Temas

domingo, 4 de janeiro de 2009

Literatura Marginal/Anos 70/Porto Alegre-São Paulo





Colheita verde sob céu cinzento

José Antônio Silva




Há alguns meses, dei uma pesquisada na internet na tentativa de localizar algum traço, memória, citação ou referência ao que se fazia no Rio Grande do Sul (ou Porto Alegre), nos anos 70, dentro do movimento de literatura e poesia alternativa ou independente, ou ainda “marginal” e “nanica” – como também se dizia em relação à pequena imprensa, a única que de fato fazia oposição à ditadura militar. Encontrei muitas citações, quase sempre capitaneadas ou referenciadas pela/na professora Heloísa Buarque de Holanda – mas cem por cento focadas nos poetas alternativos da imensa praia dela, o Rio de Janeiro. Vocês sabem: Cacaso, Chacal, Geraldinho Carneiro, Ana Cristina César, ou gente de outros lugares, porém com circulação preferencial e badalação carioca, como o baiano Wally Salomão.

Ou seja, do que se produziu cá em Porto Alegre, por exemplo, não parece haver qualquer memória, quanto mais estudo crítico. Ou há? Certo, eram produções não apenas de outro século, mas do período AI (Antes da Informática). O mesmo, no entanto, pode-se dizer da movimentação paralela no Rio e em São Paulo, que nem por isso deixaram de virar teses de mestrado, livros, vídeos, entrevistas e muito mais. (Diferença, ou falta de visão e de auto-valorização que talvez contribua para continuar nos caracterizando como província).

Assim, de cara – inclusive por ter participado de algumas das iniciativas da época – lembro de livros alternativos como Teia, Teia II (Lume Editora, entre 1974 e 1976) e Há Margem (Edições Cooperativas Garnizé, 1977). Os participantes (contistas, poetas, ilustradores) destas edições rateadas pelos próprios autores, em boa parte, eram os mesmos.

Incluíam desde o também jovem mas já festejado autor Caio Fernando Abreu, até iniciantes (praticamente todos!), como Sérgio Caparelli, Marisa Scopel, Clóvis Malta, Licínio Azevedo, Emílio Chagas, Eduardo “Dudu” Oliveira, Eduardo San Martin, este escriba que aqui digita e vários outros. Nas ilustrações, gente como Maria Lídia Magliani, Rosane Silva, Giba Rocha, Carlos Alf. Dentro da mesma movimentação, com alguns aninhos de antecedência, é de citar Nei Duclós, Marco Celso Viola e sabe-se lá quem mais.

Alguns destes poetas e contistas gaúchos, ainda em fase inicial, estariam também na edição de Vício da Palavra, publicado em São Paulo, em 1977, que reunia ainda nordestinos, mineiros, mato-grossenses... e até paulistas! No time do Sul, figuravam Valdir Zwetsch, eu e vários outros.

No caso do Vício..., a edição foi igualmente cooperativada, mas sob o nome – absolutamente “fantasia” – de Editora Garnizé. No “editora” percebia-se a intenção de que aquele livro não fosse o único a sair do esforço coletivo do grupo; do nome “Garnizé” (um galo de briga) desprendia-se um aroma de resistência, luta... Nas Teias e em Há Margem, o mesmíssimo clima. Afinal, toda essa produção independente, Brasil afora, tinha como rasgado pano de fundo um regime de arbítrio.

Como literatura, os livros trazem altos e baixos. Alguns dos participantes das coletâneas prosseguiram na carreira das letras, com maior ou menos freqüência ou intensidade, e variado grau de “sucesso” e reconhecimento. Talvez a maioria desses jovens autores não tenha passado daquelas edições iniciais e experimentais. Mas com certeza, e com justiça, também merecem ter seus nomes lembrados. E ficarão, pois para além do aspecto artístico e literário, estão impressos em edições carregadas de sentido histórico e demonstração de resistência a um regime de força.

E é por esse ângulo que parece mais significativa aquela produção dos anos 70 – uma colheita verde, provavelmente ainda não amadurecida, sob um céu cinzento. E é igualmente por aí que se entende seu paralelo e sua proximidade com a imprensa alternativa na Porto Alegre da época (o Pato Macho, o Exemplar, as revistas Paralelo 30 e Tição, o paradigmático Coojornal), com a movimentação musical (tipo as Rodas de Som do Teatro de Arena), o teatro, o cinema de super-8, o cartunismo (sempre forte por estas bandas) e muito mais. Para não falar da Esquina Maldita. Mas isso merece, no mínimo, outro artigo.


Os livros, seus autores e editores

Teia – Lume Editora, Porto Alegre, 1975. (Infelizmente, meu exemplar da Teia já não tem mais capa: ao alto reproduzo a página inicial, com vários autógrafos)
Capa: Antônio Carlos Maciel. Paginação: Juarez Fonseca. Ilustrações: Rosane Silva, Mariza Scopel, Júlio Flash, Danúbio Gonçalves, Cláudio, Jandira Lorenz, Magliani.
Autores: Caio Fernando Abreu, Mariza Helena Scopel, Ligia Sávio Teixeira, Clóvis Malta, Alberto Crusius, Jane Araújo, Valdir Zwetsch, Sérgio Caparelli.

Há Margem – Lume Editora, Porto Alegre, 1975.
Capa e Planejamento Gráfico: Magliani. Planejamento Editorial: Licínio de Azevedo, Sérgio Caparelli e Eduardo San Martin. Ilustrações: Magliani, Pedro Pires e Carlos Alf. Autores: Mariza Scopel, Sérgio Caparelli, Valdir Zwetsch, E.D. Tyburski, Jane Araújo, Clóvis Malta, Eduardo San Martin, José Antônio Silva, J.C.Cardoso Goularte, Emílio Chagas, Licínio de Azevedo, Nei Duclós.

Vício da Palavra – Edições Cooperativas Garnizé, São Paulo, 1977.
Capa: Luiz Gê. Produção: José Antônio Silva, Antônio Romane, Souzalopes, Toninho Mendes, Miguel Angel Fernandez, Valdir Zwetsch, João Teixeira. Diagramação e arte: Miguel Angel Fernandez. Colaboração: Vera Lúcia Pinheiro, Antonio Manuel Faria e Fernando P. Monteiro. Ilustrações: Jayme Leão, Giba Rocha, Duka, Mariza, Magliani, Conceição Cahu, M.J. Lescano, Chico Caruso, Arthur Gaglianone, Jandira Lorenz, Paulo Fernando, Ítalo Cencini, Santiago, Ricky Bols, May Schuravel, Omar Grassetti, Beto Maringoni, Gisela, Eduardo, Jorge Izar, Kika, Mangel, Kanji, Teco Rodrigues, Nicola D’Amico, Jaime P., Cláudio Levitan. Autores: Valdir Zwetsch, José Antônio Silva, Sérgio Machado, Alberto Crusius, Marisa Scopel, Edinilton Lampião, Ênio Vuono, Caio Fernando Abreu, Furio Lonza, Emanuel Medeiros Vieira, Rachel Melamet, João Teixeira, Licínio de Azevedo, Clóvis Malta, Emílio Chagas, Miguel Angel Fernandez, Carlos Sávio, Helinho Pinto Júnior, Eduardo Oliveira, Rubens Jardim, Paulo Barros, Eduardo San Martin, Antônio Romane, Álvaro Luis Teixeira, Marcel Faerman, Souzalopes, Toninho Mendes, Nei Duclós.




7 comentários:

Nei Duclós disse...

José Antonio: agora a rede conta com um registro mais detalhado daquela produção, graças a este teu texto revelador. Devemos insistir que os cariocas que você citou, dos anos 70, são posteriores ao livro mimeografado "Tombam os primeiros anos nos trigais", de 1969, com três autores, Marco Celso Viola, Mariza Scopel e eu. Ou seja, a famosa e badalada geração mimeógrafo da professora Heloisa veio depois desse pequeno grande livro que levamos para as praias do Rio de Janeiro em julho de 1969. "Tombam...", seguido de "Eu Digo", foi o início de toda a produção marginal literária que veio a seguir, no Rio e em Porto Alegre. Mas, como você notou, tudo isso não aparece nas teses, análises, ensaios. Mas a situação está mudando. Segundo Marco Celso, alguns acadêmicos começam a se debruçar sobre esse movimento literário de Porto Alegre, que contou com tanta gente boa, de Caio Fernando Abreu a José Antonio Silva. Grande abraço.

José Antônio Silva disse...

Obrigado por teus acréscimos e esclarecimentos, Nei. Assim se vai recuperando esta história mais detalhadamente.
Grande abraço
Zé Antônio

José Antônio Silva disse...

Boa recuperação Zé, e importante,pois não há estudo sério e competente sobre o que aconteceu aqui no Rgs sobre a denominada literatura marginal.Há um equivoco nisso, não era marginal, mas isso é um assunto pra uma outra conversa.
Eu e o Nei Duclos publicamos em junho de 1969 o "Tombam os Primeiros Homens nos Trigais",antologia da qual participou também Marisa Scopel- realizada pelo Centro Academico Frankilin Delano uma das primeiras edições em mimeógrafo do país, senão a primeira, e saímos pelo país com ela.Na minha página na internet-http://www.marcocelsoviola.i8.com tem uma reprodução de matéria da Folha da Tarde,de 1969.
Em 1970 - "Eu Digo", também em mimeógrafo, e em 1972 uma antologia em mimeógrafo - "Duas Semanas Cinéticas de Arte", com autores como Sergius Gonzaga,Caio Fernando Abreu,Carlos Carvalho,Lauri Maciel,Moacir Scliar,Oliveira Silveira etc, tenho cópia dessa; o original quem tinha era o nosso querido Oliveira que infelizmente patiu recentemente, na qual participaram mais de 20 autores. O que veio depois, veio depois.
Em 2005 fiz palestra na Feira do Livro sobre a não existência da literatura marginal, bem como geração mimeógrafo.
Abs., Celso Viola

José Antônio Silva disse...

Valeram tuas informações, Celso.
Grande abraço
Zé Antônio

Sidnei Schneider disse...

Que belo artigo, Zé. No que tem de informativo e pelo ponto de vista. Por esta época vivia em Santa Maria, e lá, no finalzinho da década de 70, lançamos o "Poemas Podres" (como se vê, bem antes do livro homônimo do meu amigo Paulo Seben). Vendeu feito pãozinho quente, de mão em mão, pois havia um público ávido por literatura viva diante da censura da época. Trazia poemas de Ben-Hur Dalla Porta (hoje médico homeopata em Porto Alegre e ator bissexto), Rogério Koff (agora professor de filosofia na UFSM) Guto (ainda poeta, professor de cinema na UnB), João Antônio Silveira (hoje professor de filosofia no Paraná), Rodynei Silveira (agora advogado, tendo sido antes diretor de teatro), não lembro se a Fátima Nóia (atriz e dubladora de filmes em SP) ou a irmã dela, Graça Nóia, Sérgio "Gaúcho" Dalla Porta, e devo estar esquecendo alguém. De minha parte, foi aí que publiquei meus primeiros poemas, e também as três fotografias da capa. Que eu saiba, só o Guto e eu continuamos na ativa. Abração

clovis disse...

estou fazendo um livro literatura marginal comtando noticias jugulares-contos,do morro da cruz e de seus mitos revelam as inspirações e revoltas do jovem que cresceu e amadurece vendo historias de seu pai e seu tio jovems hores bandidos.mas nao sei como posso a char uma editora,em porto alegre no livro falo de anao e carioca e comunidade.

Unknown disse...

Oi José Antônio, tudo bem?

Sou estudante de Jornalismo da UFRGS e quero fazer uma reportagem para nossa revista da universidade (a 3x4, feita pelos alunos do 5º semestre com o professor Ungaretti) contando a história dessas publicações. Adorei encontrar teu texto, tens como entrar em contato comigo para conversarmos?
Um beijo empolgado!, Laura

(meu email é wulff.laura@gmail.com)