

Colheita verde sob céu cinzentoJosé Antônio SilvaHá alguns meses, dei uma pesquisada na internet na tentativa de localizar algum traço, memória, citação ou referência ao que se fazia no Rio Grande do Sul (ou Porto Alegre), nos anos 70, dentro do movimento de literatura e poesia alternativa ou independente, ou ainda “marginal” e “nanica” – como também se dizia em relação à pequena imprensa, a única que de fato fazia oposição à ditadura militar. Encontrei muitas citações, quase sempre capitaneadas ou referenciadas pela/na professora Heloísa Buarque de Holanda – mas cem por cento focadas nos poetas alternativos da imensa praia dela, o Rio de Janeiro. Vocês sabem: Cacaso, Chacal, Geraldinho Carneiro, Ana Cristina César, ou gente de outros lugares, porém com circulação preferencial e badalação carioca, como o baiano Wally Salomão.
Ou seja, do que se produziu cá em Porto Alegre, por exemplo, não parece haver qualquer memória, quanto mais estudo crítico. Ou há? Certo, eram produções não apenas de outro século, mas do período AI (Antes da Informática). O mesmo, no entanto, pode-se dizer da movimentação paralela no Rio e em São Paulo, que nem por isso deixaram de virar teses de mestrado, livros, vídeos, entrevistas e muito mais. (Diferença, ou falta de visão e de auto-valorização que talvez contribua para continuar nos caracterizando como província).
Assim, de cara – inclusive por ter participado de algumas das iniciativas da época – lembro de livros alternativos como Teia, Teia II (Lume Editora, entre 1974 e 1976) e Há Margem (Edições Cooperativas Garnizé, 1977). Os participantes (contistas, poetas, ilustradores) destas edições rateadas pelos próprios autores, em boa parte, eram os mesmos.
Incluíam desde o também jovem mas já festejado autor Caio Fernando Abreu, até iniciantes (praticamente todos!), como Sérgio Caparelli, Marisa Scopel, Clóvis Malta, Licínio Azevedo, Emílio Chagas, Eduardo “Dudu” Oliveira, Eduardo San Martin, este escriba que aqui digita e vários outros. Nas ilustrações, gente como Maria Lídia Magliani, Rosane Silva, Giba Rocha, Carlos Alf. Dentro da mesma movimentação, com alguns aninhos de antecedência, é de citar Nei Duclós, Marco Celso Viola e sabe-se lá quem mais.
Alguns destes poetas e contistas gaúchos, ainda em fase inicial, estariam também na edição de Vício da Palavra, publicado em São Paulo, em 1977, que reunia ainda nordestinos, mineiros, mato-grossenses... e até paulistas! No time do Sul, figuravam Valdir Zwetsch, eu e vários outros.
No caso do Vício..., a edição foi igualmente cooperativada, mas sob o nome – absolutamente “fantasia” – de Editora Garnizé. No “editora” percebia-se a intenção de que aquele livro não fosse o único a sair do esforço coletivo do grupo; do nome “Garnizé” (um galo de briga) desprendia-se um aroma de resistência, luta... Nas Teias e em Há Margem, o mesmíssimo clima. Afinal, toda essa produção independente, Brasil afora, tinha como rasgado pano de fundo um regime de arbítrio.
Como literatura, os livros trazem altos e baixos. Alguns dos participantes das coletâneas prosseguiram na carreira das letras, com maior ou menos freqüência ou intensidade, e variado grau de “sucesso” e reconhecimento. Talvez a maioria desses jovens autores não tenha passado daquelas edições iniciais e experimentais. Mas com certeza, e com justiça, também merecem ter seus nomes lembrados. E ficarão, pois para além do aspecto artístico e literário, estão impressos em edições carregadas de sentido histórico e demonstração de resistência a um regime de força.
E é por esse ângulo que parece mais significativa aquela produção dos anos 70 – uma colheita verde, provavelmente ainda não amadurecida, sob um céu cinzento. E é igualmente por aí que se entende seu paralelo e sua proximidade com a imprensa alternativa na Porto Alegre da época (o Pato Macho, o Exemplar, as revistas Paralelo 30 e Tição, o paradigmático Coojornal), com a movimentação musical (tipo as Rodas de Som do Teatro de Arena), o teatro, o cinema de super-8, o cartunismo (sempre forte por estas bandas) e muito mais. Para não falar da Esquina Maldita. Mas isso merece, no mínimo, outro artigo.
Os livros, seus autores e editoresTeia – Lume Editora, Porto Alegre, 1975. (Infelizmente, meu exemplar da Teia já não tem mais capa: ao alto reproduzo a página inicial, com vários autógrafos)
Capa: Antônio Carlos Maciel.
Paginação: Juarez Fonseca.
Ilustrações: Rosane Silva, Mariza Scopel, Júlio Flash, Danúbio Gonçalves, Cláudio, Jandira Lorenz, Magliani.
Autores: Caio Fernando Abreu, Mariza Helena Scopel, Ligia Sávio Teixeira, Clóvis Malta, Alberto Crusius, Jane Araújo, Valdir Zwetsch, Sérgio Caparelli.
Há Margem – Lume Editora, Porto Alegre, 1975.
Capa e Planejamento Gráfico: Magliani.
Planejamento Editorial: Licínio de Azevedo, Sérgio Caparelli e Eduardo San Martin.
Ilustrações: Magliani, Pedro Pires e Carlos Alf.
Autores: Mariza Scopel, Sérgio Caparelli, Valdir Zwetsch, E.D. Tyburski, Jane Araújo, Clóvis Malta, Eduardo San Martin, José Antônio Silva, J.C.Cardoso Goularte, Emílio Chagas, Licínio de Azevedo, Nei Duclós.
Vício da Palavra – Edições Cooperativas Garnizé, São Paulo, 1977.
Capa: Luiz Gê. Produção: José Antônio Silva, Antônio Romane, Souzalopes, Toninho Mendes, Miguel Angel Fernandez, Valdir Zwetsch, João Teixeira.
Diagramação e arte: Miguel Angel Fernandez.
Colaboração: Vera Lúcia Pinheiro, Antonio Manuel Faria e Fernando P. Monteiro.
Ilustrações: Jayme Leão, Giba Rocha, Duka, Mariza, Magliani, Conceição Cahu, M.J. Lescano, Chico Caruso, Arthur Gaglianone, Jandira Lorenz, Paulo Fernando, Ítalo Cencini, Santiago, Ricky Bols, May Schuravel, Omar Grassetti, Beto Maringoni, Gisela, Eduardo, Jorge Izar, Kika, Mangel, Kanji, Teco Rodrigues, Nicola D’Amico, Jaime P., Cláudio Levitan.
Autores: Valdir Zwetsch, José Antônio Silva, Sérgio Machado, Alberto Crusius, Marisa Scopel, Edinilton Lampião, Ênio Vuono, Caio Fernando Abreu, Furio Lonza, Emanuel Medeiros Vieira, Rachel Melamet, João Teixeira, Licínio de Azevedo, Clóvis Malta, Emílio Chagas, Miguel Angel Fernandez, Carlos Sávio, Helinho Pinto Júnior, Eduardo Oliveira, Rubens Jardim, Paulo Barros, Eduardo San Martin, Antônio Romane, Álvaro Luis Teixeira, Marcel Faerman, Souzalopes, Toninho Mendes, Nei Duclós.