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quarta-feira, 10 de março de 2010

Crônica Minha

Eurásia


José Antônio Silva


Olhos oblíquos sob cabelos claros. Não, apesar de lindas as russas não configuram o melhor exemplo neste contexto. Embora o corte oriental das pálpebras, são nórdicas em demasia para darem conta do que penso, intuo e abordo aqui.


Penso em etnias e misturas raciais menos óbvias. Quirguizes, georgianos, armênios, turcomanos, tardjiques, azerbaijões - ou ainda antes, já a partir dos Bálcãs (espécie de região-ponte, ou câmara de descompressão – ou o contrário! - entre Europa e Ásia).


Avancemos pelo Leste. Há iranianos (um povo ária, não árabe) morenos escuros, como os condutores de camelo da Península Arábica. E outros brancos e pálidos como padres de aldeia da França.

Eurásia.

Por vezes mais Europa; às vezes mais Ásia. Para além da mera situação geográfica, aspectos culturais, humanos, religiosos, antropológicos.


No coração da Ásia profunda - no mundo paquistanês, por exemplo - de repente uma criança pashtun de cabelos claros e olhos azuis ou verdes, entre irmãos morenos e olhar negro. (Na foto ao lado, menina afegã de 12 anos que foi para a capa da National Geographic, 1985).


Sempre é interessante observar a diversificada paisagem dos seres humanos, se não viajando, pelo menos em fotos, reportagens de TV, cenas de documentários; a variedade e a exceção de tipos, em lugares inóspitos e distantes de tudo.


Geografia humana em movimento histórico, interação, integração.


Sabemos da herança das espantosas invasões mongóis – Genghis Khan à frente, já no século XIII, a cavalo desde as estepes desérticas da Ásia siberiana às portas de Viena, Áustria.


Os pequenos e ferozes guerreiros do Leste deixaram sua semente nos ventres alvos das polacas, entre pais, maridos e irmãos empalados, ao longo do imenso caminho.


Ou lembremos dos turcos, com séculos de domínio no Bálcãs, onde islamizaram populações inteiras de eslavos e outros povos locais.

Ou os árabes, nas porções européias do Mediterrâneo.


E o contrário, claro: gregos – e depois os romanos – marchando em formação de falange ou legião, Oriente adentro, plasmando eventuais traços ocidentais nos povos submetidos, utilizando a fórmula praticada por invasores de todos os cantos, num primeiro momento. Ou seja: morte ou rendição humilhante dos homens da terra, e o estupro sempre brutal de todas as mulheres que não conseguissem fugir ou esconder-se a tempo.


Junto com o passar dos anos, o passar dos exércitos. A Ásia, praticamente em todos os seus pontos, além das guerras entre vizinhos, foi sempre atacada e ocupada - por pouco ou muito tempo – por europeus. Os citados gregos (e macedônios, como Alexandre, o Grande); romanos; gauleses; cruzados medievais de várias nações cristãs; soldados britânicos, russos, italianos, franceses, alemães, etc.


O Japão, provavelmente por ser uma ilha, ou conjunto de ilhas, melhor se preservou dos exércitos (e dos genes) dos diabos brancos. (E também dos diabos - amarelos como os nipônicos - do mongol Kublai Khan, que além da resistência dos samurais enfrentaram tufões e tempestades marinhas sobre sua frota, por vários anos, até desistirem. Sendo que, à época, as poderosas Coréia e China estavam sob domínio mongol).


Ainda assim, pelo Japão andaram – ao correr dos séculos – mercadores e missionários portugueses, genoveses, espanhóis, ingleses, holandeses... sem falar nos chineses.


Em plena Índia inescrutável, há enclaves (Goa, por exemplo) em que a língua de Camões sobrevive em sobrenomes de alguns moradores locais, na denominação de lugares, comidas e objetos; assim como em Macau, China.


Voltando aos exércitos invasores, um parêntese: não falo aqui de processos semelhantes ocorridos nas Américas ou África. O pavor ao que não era conhecido, além das dificuldades naturais de acesso – como o Oceano Atlântico ou extensões desérticas como o Saara - frearam ou minimizaram, durante milênios, avanços profundos e consistentes. Já Europa e Ásia são formadas por terras contínuas: sempre bastou ir em frente – e agüentar as conseqüências.


Eurásia.

Mais que uma região de fronteiras dançarinas entre os dois continentes, o termo simboliza para mim uma noção ou um conceito – mesmo que fugidio – rico e interessante de troca de culturas, costumes e heranças étnicas e genéticas.


Um resultado de tudo isso pode estar na figura do jovem ruivo e sardento que se autoflagela frente à TV, nas ruas de Cabul, por ocasião da cerimônia da Ashura, entre colegas e irmãos de fé muçulmana.


Descende e guarda a herança genética de um macedônio dos exércitos de Alexandre, que por lá distribuiu seu DNA há dois mil e 300 anos? Ou é filho de uma afegã seduzida por um militar soviético, em plena luta contra o domínio de Moscou no Afganistão, nos recentes anos 80? Ou será tataraneto de um oficial inglês com uma nativa, no século XIX, quando o país asiático era um dos campos de saque do Império Britânico?


Nunca saberemos.


Numa rua de Istambul, um grupo de garotas, vestindo jeans e miniblusas, passa rindo e cantando uma balada pop. Por trás de uma janela, fumando seu narguilé, um homem vira o rosto; espera o próximo chamado do muezzin para se ajoelhar e orar em direção à Meca.


Eurásia!

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