Cinema
“Bacurau”: um Tarantino à brasileira?
José Antônio Silva
Dizem que “Bacurau”,
de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles - que arrematou o
Prêmio do Júri em Cannes e é fenômeno de bilheterias - poderia ser
assinado pelo americano Quentin Tarantino, tal o número de cenas de
sangue e tiros que apresenta aos espectadores. Mas há brasilidade
demais e uma crítica social profunda que fazem com que o filme
brasileiro, agora em cartaz no CineBancários, seja, exatamente,
brasileiro até a medula. Mais precisamente: nordestino até a
caatinga.
O sangue que escorre
aos borbotões, em um lugarejo do sertão nem tão ressecado, pode
ser visto como uma alegoria do domínio imperialista norte-americano
sobre o Brasil e a América do Sul. Ao invés das grandes
multinacionais e dos grandes bancos do Hemisfério Norte que
economicamente carreiam recursos para fora do nosso país como uma
espécie de vampiros econômicos, no caso de Bacurau são americanos
os que vêm para o Nordeste brasileiro em um safári… para uma
verdadeira caçada humana.
Tudo fica mais
misterioso no filme pois as ações parecem se passar num futuro não
muito distante. Há toques quase surrealistas a causar estranheza nos
espectadores, como o drone em formato de disco voador de ficção
científica barata, que traz um clima ultrapassado a este “futuro”
distópico.
Tecnologia e cangaço
O pernambucano
Kleber Mendonça Filho, comprovando o grande cineasta que é (como demonstram, por exemplo, “Edifício Aquarius” e “O som ao redor”),
inova de várias maneiras, com jeitinho à brasileira. Jogando com a
tecnologia (a cidadezinha de Bacurau “desaparece” do mapa quando
os gringos derrubam o sinal) de um lado, além da tradição
nordestina e o cangaço, o choque entre civilizações, línguas e
diferentes visões da vida passam na tela de Bacurau.
Sua atriz-fetiche,
uma envelhecida Sônia Braga (Doutora Domingas) apresentada sem
glamour, e nomes como Silvero Pereira (Lunga), Thomas Aquino (Pacote)
e Barbara Colen (Teresa), atuam ao lado de atores estrangeiros, como
Udo Kier e Alli Willow. Silvero tem destaque por remeter a tradição
sertaneja e a Lampião, através de um bandido pós-moderno com
raízes no cangaço. O museu da pequena localidade ganha relevo ao
demonstrar uma inesperada utilidade para as suas velharias. Outro
aspecto a destacar é a improvável união de adversários locais
para fazerem frente ao grande e sanguinário inimigo comum.
O que não deixa de ser uma sugestão sempre pairando no ar.