Temas

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Crônica Minha


Estelionato autoral na rede

José Antônio Silva

Como todo mundo sabe, circulam pela internet muitos textos – quase sempre bem intencionados, politicamente corretos, mas fracos estilisticamente – assinados por jornalistas famosos, cronistas e escritores prestigiados. As “vítimas” deste estelionato autoral são quase sempre as mesmas. Luis Fernando Verissimo, Arnaldo Jabor, Clarice Lispector, Vinícius de Moraes, Martha Medeiros, Caio Fernando Abreu – e ainda José Saramago, Jorge Luiz Borges, Gabriel Garcia Márquez...

Alguns desses escritores (os vivos, claro) já se manifestaram várias vezes para negar serem os autores desta ou daquela crônica ou parágrafo – quase sempre redigida em estilo canhestro, por mais sucesso que faça na internet. Em vão. Muitas pessoas preferem acreditar que o texto de que tanto gostaram seja de alguém a quem admiram (ou de quem já ouviram falar) do que de um desconhecido qualquer.

E aí (do outro lado do balcão) acontece um fenômeno curioso: o verdadeiro autor do tal texto escolhe um nome de griffe para assinar a sua criação, desinteressado em prestígio pessoal... Com postura militante, aparentemente quer passar com mais vigor e força de convencimento a sua mensagem, sua ideologia, sua crítica ou protesto. Mas não ousa dizer o próprio nome.

Esse, ao que tudo indica, é o caso de uma crônica de levada feminista e correção política que vem ganhando inúmeros “curtir” no Facebook e comentários engajados – mas que com certeza não foi gestada pelo brilho de Verissimo, embora seja o nome dele que aparece como autor. O conteúdo é antimachista, mas o estilo é agressivo e passa a quilômetros da delicadeza, sutileza e do fino humor do maior cronista brasileiro.

Mas quem se importa?

sexta-feira, 13 de julho de 2012


A velha MPG volta à cena, em grande e rápida aparição



José Antônio Silva



Em todos os sentidos grande, o show dos 30 anos da MPG no Salão de Atos da UFRGS, nesta terça-feira, 10 de julho de 2012, consolidou uma relação antiga e reaproximou compositores e músicos com seu público. Um público fiel há décadas, além dos jovens que viam e ouviam aquilo tudo com surpresa e, alguns, com o entusiasmo da descoberta.



Mas, além de renovar a percepção de tantos talentos (dos veteranos e dos novos que se apresentaram), o espetáculo – realizado no limite da improvisação, compensada pelo entusiasmo e a boa vontade geral – trouxe surpresas. Como a presença da gaudéria Berenice Azambuja, que botou todo mundo a bater palmas no seu ritmo e cantar tudo aquilo que o velho gosta – em meio a tantas melodias e letras sofisticadas da Música Popular Gaúcha.



Outra constatação foi que – definitivamente – arte de qualidade não tem nada a ver com bons sentimentos e lições edificantes. Demonstração límpida dessa verdade veio com Mauro Kwitko. Ao cantar a densa e marcante “Mal necessário” (gravada por Nei Matogrosso), ele relembrou a força perturbadora de seu talento. Ao complementar sua apresentação com uma musiquinha de amor à natureza, com pegada semi-infantil e didática, o compositor fez desabar o termômetro artístico e emocional da platéia ao nível do chão.



Nada que comprometesse. O tom geral foi de reencontro do público com seus antigos ídolos. E dos próprios artistas entre si, três décadas depois que o produtor Ayrton dos Anjos, o “Patinete”, levou um grupo de compositores gaúchos a se apresentarem no Teatro João Caetano, no Rio (e lá cunhou a expressão “MPG” para classificar o que o público carioca iria ver e ouvir). Dos que lá estiveram, faltou Jerônimo Jardim. Os já falecidos foram relembrados em imagens, palavras de saudade e vídeos, como Carlinhos Hartlieb, Galileu Arruda e Geraldo Flach.  


Maiores sucessos
Nelson Coelho de Castro, Peri Souza, Gelson Oliveira, Zé Caradípia, Nando Gross, Hermes Aquino (eufórico após anos de afastamento dos palcos) e outros artistas da época mostraram canções – quase sempre os maiores sucessos de suas carreiras. A apresentação final ficou por conta de Bebeto Alves, saudado pelo apresentador Roger Lerina como um nome-síntese de toda a movimentação da MPG desde os anos 70.



Mas quem mais arrebatou o público, com direito à lágrimas no palco e na platéia, foi Raul Ellwanger, que a custo conseguiu cantar, tal a sua emoção – e que ao final de “Pialo de Sangue” foi aplaudido de pé.



Juarez Fonseca, o outro apresentador do show – cerca de quatro horas de duração – de início havia feito uma contextualização dos principais fatos do Brasil e do mundo em 1982. Ele lembrou alguns momentos marcantes da evolução da produção dos compositores urbanos do Rio Grande do Sul, com um pé na tradição (e/ou no tradicionalismo) e a cabeça no Brasil e no mundo. E citou o seminal LP “Paralelo 30”, de 1978 (produzido por ele mesmo), entre outros discos marcantes, como “Juntos”, de 1981.



Muitos outros artistas que não estiveram no show de 1982 mas fazem parte da mesma movimentação (embora a diferença de gerações), como Nei Lisboa, Hique Gomes, Nico Nicolaiewski, Giba Giba, Almôndegas, Kleiton e Kledir, Cláudio Levitan, Maria Lúcia, Jerônimo Jardim, Totonho Villeroy, Loma, e tantos mais, não destoariam do clima no palco da Reitoria – embora, neste caso, fosse necessário fazer um festival com mais de um dia de duração. Em todo caso, assistiam a tudo, discretos na platéia, nomes importantes como Wanderley Falkenberg e João de Almeida Neto (este representando o lado rural da música gaúcha).


Linha evolutiva
No embalo da apresentação, gente que nunca abre a boca – como o mestre da batida Fernando do Ó – sentiu a emoção do momento e emocionou também o público, ao pedir a palavra. Do Ó revelou a sua saudade de Geraldo Flach e que foi o falecido compositor e pianista quem o lançou como percussionista – até então, era guitarrista.



Apesar do tom de grande improviso, o show na UFRGS também deixou espaço para uma série de artistas mais (ou menos) recentes, de Marcelo Delacroix à Adriana Defenti e os grupos Fruet e os Cozinheiros e Cidade Baixa, que mostraram grande talento, lançando à frente a tal linha evolutiva da MPG. Enfim, para fazer mais, só mesmo um festival da música popular gaúcha, com mais de um dia de duração. Ou “música popular gaúcha”, nos dias atuais, já não faz muito sentido?