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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Jaguar e a última dose de O Pasquim



José Antônio Silva



O álcool - pode-se dizer com apenas um pouco de exagero - foi o combustível que levou O Pasquim a ser o que foi. Até a idéia do jornal, que revolucionaria a linguagem da imprensa brasileira na virada dos anos 60 e seria uma pedra no borzeguim dos militares da ditadura, baixou em uma mesa de bar, comandada por Tarso de Castro. A maior parte da equipe fundadora e grande parcela dos agregados e colaboradores do Pasca era formada por habitues dos bares chiques de Ipanema e adjacências, misturando-se com outros ícones da cultura carioca e brasileira, como Tom Jobim, Vinícius, o jovem Chico Buarque, Cacá Diegues, Maria Lúcia e Gustavo Dhal, Carlinhos Oliveira, Leila Diniz, Glauber, Nara e Danusa Leão, etc.



Em termos operacionais, digamos assim, bem servidas doses de uísque envelhecido em barris de carvalho, martelinhos de cachaça e loiras geladas embalavam as míticas entrevistas do Pasquim. Lá pelo meio da entrevista, o grupo de jornalistas e o entrevistado(a) já estavam todos a meio pau, e terminavam falando demais – o que rendia grandes revelações na edição da semana seguinte. Também o fechamento das edições do autodenominado “jornaleco” eram turbinadas com uísque e gelo, considerado pelo poeta Vinícius de Moraes tão bom amigo do homem que seria um verdadeiro “cachorro engarrafado”.



Tudo isso para saudar o co-fundador do Pasquim e mestre cartunista Jaguar, que aos 80 anos – depois de ter bebido o equivalente a “uma piscina olímpica”, em 62 anos de copo – foi operado neste mês de julho no Hospital Sírio-Libanês com cirrose e câncer no fígado. Mas poucos dias depois, o pai do ratinho “Sig” (marca do Pasquim) saiu do hospital caminhando e, aparentemente, convencido a “regular a lenta”, a partir de agora, não mais com birita, e sim com aquele líquido onde os peixes se reproduzem.



No entanto, vale lembrar que a “marvada” ceifou a vida do editor do jornal, o gaúcho Tarso de Castro (também criador do “Folhetim”, da Folha de S. Paulo, entre outras publicações), aos 49 aninhos, em 1991, de cirrose hepática. Seu amigo Fortuna, cartunista, o seguiu três anos depois, aos 63 anos.



Daquela turma original – o núcleo nada duro do Pasquim –, a própria passagem do tempo (para além da bebida y de otras cositas, ou não) foi se encarregando de eliminar muitos.



Este ano de 2012 carregou para a história do jornalismo e da cultura brasileira, sem “atividade presencial” (argh! – como dizia o Pasquim) e existencial, Millôr Fernandes e Ivan Lessa. Em 2008, quem deixou de levantar o copo para mais um brinde foi o talentoso escritor e sarcástico cronista Fausto Wolf, aos 68.



Franz Paul Trannin da Matta Heilborn, o Paulo Francis, parou de inspirar imitadores e humoristas em 1997. Antes, porém, já havia migrado de Ipanema para Manhattan, e da esquerda festiva para a direita cínica.



Precedendo a todos eles, o ano de 1988 levou à tumba o genial Henfil (criador dos Fradinhos), aos 44 anos de vida, vitimado pela hemofilia, que na seqüência também mataria seus irmãos Betinho (sociólogo e o homem que engendrou o “Fome Zero”) e Chico Mário, músico.



Estão por aí, para sorte da inteligência brasileira, pasquineiros de primeira hora como Luiz Carlos Maciel (da coluna “Underground”), o crítico de MPB Sérgio Cabral, o cartunista Claudius, o icônico (argh!, de novo) Ziraldo e, claro, o já citado Jaguar.



Para não falar (muito) de Sérgio Augusto, Nani e outros membros mais jovens, geograficamente distantes ou menos freqüentes da “patota” (como eles mesmos diziam), tipo os irmãos Paulo e Chico Caruso, Edgar Vasques, Reinaldo (Casseta & Planeta), Ricky Goodwin et caterva.



Depois do Pasca, muitas outras iniciativas tentaram levar adiante o coquetel jornalismo-humor-ensaísmo, em diferentes doses (êpa!) destes ingredientes. Sempre sob a égide anti-fascista e de total liberdade de opinião (“não toquem nos textos dos colunistas! Vocês estão loucos!?” – dizia Tarso de Castro aos redatores e editores, lembrado por Nei Duclós, nos tempos do Folhetim, da Folha de S. Paulo).



Mas o fato é que o Pasquim se comprovou, com o passar do tempo, único e, num certo sentido, insuperável.



E isso que eles trabalhavam de ressaca.







4 comentários:

Steve disse...

E eu que brincava em casa inocentemente entre pilhas de pasquins e achava engraçado o Sig!

Alexandr Brito disse...

O Ziraldo tentou um "rivievel".

Em 2002, ele e seu irmão Zélio Alves Pinto lançaram O Pasquim21. Mas esta versão teve vida curta, mesmo contando com alguns de seus antigos colaboradores.

O nosso Ricardo Silvestrin, com o seu "Ricardo, o Bardo", participou desta nova versão.

A irreverência, insubordinação e criatividade do Pasquim deixa saudades.

Alexandre Brito disse...

O Ziraldo tentou um "rivievel".

Em 2002, ele e seu irmão Zélio Alves Pinto lançaram O Pasquim21. Esta versão teve vida curta, mesmo contando com alguns de seus antigos colaboradores.

O Silvestrin participou deta nova versão com o seu "Ricardo, o Bardo".

A irreverência, insubordinação e criatividade do Pasquim deixa saudades.

José Antônio Silva disse...

É verdade, Alexandre, eu cheguei a ver a versão anos 2 mil do Ziraldo, mas os tempos já eram outros...
Acho q não cheguei a ver a colaboração do Silvestrin.
Mas sem dúvidas, o Pasquim, no seu auge, foi um fenômeno.
abraço, brother!