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domingo, 1 de outubro de 2017

“O filme da minha vida” mostra fantasia e memória de um Brasil mais inocente e menos golpeado

Cinema


É quase em clima de fábula, tingida pelo resgate de percepções e lembranças infantis e juvenis nem sempre agradáveis, que se passa “O filme da minha vida”. A chave narrativa escolhida pelo diretor e ator Selton Mello para levar às telas o romance “Um pai de cinema”, do chileno Antonio Skarmeta, pinta um cenário bucólico e pastoril, no começo dos anos 60.
Embora em grandes centros mundiais já ocorressem mudanças políticas, econômicas e se desenhasse o início de uma autêntica revolução de costumes, nas pequenas cidades interioranas o ritmo da época ainda era lento e muito aferrado às tradições.
Neste sentido, o diretor foi feliz em situar em pequenas localidades da Serra gaúcha, com suas construções bem conservadas e o ar campestre, onde o tempo parece passar mais lentamente, a locação de suas filmagens e o desempenho dos atores.
A paisagem ajuda a contar uma história clássica: quando o jovem protagonista Tony (Johnny Massaro) volta para casa, após se formar como professor, fica sabendo que o pai Nicolas (Vincent Cassel) abandonou a mulher e voltou para a França, sua pátria de origem.
De modo suave, mostrando o dia a dia da escola onde Tony passa a dar aulas – tendo como fundo musical as canções populares da época, toca-discos, imagens tremidas da TV, que vivia seus primeiros momentos, e muita transmissão de rádio – o filme insere o espectador em universo ainda ingênuo mas em transformação, que nos levou ao mundo de hoje, para o bem e o mal.
Ao regressar, Tony também volta a ajudar a mãe no trabalho da casa e da roça, sempre com a presença ambígua de Paco (Selton Mello), grande amigo de Nicolas. Ao mesmo tempo, o jovem professor é atraído pela linda Luna (Bruna Linzmeyer).
Com muita habilidade – e fazendo uma homenagem ao cinema, com fidelidade ao romance “Um pai de cinema”, de Skarmeta, e remetendo a filmes clássicos – o filme dá conta do recado, narrando uma inesperada história de traição, angústia e perdão.
Ao mesmo tempo, também é uma crônica de tempos menos duros do que os atuais, em que a própria iniciação sexual de garotos de escola em sua primeira transa, com prostitutas em um cabaré da cidade vizinha, dribla qualquer realidade e prefere enveredar por tons românticos e engraçados, como uma fantasia.
Como quase toda a história clássica, o filme guarda surpresas e revelações no final. E ainda se permite homenagear velhos astros do cinema, da TV e da música caipira e interiorana da época, como Leandro Boldrin, no papel de um maquinista que ajuda a manter a história nos trilhos, com um toque de lirismo.
É verdade que, em certos momentos, o longa beira o piegas e – quase – o melodrama. Mas sempre é salvo deste perigo pelo humor e a ironia presentes no livro de Skarmeta (que faz uma ponta no filme) e mantidos com habilidade equilibrista por Selton Mello.
Com a ajuda do próprio Skarmeta, o diretor conseguiu transpor a realidade do Chile natal do escritor (onde se passa o romance original), para um dos muitos interiores do Brasil, nos anos 60. O roteiro de Marcelo Vindicato (que já havia trabalhado com Mello no longa anterior, “O palhaço”) segura com firmeza e poesia a história até o fim.


Um belo filme brasileiro, em tom leve mas marcante, que confirma a maturidade da cinematografia nacional e nos oferece um necessário respiro, no ambiente pesado e golpeado dos dias atuais do nosso país. 

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