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sábado, 10 de setembro de 2011

Mundo

Um dia que não terminou






José Antônio Silva






Meu onze de setembro de 2001, manhã ensolarada em Porto Alegre, me pegou na esquina da Rua Jerônimo Coelho com a Praça da Matriz, subindo ao Palácio Piratini. Ali encontrei meu colega jornalista e amigo Heron Vidal, que – como de costume – saía da assessoria de imprensa do governo estadual, no meio da manhã, para adquirir seu segredo diário de saúde: uma maçã matinal, vida a fora. Ele sequer respondeu ao meu cumprimento padrão. Direto:






- Um avião acaba de bater num arranha-céu em Nova York! A TV tá repetindo a cena a cada minuto! É inacreditável!






Apressei o passo e cheguei a tempo de ver, no aparelho da redação do Palácio, quando a cena repetida do primeiro avião dava lugar à outra imagem fantástica, na voz espantada do apresentador. Um segundo avião acabara de atingir pelo outro lado a torre gêmea de Manhattan. Não se tratava de um acidente!






Ferida profunda



Assistíamos ao vivo (aos mortos?) e em tempo real, sem total consciência nem distanciamento, o epicentro daquele momento histórico, em que a maior potência econômica e militar do mundo, era ferida profundamente dentro de seu próprio território. Isso nunca acontecera antes. O padrão, a norma, era os Estados Unidos fazerem a guerra e levarem a destruição e a morte à terras alheias. Em Nova York, tratou-se sem dúvida de um ataque inesperado e covarde contra civis, pessoas comuns, trabalhadores e visitantes da Roma dos tempos modernos. Documentários, reportagens e depoimentos gravaram em nossas retinas e ouvidos o espanto, o sofrimento e a bravura de vítimas, heróis (como os bombeiros de NY), parentes e sobreviventes.






No entanto, é impossível não pensar que essa loucura suicida da terrorista Al-Qaeda, ao lado de seu fanatismo religioso, teve também raízes – tortas, é claro – no comportamento imperial dos EUA. Ninguém pode negar, sem faltar com a verdade, a longa ficha corrida de crimes dos States, arbitrariedades, atentados, avanços sobre riquezas de outros países, intervenções armadas e conspirações dos EUA pelo planeta a fora, ao longo das décadas.






O que estava acontecendo?



Mas na hora não pensávamos muito nisso. A colega queria saber da filha da amiga que estava passeando em Nova York... Será que figurava entre as mais de duas mil vítimas registradas na queda das duas torres? Todos tínhamos amigos, conhecidos, parentes que poderiam ter sido atingidos, sem ter sequer a consciência de por que estavam morrendo.






As pessoas andavam pelas ruas de Porto Alegre – e de todas as cidades do mundo – com ar de espanto. Afinal, o que estava acontecendo? Como? Por que? Quem?






Um dia inesquecível, com mais dois atentados – um contra o próprio Pentágono! - e outro em um avião de passageiros na Pensilvânia. No total, quase três mil cadáveres.






Naquele mesmo dia, aos poucos o trabalho foi retomando seu ritmo normal. Fui cobrir uma pauta do governo do estado, as pessoas deixaram os empregos ao fim da tarde. No rádio do carro, de volta para casa, a classe média ouvia jornalistas, historiadores e outros especialistas e palpiteiros discutindo o fato e sugerindo explicações. Nas filas dos ônibus, não havia outro assunto. De vez em quando, alguém erguia os olhos para um arranha-céu.



As TVs, rádios e jornais – assim como os políticos e militares – já tinham assunto para aquele e para muitos outros dias, meses e anos.






A hora do troco



Para além da dor, o atentado tornou-se um pretexto - literalmente caído dos céus - para fortalecer a direita radical americana. O Afganistão dos talibãs, que de fato abrigava a sede da Al-Qaeda e o QG cavernoso de Osama Bin Laden, logo receberia o troco mortal dos EUA. Várias de suas cidades foram pesadamente bombardeadas pelos Estados Unidos, e depois o país foi ocupado. Na sequência, foi a vez do Iraque: dominado por décadas pelo confiável Sadam Hussein, foi invadido pelas forças armadas americanas, pretensamente “em busca de armas de destruição em massa”, jamais encontradas... E os americanos logo aprovaram o USA Patriotic Act e terminaram criando em Cuba (na base militar de Guantanamo, que eles mantêm pela força) um centro de interrogatórios e tortura que não obedece limitações legais, para qualquer suspeito de terrorismo.






Para nós, cidadãos comuns, tornou-se um pouco mais difícil pegar um avião sem ter que abrir mão de sua desavisada tesourinha de unhas ou de um frasco de shampoo na bagagem – com os quais você poderia, em tese, sequestrar a aeronave. Também os vistos para entrar nos States e em países europeus tornaram-se muito mais rígidos.






Centenas ou milhares de cidadãos de países do segundo, terceiro e quarto mundo, nos anos seguintes a 2001, foram e continuam sendo revistados, desrespeitados, humilhados e muitas vezes mandados de volta sem sequer saírem da área de desembarque, em terminais aéreos europeus e americanos. Afinal, imaginavam e imaginam pequenas autoridades gringas, se essa “gente diferenciada” não era terrorista, no mínimo seriam imigrantes ilegais, mesmo que todos os seus documentos e exigências estivessem em ordem .






A dura lição



Mas vejamos. Desde 1848, quando fizeram a guerra e tomaram o território do Texas do México, foram mais de 60 invasões armados dos States no mundo todo, entre causas justas (combate ao nazi-fascismo, por exemplo) e absolutamente injustas. Aqui na AL, assim como na Ásia e África, a História registra que os EUA invadiram países para depor governos democraticamente eleitos, ou para apoiar ditaduras criadas e montadas por eles, até caírem em desgraça (alô, ditaduras do Oriente Médio!).






Enfim, para os States, além da obsessão paranóica em relação a qualquer árabe ou muçulmano (ou qualquer estrangeiro suspeito, o “outro”), sobrou uma duríssima lição. A de que nada nem ninguém está completamente a salvo, por mais força e poder que acumule. E que até a vingança custa muito caro – em novas vidas perdidas, em desgaste na imagem pública, em rios de dinheiro.






Os Estados Unidos – ou “o mundo”, dizem alguns – perderam a inocência, com o 11 de setembro. Deve ser verdade, para os totalmente desinformados, os alienados e os que passam pela vida sem ter consciência. Já os arrogantes, os poderosos e os cínicos, eu creio que naquele dia perderam sim alguma coisa, que pode ser tudo, mas jamais foi inocência.




3 comentários:

Maria Lucia disse...

Como sempre, muito bom! Esta mistura do vivido com análise política é ótima!
Beijo
p.s. dá uma olhada:
http://maria-lucia.blogspot.com/2011/09/chile-11-de-setembro-40000-mortos-pela.html
e http://maria-lucia.blogspot.com/2010/09/chile-11-de-setembro-de-1973.html

Luciane Franco disse...

É Zé, o mundo realmente perdeu sua inocência e passou a questionar o papel dos EUA na política mundial. Tirando as inúmeras teorias esdrúxulas, fica a dúvida sobre os interesses que causaram o 11 de setembro. Interesses não apenas do mundo que queria se vingar dos séculos de opressão econômica e moral dos americanos, mas o interesse também do próprio governo ianque em promover mais uma guerra para sustentar a vil indústria de armas e do petróleo.

Steve disse...

TomZé: ninguém me tira da cabeça que este foi mais um inside job dos EUA (versão Bush jr). P. ex., pergunte a qquer engenheiro civil ou especialista em explosivos: a queda dos edifícios propriamente dita é escancaradamente uma implosão!
Sds