Diário do mar
José Antônio Silva
Entramos naquele barco que já partia, saltando sobre metro e meio de mar. O que era menos ameaça e bem mais um desafio à nossa potência, à nossa arrogância juvenil.
Entramos a navegar sem bússola ou prévias lições, confiando nas estrelas que desprendiam fagulhas sobre nossas cabeças.
Em alto mar chegamos, e começaram a dar à tona - entremeados às algas - problemas da vida, calmarias, tempestades.
Ficamos sem combustível. O vento nos arrastava para a beirada do mundo - e ríamos em desespero, no tombadilho inundado.
- Homem ao mar!
Amigos, irmãos, iam sendo devorados por peixes e abismos, e deles só boiavam lembranças dispersas, que as correntes arrastavam.
Enfim atracamos em alguns portos, enseadas. Água, vinho, gemidos e gargalhadas. Cabelos de sereias em nossos colchões.
Desaparecimentos havia, motins, deserções. Traidores se mostravam: faca nas costas. Costões onde o barco dançava, ao largo, na escuridão sem farol.
Uma tarde perdemos o leme, e o céu se fechou para nós. O atol de peixes coloridos foi nosso inferno e naufrágio.
Nesta ilha encontrei água doce, e até companhia. Mas inda sonho que o velho barco, ou outro igual, virá me resgatar (embora perceba seu esqueleto estalando debaixo do sol, na maré baixa).
Navios passam com elegância sobre a linha precisa do horizonte: sigo remendando a vela.
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