Marin e a volta do cipó de aroeira no lombo de quem
mandou dar
José
Antônio Silva
Este episódio todo envolvendo a Fifa, Conmebol, CBF
e etc., com a prisão do José Maria Marin, não deixa de ser um ótimo exemplo da
tal “ironia do destino”. É certo que a investida do FBI em plena Suíça é uma
jogada ostentação dos EUA, mostrando que eles continuam mandando e desmandando
no mundo, além de colocar mais uma pedra na chuteira da Rússia, que foi
escolhida para sediar a Copa do Mundo de 2018 – uma definição que agora corre o
risco de desandar.
Mas o fato é que é bom demais ver aquela procissão de
velhos corruptos de todas as Américas saindo algemados do hotel suíço (mesmo
que os funcionários da casa tenham tapado com lençóis a sua entrada no
camburão).
Ao mesmo tempo, a ação torna obrigatória a reflexão:
onde estava a tão decantada Polícia Federal brasileira nestes anos todos, que
nada fez quanto à corrupção no planeta da bola verde-amarela? Afinal, até os
pés de grama do Maracanã sabem da roubalheira e do tráfico de influências que
há muito tempo – muito tempo mesmo – rolam, juntos com a bola, no campo da
cartolagem.
Havelange, Ricardo Teixeira, José Maria Marin –
temos no Brasil, no esfuziante mundo do futebol, uma escola de craques da
roubalheira que não fica devendo nada à Cosa Nostra siciliana, à Ndrangheta
calabresa, a Camorra napolitana.
Mas não foi somente a polícia brasileira que nunca
viu nada de suspeito nos negócios biliardários dos donos da bola no Brasil.
Também o Ministério Público, de modo geral, jamais foi a fundo nesse tipo de
investigação – ao menos, que se ficasse sabendo.
E o que dizer da nossa brilhante “Grande Mídia”,
sempre disposta a esbagaçar a classe política (ou os políticos de partidos que
não estão acumpliciados com ela), mas jamais o mundo dos grandes negócios do
futebol. Nunca se vê uma grande reportagem desmontando os contratos
milionários, as negociatas de transmissão de campeonatos, os monopólios, as
exclusividades... os arroubos poéticos e a promiscuidade afetivo-financeira dos
galvões com ex-estrelas dos gramados...
Quase todo o jornalismo investigativo brasileiro (já
nem falo do esportivo) fica devendo explicações por nunca ter calçado as
botinas da desconfiança e entrado na arena para desmontar a desonestidade
histórica da CBF e de suas co-irmãs das Américas do Sul, Central e do Norte –
para não falar da Fifa. Claro, negócios são negócios. Aliás, uma das poucas
exceções a isso, na imprensa nacional, atende pelo nome de Juca Kfouri. Este
sempre denunciou e botou a boca no trombone sobre as maracutaias do esporte
bretão em terras brasilis, desde os tempos de Havelange.
Mas iniciei este textinho me referindo a uma ironia
do destino. E vou explicar. José Maria Marin, deputado da Arena e governador
biônico de São Paulo, durante a ditadura militar, foi o responsável pela caça
às bruxas na TV Cultura de São Paulo, em 1975, ao exigir providências para
acabar com os “comunistas” que, segundo ele, tinham tomado conta da emissora,
divulgando conteúdos subversivos.
O resultado da sua “denúncia” facistóide viu-se de
imediato: tortura e assassinato do diretor de Jornalismo da TV, Vladimir
Herzog, nas dependências do temível DOI-Codi, em instalações do II Exército.
Marin atravessou a ditadura, a redemocratização, os
tempos de liberdade – durante décadas – sempre protegido e reverenciado, ao
lado do poder e do dinheiro. Mesmo agora, com mais de 80 anos, rico e bajulado,
mantinha-se fiel à desonestidade intrínseca e a hipocrisia, que, aliás, costumam
andar juntas.
Antes de morrer, porém, está amargando neste momento
a humilhação mundial de ser preso na Europa e puxar cana dura e interrogatório federal
nos States. Vale a ironia do destino: como cantava Geraldo Vandré, naqueles
idos dos anos 70, “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar”.
Um comentário:
Excelente, mais uma vez, irmãozinho. Abraços.
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