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quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Crônica MInha

Onde bate mais forte o coração do Rio Grande



José Antônio Silva


 
A Praça da Matriz, nos altos do Centro Histórico de Porto Alegre, concentra à perfeição os
poderes republicanos – mesmo que o imponente Palácio Piratini, sede do Poder Executivo, dominando o logradouro, seja inspirado no monárquico Petit Trianon de Versailles, encarnado em outro continente. Seja como for, em contraponto, sobre uma das laterais da Praça, espalham-se as linhas modernas do Palácio Farroupilha, tradução concreta, metálica e envidraçada do Poder Legislativo.

Na parte baixa da Matriz, impõe-se o Palácio da Justiça do Rio Grande do Sul, sob a espada da deusa Themis. Aliás, ainda sob o império do Poder Judiciário e no esforço pela democrática aplicação das leis, em uma das pontas da mesma praça, esquina com a Rua Jerônimo Coelho, um prédio histórico restaurado é a casa do Ministério Público Estadual.

Alguns metros abaixo da sede do Judiciário, na esquina das Ruas Riachuelo e General Câmara, o busto de pensadores, cientistas, poetas e romancistas da tradição clássica, adorna e inspira os leitores e visitantes da imponente Biblioteca Pública do Estado. Ainda em fase de restauro, seu interior rivaliza com a parte externa, em detalhes artísticos e mensagens positivas e positivistas, ao gosto da virada do século XIX para o XX.

De fato, nem só os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário guardam e protegem a histórica Praça, cujo nome é Marechal Deodoro, o proclamador e primeiro presidente da República brasileira, em 1891 (e que já fora governador da Província do RGS, anos antes, ainda no Império). O fato é que, se a homenagem ao militar alagoano está eternizada na denominação oficial, muitas modificações ali aconteceram, no decorrer do tempo. Assim, desde 1914 a Praça Marechal Deodoro exibe um monumental conjunto de esculturas, criadas por Décio Villares, e não dedicado a Deodoro... - mas ao caudilho gaúcho Júlio de Castilhos.

Frente à Praça, e ao lado do Palácio Piratini, desponta a Catedral Metropolitana, a “Igreja Matriz” que dá o nome popular do logradouro, com sua polida cúpula cor de bronze, a 65 metros do nível do chão. Se é um templo católico, pode muito bem servir de homenagem a todas as crenças e religiões, ao poder espiritual que ao longo da história, para o bem e o mal, acompanha a humanidade, seu cotidiano, suas instituições, glórias e derrotas.

No entanto, não ficaria completa a coleção de jóias históricas e arquitetônicas do entorno sem um grande monumento à arte e à cultura – representado pela perfeição do Theatro São Pedro. Inaugurado em 1858, de linhas neoclássicas, é decorado em veludo e ouro. Devidamente reformado há algumas décadas, sempre foi razão de orgulho dos portoalegrenses. (E vale acrescentar: o antigo Palácio da Justiça, no século XIX, era uma construção gêmea ao Theatro).

Infelizmente, a força do progresso tantas e tantas vezes não é sábia – e colocou abaixo a bela Concha Acústica do Anfiteatro Araújo Vianna, que até os anos 50 do século XX ornava o que é hoje parte do Palácio Farroupilha.

Na Duque de Caxias, após a lateral do prédio da Assembleia, em direção à Rua General João Manoel e ao Alto da Bronze, encontra-se o bem conservado Solar dos Câmara, uma das construções mais antigas da cidade (erguido, como residência de um influente político, entre 1818 e 1824). Hoje mantido pela Assembleia Legislativa, o Solar acolhe eventos culturais, com seus jardins seculares que se confundem com a área aberta, atrás do Palácio do Legislativo.

Já os que orientarem-se para a esquerda, ao atravessar a praça em direção à Rua Duque, após cruzarem a estreita Rua Espírito Santo (e sua ladeira vertiginosa) chegarão ao Museu Histórico Júlio de Castilhos. Ali sobrevive uma parte da memória dos rio-grandenses.

Os seres humanos, como sempre, cometem erros, tramas obscuras, mesquinharias e omissões – e, sem dúvida, muito disso foi gestado nos palácios da Praça da Matriz. Mas o local também foi palco de grandes e corajosos acertos – como o Movimento da Legalidade, que garantiu a democracia no Brasil por mais alguns anos, quando as forças reacionárias afiavam os dentes. E dos porões do Palácio Piratini, no início dos anos 60, surgiu e alastrou-se a resistência nacional ao arbítrio.

Enfim, tanto pelos motivos visíveis, como pelos de ordem subjetiva, difícil negar que o coração não apenas institucional, mas histórico, político e cultural do Rio Grande, bate sempre mais forte na Praça da Matriz.



Foto: Alina Souza
















2 comentários:

saitica disse...

Valiosas lembranças, histórica e emocionante narração
www.saitica.blogspot.com

José Antônio Silva disse...

Obrigado, Daniel. A gente tenta, hehehe... abraço!