
José Antônio Silva
A beleza esvazia a denúncia? O apuro estético de uma foto de Sebastião Salgado – para citar um exemplo clássico - anula o horror que a originou e, de algum modo, segue retratado naquela foto? Ou, embora possa soar cínico, temos que reconhecer que tudo tem beleza, inclusive o horror?
Aquela foto, adquirida em uma galeria de arte, fulge na parede do escritório do figurão como um lembrete sobre a injustiça do mundo, a ser combatida, ou como obra estética a dar um pequeno e instigante choque de perversidade ao bom mocismo do ambiente?
Outra: é correto fazer a foto ao invés de largar a máquina e tentar ajudar aquele determinado ser humano em sofrimento? Somente desumanizando aquela pessoa e tratando-a como símbolo – e não como ser vivente e sensível, de carne e osso – para priorizar a feitura da foto? Mas a foto, afinal, não será útil para chamar a atenção do mundo sobre aquela situação, o que poderá evitar o sofrimento de outros tantos?
Sendo assim, a salvação de muitos deve ter prioridade sobre o sofrimento de poucos, ou de um? Esta regra está escrita em algum lugar? Ou vale mais tentar resgatar aqui e agora o que está ao alcance imediato de nossas mãos?
Seja como for, o que acha disso aquela vítima abandonada pelo fotógrafo? Ela – a vítima – a não ser que seja um santo ou um herói trágico, por certo não preferiria ser salva, a virar símbolo ou bandeira de alguma causa nobre? Ou ela, na situação de alto risco em que está, já não tem direito à escolha – mesmo que sua salvação imediata dependa de um primeiro e fundamental movimento do braço do fotógrafo?
Ele agarra o suicida que vai jogar-se do alto do viaduto ou, ao contrário, com ar lamentoso, escolhe a melhor lente para fazer a foto que venderá para o mundo todo, do homem jogando-se para a morte, num vôo plástico contra o pôr do sol?
Se o fotógrafo correr altos riscos pessoais – como os profissionais especializados na cobertura de guerras – seu ofício resta justificado? Trata-se de uma missão humanística, de denúncia, ou uma forma de conquistar a glória pessoal e profissional, numa viagem de adrenalina?
Será que há uma resposta para isso, ou as situações costumam misturar-se numa confusão, sem bem ou mal, que se chama destino? Será?