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sábado, 17 de setembro de 2016

Cinema – “Aquarius” e o valor da resistência


O que pode um homem só frente ao poder econômico? E uma mulher, mesmo que goze de algum prestígio profissional, às bordas da velhice, numa sociedade machista? Geralmente bem pouco. Quase nada. Mas resistir – apesar de tudo – pode sim valer a pena. E parece ser isto o que quer nos dizer e reforçar o filme “Aquarius”, de Kleber Mendonça Filho. A protagonista Clara, muito bem interpretada por uma madura Sônia Braga, à vontade no papel, é uma jornalista e escritora reconhecida que vive um cotidiano confortável no mesmo apartamento em que casou, teve filhos, enfrentou a Ditadura Militar, a morte prematura do marido e um câncer de mama. E não se abateu.

Um filme feminista? Também. Mas vai além deste rótulo. Sem querer contar todo o enredo do filme do pernambucano Kleber (diretor também do premiado “O som ao redor”), vale destacar a naturalidade das situações e a verossimilhança do elenco, ao retratar o cotidiano desta mulher. Escritora bem sucedida, vive ainda no velho e confortável apartamento que comprou com o marido, décadas atrás, em frente à badalada praia da Boa Viagem, no Recife.

Um alvo bastante evidente para a exploração e a devastação imobiliária. Em seu lugar, uma grande empreiteira quer erguer um espigão com dezenas de apartamentos de luxo – concorde ou não a moradora e proprietária do imóvel.

O filme, no entanto, foge do panfletarismo em que poderia incorrer, e até mesmo de um enfoque “politicamente correto”  restrito. Nos mostra situações mais reais e cotidianas – como a boa relação da escritora famosa com a sua empregada, que está com ela há décadas, e a quem visita na favela, em festinhas familiares. Uma cena bem brasileira e que muita gente conhece e/ou vivencia.

A luta de classes ronda toda a narrativa, mas não é o astro principal. Talvez seja mais adequado destacar aquilo de que o filme trata, de fato: o que é justo e ético. E o que não é. E até que ponto podemos, como cidadãos e cidadãs, permitir que o “vale tudo” neoliberal avance.

Clara resiste em nome do valor afetivo que empresta ao seu velho apartamento do Edifício Aquarius (um nome com ressonâncias libertárias, contraculturais…), embora o dinheiro que a construtora estava disposta a lhe oferecer em troca fosse muito grande.

Assim que, no filme, uma câmera vaga, lentamente, pela praia de Boa Viagem, percorrendo o espaço – mas também o tempo, e seus desafios. O elenco do filme, como se sabe, denunciou o golpe contra Dilma, durante o último Festival de Cannes.

Em represália, o governo ilegítimo de Michel Temer pressionou para que a obra de Kleber Mendonça Filho não fosse escolhida para representar o Brasil entre os indicados ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. Pior para a imagem do governicho de Temer.

À saída do cinema do CineBancários em Porto Alegre, como em muitos outros lugares, a plateia costuma gritar o já tradicional “Fora Temer!”. E podemos acrescentar: “Viva Kleber Mendonça! Viva Sônia Braga! Viva Edifício Aquarius!”.

E viva o Brasil que, mesmo sob golpe, de um jeito ou de outro resiste.




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