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quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Conto um conto

 

Fumaça



Tiros e explosão de bombas durante a noite inteira, estendendo-se pelo dia seguinte.

Ainda há fumaça perto dos bancos – vidraças estilhaçadas.

Corpos ensanguentados sobre o piso de mármore. Executivo executado calça apenas um pé de sapato.

Ajuntamentos erram pelo Centro, carregando pedaços de pau, barras de ferro, revólveres nas mãos.

Fotos do Presidente são incendiadas em praça pública.

Exército patrulha as ruas – mas muitos soldados e oficiais desertaram e vestem roupas civis, misturadas a bonés, coturnos e camisetas verde-oliva.

O mesmo acontece com as polícias militares.

Grupos de cidadãos, em parceria com militares rebeldes, patrulham as ruas.

Julgam e executam sem burocracia nem rito, no ato. Às vezes estupram também, às vezes matam estupradores.

Ladrões agem à luz do dia, gritando palavras de ordem e gargalhando.

Fumaça de maconha no ar, garrafas de bebida rolam pelas calçadas.

Grandes lojas só têm manequins desnudos e prateleiras cruas.

Não há limpeza pública há dias.

Ratos correm em desespero e liberdade pelas calçadas. Cadáveres estofados na sarjeta.

O transporte público parou.

Velhos caminhões estacionam na praça da Catedral. Oferecem bananas, ovos, um tanto de arroz – até gasolina. É preciso dinheiro. Jóias também são aceitas.

Prédios queimam no fim da rua. Fumaça deita flocos escuros nas calçadas e meio-fios.
Pessoas gritam e soluçam atrás de janelas cerradas.

O som de um piano carregado nas notas graves derrama à rua a Marcha Turca, em desespero frenético.

Cada serviço de emergência ainda funcionando depende da coragem pessoal de uns ou outros.

Moradores de rua dançam nos chafarizes - alegria louca, sabatt de bruxos à luz da lua.

O que houve?

É preciso organizar a luta!

Cadê o sinal do celular?

Um grande avião da FAB ruma ao poente.

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