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domingo, 27 de fevereiro de 2011

Internacional

Um leve piparote de Allah

José Antônio Silva

Um leve piparote de Allah, o Misericordioso, na ponta de um minarete na capital da Tunísia, fez voar sobre o deserto vibrações que logo atingiram o Egito, a Líbia, o Bahrein, a Jordânia – e sabe Deus (seja lá que nome tenha) onde irá parar. Vemos na prática a confirmação daquela teoria integradora, holística, segundo a qual o bater de asas de uma borboleta na Floresta Amazônica pode provocar um tsunami no Oceano Índico.

A queda do dominó, no caso dos países muçulmanos (ampliada pela instantaneidade e autonomia da internet), tem sua mecânica facilitada pelas fortes características comuns destes regimes. Todos são dominados por governos autoritários – sejam reis ou ditadores no poder. Instituições da sociedade (sindicatos, partidos políticos, associações de classe, etc.) ou não existem ou são fortemente reprimidas ou manipuladas pelo poder centralizador.

E sobre tudo, variando de país para país o seu grau de influência, a presença da Sharia, a lei islâmica. Por vezes, é o único código penal e cível disponível para reger as relações domésticas ou sociais.

Precárias condições de vida

Mas o pano de fundo das atuais revoltas populares árabes é o mesmo de todos os lugares e épocas da história: as precárias condições de vida da população (saúde, educação, moradia, segurança, emprego, etc.). Para não falar da falta de liberdade de imprensa, de expressão, de orientação sexual, comportamental, da opressão das mulheres... Complementado por um autoritarismo praticamente sem limites, crueldade e injustiça sobre as vozes discordantes.

O ponto final é dado pelo estilo de vida dos déspostas no poder – com seus parentes, apaniguados, serviçais, amantes, sua “corte” e seus generais – que atravessam suas existências com o luxo e a opulência que os sultões das Mil e Uma Noites nem imaginavam. Aliás, pode-se dizer que reis são aqueles ditadores que estão no poder há várias gerações.

“Espanto” ocidental

Chama a atenção, porém, o “espanto” dos países ocidentais com a dura repressão da Líbia, do Bahrein (e antes, do Egito) sobre os manifestantes. Ora, todos estes regimes que agora balançam e caem de podres, foram colocados, ou posteriormente cooptados e sustentados estrategicamente, durante décadas, pelos Estados Unidos e as grandes potências européias. Que fechavam os olhos convenientemente sobre as barbaridades praticadas sobre estes povos pelos governantes. Tudo para garantir o petróleo farto da região, os postos avançados das geopolíticas ocidentais, a estabilidade para suas grandes empresas fazerem negócios bilionários, e muito mais.

Especialmente chocante (e uma demonstração de menosprezo pela inteligência de seus leitores, ouvintes, telespectadores, etc.) é o automatismo e a instantaneidade com que a mídia – sem contextualizar ou explicar sua mudança - mudou a forma de tratar os dirigentes destes países agora em convulsão. Há um ou dois meses atrás, eles ainda eram chamados de presidentes e líderes. Agora – de uma hora para outra – são designados apenas como “ditadores”, a cada duas ou três linhas de noticiários.

Descoberta difícil

Interessante: esta difícil descoberta da real categorização desses governantes só aconteceu depois que os EUA retiraram publicamente suas bênçãos de tais regimes – até recentemente amigos e aliados do Ocidente.

No festival de hipocrisia que assola o planeta, um ponto de destaque ainda para a velha Suíça, que acaba de anunciar o congelamento de 600 milhões de dólares lá depositados pelo líbio Muamar Kadafi. É que só agora a simpática nação de Guilherme Tell e sua maçã flechada - com seus cantões com quatro línguas distintas e camponeses de calças curtas sobre os Alpes nevados - descobriu que essa dinheirama que o beduíno Kadafi lá colocou na poupança, há décadas, é espúria...

Deter a revolta

Hoje, EUA e os países ricos querem deter a revolta árabe o quanto antes. Tremem com a possibilidade do piparote de Allah sobre seus filhos pecadores atingir também a Arábia Saudita – maior exportador de petróleo do mundo, e base avançada dos interesses ocidentais na região (e um dos regimes mais duros do universo muçulmano).

Enquanto isso, Israel – o outro e principal amigo dos EUA no Oriente Médio – vê, inquieto, navios de guerra do Irã singrarem perigosamente pelo Mediterrâneo, à frente de seu litoral, após passarem pelo Canal de Suez, num Egito ainda sem novo governo regular depois da queda de Mubarak...

No Oriente Médio, parece ser assim: Javé, Allah (ou por que outro nome seja adorado) periodicamente manda um Dilúvio ou faz chover fogo sobre Sodoma e Gomorra, para terror dos ímpios.

Basta um leve piparote do dedo mínimo do Misericordioso.

3 comentários:

Steve disse...

Muito bom Toninho. Acho que o nome do Muamar é Gaddafi, com G. Importante salientar é que a maior parte da população atual destes países é formada por jovens com menos de 30 anos.
Sds

Steve disse...

é Kadafi ou Gaddafi (folha ded sp)?

José Antônio Silva disse...

Steve, segundo o prof. Moreno, palavras e nomes provenientes de outros alfabetos que não o nosso (romano) não tem um jeito "certo" de serem escritos em nossa língua. Cada jornal grafa de um jeito. A maioria escreve do jeito que eu uso.