, que recortada de seu contexto indígena, terminaria por fundamentar uma religião urbana – ou mais de uma – baseada na revelação cósmica, espiritual e transcendente experimentada pela ingestão da beberagem, sob certas condições controladas e ritualizadas.
Bem, não vamos romantizar. “Eu vi as melhores cabeças da minha geração destruídas pela droga” – já havia constatado o poeta beatnick Allen Ginsberg, no final dos anos 60. E na história do rock (a trilha sonora desta parte da história recente), todos podemos enumerar grandes talentos que se foram antes do tempo por overdose, suicídio ou acidente provocado por algum tipo de droga (rapidinho: Elvis Presley, Keith Moon, Jim Morrison, Mama Cass, Janis Joplin, Jimi Hendrix, Sid Vicious, Kurt Cobain, entre centenas de outros; muitos escaparam por detalhe, com cicatrizes eternas, como Eric Clapton). Ainda assim, sobrevivia a idéia de que uma nova sociedade igualitária, generosa e sem tampões na mente estava surgindo. Até que o sonho acabou. Bum!
Corta para os anos 90 e 2000. Cada vez mais, a droga é apenas um caminho para a morte prematura, a degradação do vício, a criminalidade que este acarreta e sua procissão de sofrimento, corrupção e falta de perspectivas. Um ceifador de vidas, especialmente entre os jovens, e um mal do qual as sociedades e os governos mundiais não conseguem se libertar. O crack e a merla, subprodutos da cocaína, mais baratos e muito mais letais, espalham-se pelas almas desorientadas das grandes cidades, em tragédias sem fim. E assim...
“Sexo, drogas e armas”. Este pode ser o mantra dos anos 80 para cá. As drogas ganham status de comodities poderosíssimas, arrastando e corrompendo autoridades e até governos. As armas, neste cenário, entram como um dos principais ativos nas grandes transações internacionais, para fortalecer o arsenal dos donos das bocas de fumo dos morros cariocas e das favelas brasileiras de modo geral, assim como em outros países. Armas que terminam sendo moeda de troca, de aluguel e de prestígio para a execução – literalmente - de outros crimes, que passam pelas “guerras” de extermínio entre diferentes grupos de traficantes, até assaltos, seqüestros, furtos de veículos e muito mais.
Seja nas belas paisagens de papoula do Afganistão, em que boa parte do lucro da droga alimenta e arma a histeria intolerante e assassina do Talibã; seja nas matas e altiplanos da Bolívia, em que as Farc – e seu oposto complementar, os “contras” da ultradireita – ganham sobrevida em mútua e promíscua negociação com os fabricantes e traficantes de cocaína, vê-se que as armas são um dos principais “baratos” da nossa época. Os últimos modelos tanto estão nas lutas semi-tribais da África, com meninos-soldados-escravos de 11 anos, ou nos conflitos independentistas que levantam ex-repúblicas soviéticas, manipuladas por Moscou ou Washington.
As armas – como num imenso supermercado aberto a qualquer um que tenha algo para dar em troca - nunca tiveram tanto destaque nem um público consumidor tão diversificado e numeroso. Grupos de mercenários, como os rapazes da Blackwater, por exemplo, a serviço de Washington no Iraque, dão o toque pós-moderno e ultraneoliberal, linkando negócios milionários, ações de governo e violência sem controle num mesmo pacote, onde é difícil dizer onde começa uma coisa e termina outra.
“Sexo, drogas, armas e ostentação”. O corte agora é para uma mansão em Miami, Las Vegas ou qualquer outro paraíso ensolarado nos States. A música da época já não é o rock, em qualquer de suas encarnações. É o rap – mas não o rap anti-discriminatório, de indignação e protesto, de pioneiros como Tupac Amaru Shakur e outros pioneiros. Não: ligue a MTV ou outro canal do gênero e muito provavelmente você ouvirá coisa bem diferente. Com sorte, será uma canção de amor e sexo quase explícito, com pouco de rap e muito de pop.
Ou verá/ouvirá um gangsta rap. Isso mesmo que o nome diz: os caras se orgulham de andar com - e exibir - armas, grandes correntes e pulseiras de ouro e brilhantes, carrões de luxo. Bagaceragem: alguns se proclamam ex (para evitarem a prisão) traficantes e gigolôs, chamam as mulheres de vagabundas e cadelas; em seus clipes a mulherada só serve para se esfregar nestes heróis anabolizados do consumismo e da alienação, para serem comidas com desprezo e depois mandadas embora, com um tapa na bunda e uma grana na bolsa. Muitos não ficam na pose: não foram poucos os astros do gênero que se mataram e feriram à bala (incluindo o próprio Tupac, assassinado a tiros aos 25 anos). De algum modo, são os modelos de sucesso apresentados pela mídia.
Fico pensando: qual será o próximo lema internacional? E qual a sua trilha sonora?
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