O mundo moldado pelos seriados da TV
José Antônio Silva
Papai sabe tudo, Patrulheiros Toddy, I love Lucy, Rin Tin Tin, Minha amiga Flicka, Perdidos no espaço (grande sucesso!), Patrulheiro Rodoviário (Brasil!), Missão Impossível, O homem do rifle, Bonanza (foto ao lado), O homem de Virgínia, Feiticeira, Viagem ao fundo do mar, O fugitivo (angustiante!), Bat Masterson, Jornada nas Estrelas, O agente da Uncle, Cidade Nua (clássico!), Combate, Dr. Kildare, Casal 20, Hawai 5.0, Kojak, As Panteras, Columbo, Dallas, Magnum, Sex and the City, Nova York contra o crime…
A história da formação cultural – e em especial a memória visual (e sonora, com grandes trilhas) - de gerações inteiras de brasileiros (e do mundo inteiro), a partir da segunda metade do século passado, acredito eu, passa bem mais pela TV e seus então chamados “enlatados” norte-americanos do que pelo cinema. Afinal, a partir do momento em que, nos anos 60, a televisão se espalhou pelas casas em todo o país, ela demarcou seu reinado sobre corações e mentes.
Os seriados criados pelos americanos para a TV me parecem, formalmente, uma recriação dos seriados (e também das novelas) de rádio. Que por sua vez são adaptações para as - então - novas mídias, dos folhetins de jornais do século XIX e início do século XX.
Consenso planetário
Essa enxurrada ininterrupta de produções para a TV (assim como o cinema, claro) não apenas divertiram e prenderam nossa atenção, mas também espalharam, mundo afora, a visão, o way of life norte-americano e seus valores. Enfim, fizeram a cabeça de gerações, defendendo os interesses do EUA, apresentados como sendo um consenso planetário indiscutível. No enredo de muitos seriados, ações terroristas do FBI e da CIA em várias parte dos mundo, praticadas por simpáticos, idealistas e charmosos heróis americanos, eram apresentadas com naturalidade e como meros excessos justificáveis, na luta do bem e da verdade contra populações e autoridades sempre ignorantes, cruéis, preguiçosas e corruptas.
Mas o fato é que o mundo foi mudando sua configuração geopolítica, a guerra fria esfriou, o neoliberalismo chegou arrasador e atirando para todos os lados – como um herói da CIA no meio dos nativos - e o mundo todo (inclusive os EUA) ainda luta para colocar o nariz para fora da água, depois dessa tempestade.
Seja como for, é de 1998 a estréia de um clássico feminino (que terminou virando filme) - Sex and the City, com sua peruagem explícita encenada nas galerias cult, apartamentos chic, bares e ruas novaiorquinas, que deixou a mulherada do mundo inteiro com os pneus arriados por Manhattan. O equivalente masculino – muito mais escrachado e abertamente humorístico – poderia, talvez, ser Two and a half man.
A partir dos 80/90, as produções seriadas para a TV buscaram novos focos e criaram ou revitalizaram antigos temas. Caso da série Plantão Médico (que lançou o competente George Clooney), que deu novo gás às antigas séries médicas e hospitalares. Universo que chegou ao seu ápice com o texto esperto e irônico do genial personagem House.
Tolerância e igualdade
É preciso reconhecer que a TV também foi, e continua sendo, instrumento de divulgação de valores de tolerância, igualdade, idealismo. A partir dos anos 90, seriados passaram a divulgar em tom humorado o dia a dia de famílias de classe média negra americana (Eu, a patroa e as crianças) - afinal, as lutas da década de 60 pelos direitos igualitários e outras medidas tiraram muita gente da pobreza, dando-lhe dignidade, educação, oportunidades e melhorando suas condições. Apesar de a sociedade americana ser rachada por linhas invisíveis – no entanto, muito fáceis de perceber – que dividem a população em grupos étnicos ou culturais, o que, aparentemente, nunca vai mudar.
A velha tradição dos “filmes de tribunal” ganhou seus seriados, como Lei e Ordem, que critica a hipocrisia das instituições dos EUA e uma justiça que está longe de ser ideal. CSI leva as investigações criminais a outro patamar de interesse, a partir de um banho de tecnologia para a solução de casos, apontando para a possibilidade de uma polícia menos violenta e mais embasada em indícios e provas laboratoriais indesmentíveis. CSI chama a atenção para a loucura urbana e os dilemas – inclusive éticos e morais – frente às perversões nos chamados crimes sexuais.
Produção brasileira
Detentores de um know how desenvolvido ao longo de muitas décadas, os estúdios norte-americanos que criam e lapidam novos seriados para a TV, continuam servindo de modelo para as produções semelhantes mundo afora. Vale lembrar que os anos 90 trouxeram para a televisão brasileira, especialmente a partir da institucionalização do cabo, muitos seriados de outras procedências e boa qualidade. Tivemos ótimos exemplares franceses (Paris contra o crime), britânicos e até canadenses. Sempre interessantes, bem interpretados e com as características dos respectivos povos, mas em temporadas esporádicas.
Para além de suas famosas novelas, o Brasil – desde o simpático Vigilante Rodoviários, nos anos 60 – no decorrer das décadas criou e botou no ar muitos produtos de qualidade, com um toque de originalidade e sabor local. É o caso das enrascadas do repórter investigativo “Waldomiro Pena” em Plantão de Polícia, ou dos caminhoneiros de Carga Pesada, ou ainda, mais recentemente, Nove milímetros e Força tarefa - histórias calcadas na crua realidade policial das grandes cidades brasileiras, com seu desfile de injustiças, abuso de poder, crimes, algum idealismo.
O humor tem forte destaque na grade brasileira, assim como a crítica de costumes, desde Aline (e seus dois namorados) até Tapas e beijos. Evidentemente, a multiplicação de opções nativas para os seriados também amplia o mercado para atores, técnicos, diretores, roteiristas e outros profissionais brasileiros, para além do modelo novelão. Mas ainda há muito o que criar e desenvolver.
O Brasil tem talento, mas ainda não parece ter acumulado maturidade suficiente para produzir um seriado como Mad Men (abaixo), que a partir da realidade de uma agência de publicidade novaiorquina, dos anos 60, esquadrinha, desmonta e revela, com arte, o cinismo e a hipocrisia do modo de vida americano (e da própria mídia), representado pela família perfeita das propagandas de margarina.
Não, ainda não chegamos lá.