Deixa eles se divertirem um pouco, gente!
José Antônio Silva
Assim como a marmota invariavelmente anuncia, no início de fevereiro, se o inverno norte-americano será longo ou mais curto, aqui no Brasil também sai da toca jornalística, periodicamente, a pauta dos vereadores e prefeitos que se locupletam com o dinheiro público. Agora aconteceu de novo, via Zero Hora e RBS. A notícia: vereadores de uma rica cidade do interior gaúcho flagrados fazendo turismo nas cataratas de Foz do Iguaçu, ao invés de comparecer as aulas do “curso de vereador”. A verdade é que existe todo um forte segmento do turismo, espalhado pelo Brasil, alimentado basicamente por congressos, seminários e cursos que já são montados para ninguém realmente comparecer. Ou seja, no setor, o bom, o certo – “gerando empregos e renda, aquecendo a economia” - é matar a aula. Para bem de muitas comunidades.
A mídia denuncia, o Ministério Público e outros setores cumprem seu papel investigando, exigindo o ressarcimento das “diárias” aos cofres públicos e processando criminalmente os lídimos representantes das câmaras de vereadores, por todo o país.
Deixa pra lá
Os repórteres reportam e os comentaristas comentam. Alguns colunistas tentam explicar dizendo que a população esquece o que seus edis denunciados fizeram com os recursos públicos, nos últimos verões e invernos. Afinal, grande parte deles são reeleitos como vereadores, ou mesmo vencem pleitos para prefeito, deputado... Mas a sempre destacada certeza da impunidade é só um dos (maus) elementos que compõem a equação “farra municipal com o dinheiro público“.
É pior que isso. As pessoas não “esquecem” – as pessoas perdoam. Mais delicadamente, as pessoas relevam. E por que colocam novamente, como seus representantes na máquina pública, sujeitos que comprovadamente exorbitaram das funções, enganaram, prevaricaram?
Ora, entendo que as pessoas são essencial e paradoxalmente honestas consigo mesmas. Sim, a maioria delas sabe que, estando lá, provavelmente agiria da mesmíssima maneira que seus representantes. Mais: por conta disso não consideram que fazer turismo pessoal à custa do dinheiro público chegue a ser um crime; em sua visão, trata-se apenas de um pecadilho.
Apesar disso
E, nas pequenas cidades de onde vem talvez a maioria dos casos de abusos do tipo, eleitores e eleitos se conhecem, dificultando inda mais a separação de público e do privado, dos interesses pessoais e dos coletivos. Pode-se até dizer que, conhecendo seus vereadores, determinam que – “apesar disso” – eles têm outras qualidades pelas quais vale a pena reconduzi-los ao cargo. (E numa dessas até podem ser convidadas a embarcar em um destes trenzinhos da alegria).
É um problema em escala: este baixo clero de vereadores (e prefeitos) pratica, em nível municipalista, o mesmo que muitos dos membros das Assembléias, Câmara Federal e Senado realizam com as verbas públicas em suas respectivas faixas de atuação - para não falar aqui de outros setores da administração pública.
Em última análise, parece vigorar em todo o nosso imenso país – sem que a auto-decantada maioridade política do RS, e o “orgulho gaúcho”, se afastem um milímetro da regra geral - a má e velha idéia de que fulano rouba mas faz. E tem mais. Para desespero de alguns, Sérgio Buarque de Holanda tinha razão e o brasileiro (quando não está se matando por aí) é mesmo cordial: “Deixa eles se divertirem um pouco, gente!”.
quinta-feira, 12 de agosto de 2010
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Um comentário:
Nada como uma crônica bem humorada a respeito de coisas 'sérias'.
Muito boa.
Abraço.
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