Tá lá o corpo estendido no chão
José Antônio Silva
“Está lá o corpo estendido no chão!” – brada o locutor esportivo, enquanto o árbitro aponta para a marca do pênalti. A frase, hoje recorrente no futebol para colorir a narração de um lance ríspido no jogo, tem sua origem num dos grandes sucessos da dupla Aldir Blanc e João Bosco nos anos 70, a música “De frente pro crime”. E é um excelente exemplo de como versos, expressões e frases cantadas da música popular brasileira saltam naturalmente da melodia para o dia a dia da língua pátria, incorporando-se não só às transmissões de rádio e TV, mas à chamadas publicitárias, textos jornalísticos e literários e, especialmente, à boa conversa fiada, no cafezinho ou em frente a um chope.
Quem é que, referindo-se a alguém mais descontraído, talvez desligado das obrigações caretas do cotidiano, nunca disse que fulano é “maluco beleza”? Maluco beleza, aliás, uma autodefinição do sempre bem lembrado Raulzito Seixas, em seu clássico do mesmo nome. Falando em autodefinição, Raul deixou outra igualmente genial: “Eu prefiro ser/ esta metamorfose ambulante”. Volta e meia alguém se sai com esta, por mais acomodado, não-apocalíptico e integrado que seja...
Por falar no Maluco Beleza, como você está? “Beleza pura”, respondem no automático boa parte dos brasileiros e brasileiras, citando sem lembrar ou saber o velho Caetano Emanuel Viana Telles Veloso, na música em que o baiano garante não se amarrar em dinheiro não, e sim em beleza pura.
Prepare seu coração
“Prepare seu coração” – lasca o apresentador de um programa de auditório, complementando: “Pras coisas que eu vou contar”. O que ele vai contar é que a próxima atração será este ou aquele cantor, ou que haverá uma superpromoção com prêmios incríveis para o público. E sempre há uma propaganda mandando as pessoas, digo, o consumidor, “preparar seu coração”. Na verdade – você já sacou o que ele quer dizer – você deve preparar é o bolso para comprar isto ou aquilo. Mas quando Geraldo Vandré e Theo de Barros ganharam o Festival da MPB da Record, em 1966, com Jair Rodrigues interpretando a canção “Disparada”, o que eles queriam de fato era preparar o coração e o cérebro da platéia atenta para sua mensagem antiditadura. Classicão!
E você, garota, ao sair de férias depois de um ano daqueles, e – se tudo correr bem na estrada, o tempo estiver firme e a casa de praia em boas condições, entre outras questões metafísicas –; você vai responder o quê ao namorado que ficou na cidade e ligou pra saber? Pelo celular, retocando o protetor solar UVA e olhando displicentemente o desfile de surfistas na areia e nas ondas, você confessa que está “livre, leve e solta”. Provavelmente desconhece que está citando no original a composição do pequeno e sorridente Nelsinho Motta, eternizada pelas Frenéticas em algum momento nebuloso entre as décadas de 70 e 80 do século XX.
Na mesma praia, no fim de semana, enquanto espera você voltar do banho, o namoradão murmura sem melodia para a morena de biquíni, que passa a caminho do mar, numa praia bem longe de Ipanema: “Coisa mais linda, mais cheia de graça...”. Vinícius de Moraes e Tom, entornando uma nas nuvens, fazem um brinde: sua obra é mesmo eterna.
sexta-feira, 18 de setembro de 2009
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Um comentário:
"Tri legal" José Antonio.
Assim é ... por ser assim mesmo. Disparada ...
" Prefiro ser uam metamorfose ambulante " Parabéns pelas lembranças. Continue assim!
daniel de andrade
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