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quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Crônica Minha

Pauteiros do conservadorismo

José Antônio Silva



O respeitável humorista Millôr Fernandes criou uma frase de efeito que volta e meia é repetida - à título de justificativa e motivação – por alguns profissionais da imprensa: “Jornalismo é oposição. O resto é secos e molhados”. Será?


Não creio que afirmar-se como “oposição” – de modo independente de quem ou o que seja a situação – deva ser a base sobre a qual erguer uma carreira.

Para começar, como fica aquele compromisso de ser imparcial e ouvir todos os lados da questão, buscando a verdade dos fatos, acima de tudo?


Pode nos socorrer aqui um ensinamento do mestre Cláudio Abramo, que em seu livro “A regra do jogo”, deixa bem claro: "Sou jornalista, mas gosto mesmo é de marcenaria. Gosto de fazer móveis, cadeiras, e minha ética como marceneiro é igual à minha ética como jornalista - não tenho duas. Não existe uma ética específica do jornalista: sua ética é a mesma do cidadão. (...) O que é ruim para o cidadão é ruim para o jornalista".



Ele também afirma que é preciso fazer opções. Mas opções racionais, de acordo com o bem comum e com o que se apresenta. Se há um governo autoritário ou corrupto, é justo que seja denunciado e sofra a oposição do jornalista ético (ainda que, na minha opinião, isso não elimine a necessidade de ouvir os dois – ou mais – lados de cada questão).


O que se vê, tantas vezes, são jornalistas que assumem dos pés à cabeça, acriticamente, a posição dos veículos em que trabalham – e que frente a um governo de esquerda (ou reformista), tremem de ódio, coerentes com a visão elitista de seus patrões.



Coragem mesmo tiveram os que fizeram oposição em tempos de ditadura – como o que vivemos entre 1964 e 85, quando os jornalistas independentes corriam risco de prisão e até pior que isso. Quem sofreu foi a imprensa alternativa. Mas a grande mídia (que, aliás, havia apoiado o golpe militar), continuou jogando o jogo do poder, mesmo com o transtorno da censura. Jornalões, televisões e rádios eram “situação”, com muita honra e rapapés, sim senhor, e até batiam continência. Agora, na democracia, são valorosos justiceiros da oposição – não declarada, evidentemente.



Entendo, claro, o alcance da frase do grande Millôr – ele mesmo um dos baluartes de “O Pasquim”, símbolo da resistência irônica ao arbítrio. O humorista quis dizer que a proximidade com o poder muitas vezes pode gerar, e gera, a acomodação ou mesmo a venda da consciência do jornalista, em troca de cargos, dinheiro, favores dos poderosos do momento. E por isso a oposição, na romântica linha anarquista: “Hay gobierno, soy contra”.



Denunciar com rigor e profissionalismo os erros, os mal-feitos e a corrupção em todos os escalões governamentais, é necessário, para bem de todos e felicidade geral da nação.



Porém, assumir uma posição imutável de pauteiro da oposição política, de oposição sistemática a um governo que - para além do partidarismo - vem arrancando da miséria e do abandono milhões de pessoas que até então sobreviviam, como seres invisíveis, em escandaloso abandono histórico pelas administrações que se sucediam, ao longo das décadas... isso não é papel de um jornalista digno desse nome.



Seu papel – que eles e suas empresas precisam assumir – é o de cúmplices das oligarquias e do desumano atraso social do país. Relendo Millôr: acredito que, como cidadãos, seriam muitíssimo mais úteis à população brasileira no ramo de secos e molhados.







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