“Copacabana me engana” e nos envolve
José Antônio Silva
Ao invés dos cangaceiros e anti-heróis do sertão cinemanovista, a classe média de Copacabana. Mas não a classe média da sofisticação da bossa nova, e sim a da maioria anônima, de um naif provinciano, tendo como trilha sonora as canções de segundo escalão da jovem guarda (mas também Mutantes, Caetano..). A linha de calçada que se estende desde a espuma do Atlântico à muralha de prédios chic da Zona Sul, nos anos 60, é a praia invadida – de câmara na mão, claro – pelo estreante Antonio Carlos Fontoura, em “Copacabana me engana”. Que finalmente assisti, numa sessão coruja da TV Brasil, noite dessas.
Aquela região do Rio, somente conquistada pela cidade à mata è as montanhas no início do século XX, após a abertura de um túnel, é o palco das batalhas éticas e existenciais de Marquinho (muito bem vivido por Carlo Mossy). Ao acompanhar as deambulações e a vagabundagem de um garotão de praia, com seus vinte e lá vai bola anos, eternamente um “vestibulando”, Fontoura expõe uma fatia da dimensão trágica de um país então sob manu militari, com toda alienação política e a falta de perspectivas para a juventude, disso resultante
Não que a ditadura apareça e abane para o público, sob a forma da polícia ou exército. O jovem cineasta se contenta em apresentar seus reflexos arrasadores, a hipocrisia social, o esvaziamento de projetos de futuro, a falta de opções, o velho poder do dinheiro...
A juventude e a inocência tardia de Marquinho viram moeda de troca existencial nas mãos calejadas de Irene (Odete Lara, explodindo em sua beleza madura), assim como do cínico amante da mulher, o milionário trambiqueiro vivido por Paulo Gracindo. Mas também dos pais do garotão e de seu irmão mais velho e experiente, interpretado por Claudio Marzo.
A turma de playboys com quem o protagonista joga bola (liderada pelo talento de Joel Barcellos) na praia e com quem sai para beber e tentar pegar mulher, deixa de ser a expressão coletiva de Marquinho, a partir do momento em que ele se apaixona por Irene. A cena em que o grupo de rapazes fortes e bem vestidos invade um velho salão para espancar meia dúzia de trabalhadores sindicalistas, congela um retrato da alienação política total de jovens em determinado momento histórico.
Os diálogos não podem ser mais “naturais” – e assim, fazem um contraponto àquilo que as cenas desnudam, como o ménage à trois de Irene, Marquinho e seu irmão. E tudo se desvela. Mossy, que alguns anos depois ganhou dinheiro e fama encaixotando uma série de pôrno-chanchadas, revelou-se o ator certo para o papel.
O diretor Fontoura, que três anos depois nos deu o clássico “A Rainha Diaba”, talvez tenha realizado à época seus melhores trabalhos. Mas, nascido em 1939, continua na ativa.
“Copacabana me engana” é um belo filme, low profile. Em preto e branco – enquanto o Brasil da ditadura repetia as cenas do cinema no cotidiano, em cores vivas e mortas. Mas sem perder o humor - o tal “típico humor carioca”, presente nas tiradas de Joel Barcellos, ou nas observações de Odete ou do já veterano Paulo Gracindo.
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