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quinta-feira, 24 de julho de 2008

Crônica Minha (06)

A última irmã

José Antônio Silva


Eram sete irmãs. Esperança era a mais velha. Cheia de energia, animava as outras e seria a última a morrer. Caridade, ao contrário, doava-se demais, em todos os sentidos – havia sempre uma fila de homens frente a porta, à sua procura. Faleceu jovem, de uma doença venérea.

Justiça era portadora de deficiência visual, mas a vizinhança inteira recorria a ela para resolver suas pendengas. Arbitrando uma disputa mais acirrada, recebeu uma bala perdida que lhe prejudicou os movimentos: além de cega, ficou lenta.

Prudência não corria esse tipo de risco. Seus conselhos - única prenda que oferecia às outras – eram, evidentemente, sensatos e ponderados.

Sua irmã gêmea Temperança garantia o bom andamento da economia doméstica, entre outros serviços úteis. Eram, no entanto, consideradas as mais chatas da casa.

Força, além de fisicamente robusta (uma espécie de segurança e pau-pra-toda-obra da família) sempre dava um alento moral, levantando o astral das demais.

Nada que se comparasse, no entanto, à Fé. Esta, quando jovem, chegara a trabalhar no setor de engenharia de obras, removendo montanhas.

Era muito parecida com a primogênita Esperança, e por vezes elas mesmas não sabiam dizer onde iniciavam as obrigações de uma e de outra. Mas a contava com uma força maior, a qual vivia religiosamente apegada – embora o resto da família não soubesse dizer do que se tratava.

Apesar de tudo, alquebrada pela existência, fraquejou: já não era a mesma na hora da morte. Sorte sua que foi amparada naquele momento pela Esperança.

Com o tempo, uma a uma, as demais virtudes (com seus respectivos defeitos) foram se acabando.

A velha Esperança, entretanto, ainda sobrevive, cheia de manias, contra a razão, a idade, os achaques, os argumentos, o bom senso – quase contra tudo. Solitária em sua casa de arrabalde, agora perdida entre os arranha-céus que a cercaram, Esperança sabe que só poderá chegar ao descanso final depois de todos, depois de todo o mundo.




Publicada originalmente a 7 de maio de 1999, no Caderno Viver, do Jornal do Comércio (Porto Alegre)

2 comentários:

Eduardo Simch disse...

Muito bom, muito bom!
Simch

Ubirajara Machado disse...

Duka, adorei, muito bom mesmo...Abraço ao amigo
Bira