Conto um conto
Fumaça
Tiros
e explosão de bombas durante a noite inteira, estendendo-se pelo dia
seguinte.
Ainda
há fumaça perto dos bancos – vidraças estilhaçadas.
Corpos
ensanguentados sobre o piso de mármore. Executivo executado calça
apenas um pé de sapato.
Ajuntamentos erram pelo Centro, carregando pedaços de pau, barras de ferro,
revólveres nas mãos.
Fotos
do Presidente são incendiadas em praça pública.
Exército
patrulha as ruas – mas muitos soldados e oficiais desertaram e
vestem roupas civis, misturadas a bonés, coturnos e camisetas
verde-oliva.
O
mesmo acontece com as polícias militares.
Grupos de cidadãos, em parceria com militares rebeldes, patrulham as ruas.
Julgam
e executam sem burocracia nem rito, no ato. Às vezes estupram
também, às vezes matam estupradores.
Ladrões
agem à luz do dia, gritando palavras de ordem e gargalhando.
Fumaça
de maconha no ar, garrafas de bebida rolam pelas calçadas.
Grandes
lojas só têm manequins desnudos e prateleiras cruas.
Não
há limpeza pública há dias.
Ratos
correm em desespero e liberdade pelas calçadas. Cadáveres estofados
na sarjeta.
O
transporte público parou.
Velhos
caminhões estacionam na praça da Catedral. Oferecem bananas, ovos,
um tanto de arroz – até gasolina. É preciso dinheiro. Jóias
também são aceitas.
Prédios
queimam no fim da rua. Fumaça deita flocos escuros nas calçadas e
meio-fios.
Pessoas
gritam e soluçam atrás de janelas cerradas.
O
som de um piano carregado nas notas graves derrama à rua a Marcha
Turca, em desespero frenético.
Cada
serviço de emergência ainda funcionando depende da coragem pessoal
de uns ou outros.
Moradores
de rua dançam nos chafarizes - alegria louca, sabatt de bruxos à
luz da lua.
O
que houve?
É
preciso organizar a luta!
Cadê
o sinal do celular?
Um
grande avião da FAB ruma ao poente.
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