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quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Conto um Conto

Piedade


José Antônio Silva



Santana para de pressionar a válvula do vazo com seu polegar redondo e gigantesco. Um barulho de pororoca, confluência de águas e sólidos – e tudo logo se normaliza, placidamente.


Pronto, diz o sujeito, só de cuecas e camiseta sem mangas, que ostenta uma ampla mancha de suor nas costas, peito e cintura.


Pronto, agora você pode até beber a água, de tão pura que está. A mulher mira a cena com indiferença, que esconde um nojo profundo, asco, algo desta ordem. E não responde nada.


Mas já no corredor, ouve-se um leve murmúrio. Porco. Nojento.


Santana não liga. Dá risada. A válvula da “patente” deve ser substituída, verdade. Enquanto isso, com duas ou três descargas, ela ainda dá jeito. E o custo da água não é ele quem paga mesmo, a ligação é irregular.


Sujeito porco! Não sei como pude me casar com ele. O pensamento parece que grudou no cérebro de Piedade. Eu sei que não deveria ficar assim, sentir essas coisas... Não suporto mais este homem.


Mais tarde, Santana levanta a saia dela, arranca-lhe as calcinhas e a penetra com força, sem qualquer preliminar.


Ela reclama um pouco, somente um pouco. Sabe que não vai adiantar de nada, e pensa que ele sequer tomou um banho e continua com a mesma camiseta na qual o suor já foi renovado e secou por várias vezes neste dia.


Santana, porém, não é o ogro que imaginam. Antes de fuder sua mulher, passou a mão suja por seus cabelos, deu-lhe um tapinha no bochecha e beliscou o bico dos seios. As mulheres gostam dessas coisas, diz para si mesmo, enquanto goza e Piedade chora.


Por que está chorando, mulher?! Começa a se irritar, apesar do relaxamento do orgasmo. Ela funga e passa a gemer, até ter um estremecimento e aproveitar para enfiar as unhas na carne das costas largas do marido. Mas os guinchos da mulher o pacificam, o acalmam.


Ele rola para o lado, embora deixe a grande, peluda e pesada coxa sobre o ventre alvo de Piedade.


Está faceiro porque – como sempre – não apenas gozou, mas proporcionou prazer à esposa. Aplica-lhe um tapa carinhoso e barulhento na virilha, simultaneamente à porta que bate, lá na frente.


Santana sacode a cabeça, mandando para longe o sono que quer dominá-lo. Você ouviu? Parece aqui...


Não, responde Piedade, olhando para o teto. Foi na vizinha.


Santana escora o peso do tronco sobre o antebraço esquerdo e fica escutando o silêncio. Relaxa. Dorme.


Piedade encontra o amante – que é auxiliar do marido na obra – na cozinha do pequeno apartamento. Depois que pega no sono, nada acorda esse diabo tão cedo, diz para o garoto, dezessete anos de tesão pela mulher do chefe, e de medo do gigante adormecido.


Piedade se lava no tanque e estende uma grande toalha felpuda na área estreita, ao lado da cozinha. Adora a sensação do risco. Ela segura o pênis do garoto e o coloca na boca. Depois, cala os medos do parceiro com um dedo pedindo silêncio: termina enfiando o mesmo dedo na boca dele, e logo o substitui pela língua.


Por fim, senta-se sobre o corpo do rapaz até que ambos chegam ao clímax. Ela não consegue segurar um pequeno grito.


A cama range, lá no quarto.


O garoto pega suas roupas num gesto só e pelado salta a mureta para o terreno baldio, ao lado, torcendo o tornozelo direito ao tocar o solo.


Vai colocando as bermudas sem cueca mesmo, ao correr num pé só, como um saci desbotado.


A mulher está se lavando no tanque quando Santana chega à cozinha.


Tu gritou, Piedade? O que que houve?


Ela explica, sorrindo. Ficou tão afogueada depois de fazer amor com ele, seu marido, que precisou se lavar. Só que a água estava gelada....


Santana está pelado, o corpanzil ocupando todo o espaço aéreo da pequena cozinha.


Querido – ela termina de se lavar e recolhe com rapidez a toalha do chão, embolando-a no interior do cesto – melhor se vestir, daqui há pouco as crianças chegam...


Você também… Santana sorri, dá-lhe uma grande palmada na bunda branca e ainda firme. Não consigo dormir direito com a água do vaso pingando o tempo todo. Vou ter que trocar a válvula mesmo. Você venceu!


E segue em direção ao quarto, mas tropeça no par de tênis quadriculados do seu empregado, abandonado sobre os ladrilhos da cozinha.


Dá mais um passo, estaca.

E se volta para a mulher, congelada e nua.


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