Ivan
Lessa morreu. Quem é mesmo Ivan Lessa?
José
Antônio Silva
Do final
dos anos 60, passando pelos 70 e indo adiante, uma das mais
talentosas formas de resistência cultural à Ditadura Militar
atendia pelo auto-depreciativo nome de O Pasquim. Jornal tablóide
semanal (ou hebdomadário, como preferiam os pasquineiros), o Pasca
foi fundado em 1969 pelo cartunista Jaguar e os jornalistas Tarso de
Castro e Sérgio Cabral. Típico representante da boemia
intelectualizada da Zona Sul carioca da época (mesmo que seu
editor-chefe – Tarso – fosse um gaúcho de Passo Fundo), o
Pasquim já entrou em campo revolucionando a linguagem, usando e
criando gírias, inserindo no jornalismo o falar coloquial, e com
isso acabando com a formalidade do jeito de escrever da imprensa
brasileira.
Seus temas
iniciais, com a cautela que a época recomendava, eram a crítica de
costumes e cultural, a liberdade sexual, comportamental – mas com
uma subentendida oposição ao regime militar, usando a arma
corrosiva do humor. Não demorou quase nada para incluir em seu leque
de assuntos, claramente, a política, a economia, a política
internacional e outros tabus da época, mas (quase) sempre com uma
pegada leve, satírica, criativa, com um jogo de corpo que lhe
conferia todo um diferencial, frente a outros jornais de oposição à
Ditadura.
Além de
artigos provocadores e debochados, uma de suas principais marcas
foram as grandes entrevistas, regadas a uísque, que abriam a boca
dos entrevistados (e dos seis ou sete entrevistadores sempre
presentes). Charges e tiras de humor reuniam os maiores cartunistas e
ilustradores da imprensa na época – que já sentiam o fechamento
de espaços profissionais, frente ao endurecimento e a direitização
dos grandes jornais da época, que apoiaram ou foram aos poucos
aderindo à ordem unida dos militares.
Lá
estavam feras do primeiro escalão, como o já citado Jaguar,
Ziraldo, Henfil, Claudius, Fortuna, Millôr, e outros jovens
colaboradores que começavam a surgir, como Nani, Reinaldo (um dos
criadores do futuro Casseta e Planeta), Paulo Caruso, Angeli, Edgar
Vasques...
Jaguar, é
bom destacar, criou – com Ivan Lessa - o personagem símbolo do
Pasca, o ratinho Sig (de Sigmund Freud), que saiu de uma tira sobre a
boemia da praia de Ipanema para fazer comentários hilários, de pé
de página e duplo sentido, sobre os principais assuntos abordados em
cada edição, ou mesmo sobre a nebulosa e por vezes tétrica
conjuntura brasileira...
No texto,
além dos artigos de Cabral (crítico de música e pai do atual
governador carioca) e Tarso (que esbanjava deboche e ironia em suas
crônicas), também brilhava a coluna “Underground”, de Luiz
Carlos Maciel, intelectual e homem de teatro antenado na
contracultura – uma das vertentes rebeldes que colocava em
polvorosa a ordem estabelecida, em todo o mundo ocidental. Sem falar
em Paulo Francis, jornalista cultural prestigiado e analista
internacional brilhante, no auge da forma, então ainda um homem de
esquerda. E é nesse grupo que pulsava - à última página do jornal
- na coluna “Gip Gip! Nheco Nheco!” o tal de Ivan Lessa, com
ilustrações de Nani. Lessa era um grande frasista e não menos
talentoso cronista de humor.
Numa época
em que a repressão a qualquer forma de resistência à Ditadura era
violentamente contida (aliás, toda a redação do Pasquim foi para a
cadeia, entre novembro de 1970 e fevereiro de 71), e em que a mídia
tentava passar uma mensagem de normalidade e de bons sentimentos à
população, Ivan se saía com essa: “Amar é... ser a primeira a
reconhecer o corpo dele no IML”. Ou: “O brasileiro tem os dois
pés no chão – e as duas mãos também”. Sobrava pra todo
mundo: “Baiano não nasce – estréia”.
Porém, o
filho inquieto do escritor Orígenes Lessa não aguentou por muito
mais tempo o clima ensolarado mas cinzento do Rio de Janeiro da
época, e bateu asas para Londres, em 1978, onde foi trabalhar na BBC
e onde viveu até agora, aos 77 anos, sob um céu cinzento mas
respirando liberdade. Lá escreveu três livros. Porém, carregando
sempre uma indisfarçável nostalgia da terra natal, que ele combatia
com doses de puro e duro sarcasmo. Assim Ivan “O Terrível”
Lessa, em plena Ditadura, completou e deu o troco ao slogan do regime
militar (“Brasil, ame-o ou deixe-o”): "O último a sair
apague a luz”.
4 comentários:
finalmente deixou dessa o ivan lessa!
Gip, gip, nhéco, nhéco! Lá se foi ele.
A perpósitus... tou sempre me perguntando como pôde o Sérgio Cabral fazer um filho daquela... ahm... daquela qualidade, seja.
É verdade, Lilita - esse filho do Sérgio Cabral é um autêntico filho da... da... enfim, um amigo de Carlinhos Cachoeira e cia ilimitada.
Valeu, beijo!
Deixou dessa o ivan lessa... matou a charada, Steve Wonder!
Valeu, mano!
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