Gênesis: quando o genial Robert Crumb dobra os joelhos e ora no deserto
José Antônio Silva
O que é um artista de gênio? Um – também – artesão extremamente habilidoso? Um (re)pensador, criando sobre o que é velho e batido? Alguém que busca romper barreiras em sua arte (quase sempre fazendo o mesmo em sua vida privada)? Alguém cuja obra tresanda à originalidade? Ou, quem sabe, alguém que engaja seu talento à uma causa, tema – ou fixação – pela qual se apaixona?
Pode não ser nada disso, mas tudo isso pode ser dito da genial – mas sóbria e contida – interpretação do bíblico livro do Gênesis, pelo desenhista americano Robert Crumb (30 de agosto de 1943), lançado este ano no Brasil. É um volume de capa dura, que pára em pé, da Conrad Editora, com 200 páginas de quadrinhos de desenho minucioso, e mais umas dez de introdução, notas e comentários da editora e do próprio Crumb, falando do trabalho que teve e dos cuidados que tomou com a tradução dos textos bíblicos originais, cotejando diferentes versões, esclarecimentos de especialistas, etc. Como ele mesmo anuncia, antes de (re)criar o mundo: “Eu, R. Crumb, ilustrador deste livro, no melhor da minha habilidade, reproduzi fielmente cada palavra do texto original, que tirei de várias fontes...”
Versão sem subversão
O trabalho é em si deslumbrante, pela riqueza de detalhes, pela farta dose de imaginação que precisou para traduzir graficamente conceitos nebulosos da mística e simbólica linguagem bíblica. Mas também chama bastante atenção o fato do papa do desenho underground dos anos 60/70, anárquico e contracultural, crítico duro de todo o stablishment, autor de personagens corrosivos e cínicos das HQ, como Mr. Natural ou Fritz, o Gato, vir à público depois de muito tempo com uma versão absolutamente respeitosa do Gênesis, onde não se permite subverter conteúdos nem questionar o discurso através da forma.
A palavra de Deus
Como se tivesse sido tocado pelo peso milenar da tradição que gerou religiões e culturas como o Judaísmo, o Cristianismo, o Islamismo, sendo ainda um dos pilares da cultura ocidental, Crumb deixou-se ser apenas – apenas? – um ilustrador da “palavra de Deus”. Mas faz questão de dizer que “ironicamente, eu não acredito que a Bíblia é a palavra de Deus”. E lá pelas tantas, em uma de suas notas, critica a visão “misógina e antimatriarcal do Gênesis”. No entanto, reconhece: “É um texto poderoso, com camadas de significados que mergulham fundo em nossa consciência coletiva, ou consciência histórica, se preferir. Parece mesmo ser uma obra inspirada, mas acredito que seu poder deriva de ser um empreendimento coletivo que evoluiu e foi sendo condensado por várias gerações até chegar à forma final, consolidada durante o exílio na Babilônia, em
Explicações e racionalizações à parte, teria o rebelde Robert Crumb se transformado num homem religioso, temente a Deus? Se assim foi, é perfeito que tenha escolhido para ilustrar o capítulo fundador do Velho Testamento, onde o Deus – pelo menos o Deus dos judeus (pois à época ainda eram reconhecidos outros, citados no próprio Gênesis) - não era ainda o deus do amor e do perdão. Mas um senhor de poder absoluto que exigia obediência igualmente absoluta e cega; exigia temor, e era dado a imensas descargas de ira santa, recompensando bem, no entanto, os que abaixavam eternamente a cabeça. Como os ditadores e tiranos sempre fizeram através da história, em carne e osso.
5 comentários:
Zé, eu gosto das tuas resenhas, sempre antenadas e bem escritas. registro uma involuntária repetição, no texto sobre Crub, veja:A palavra de Deus
Como se tivesse sido tocado pelo peso milenar da tradição que gerou religiões e culturas como o Judaísmo, o Cristianismo, o Cristianismo, sendo ainda...
baitabraço, tunico kanitz
Obrigado, Tunico!
Abração
Zé Antônio
na amostra do grandE Bier te disse que ia entrar no teu blog e aqui estou, muito boM,
Parabens.
Ruben Castillo
Grande Ruben!
Obrigado.
Zé Antônio
Meu Bom José:
Belo texto sobre a publicação do Crumb (que andou aprontando em Paraty...). Mais um estímulo pra eu ir atrás.
abs
Arthur
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