Temas

sexta-feira, 18 de março de 2011

Crônica Minha

Nóis semo fodão, meu!


José Antônio Silva


Que o ser humano é isso e aquilo, bom e mau, anjo e demônio – e, na maior parte do tempo, um pouco de cada coisa – não é segredo nem novidade. Focando no gênero feminino, a coisa também não é muito diferente: assim como existem mártires e heroínas, famosas e anônimas, temos mulheres duras e insensíveis como a implantadora do neoliberalismo e fabricante de desemprego em massa Margareth Tatcher, não por outro motivo conhecida como “Dama de Ferro”.

Mas – e aí a bola volta pra nós, homens – verdade é que no dia a dia a mulherada costuma segurar barras mais pesadas que as nossas. Seja cumprindo a tradicional dupla jornada (providenciando casa arrumada, comida, cuidado com os filhos, roupa lavada e ainda o emprego), seja cuidando e criando os filhos solitariamente, quando o vacilão simplesmente desaparece no mundo, cansado da responsabilidade.

O IBGE não me deixa falar a verdade sozinho: dados de 2006 mostravam que em 90,02% dos casos (das casas), era a mulher que encarava emprego e trabalho doméstico. Os homens na mesma situação ficavam em 51,04%. Mas convenhamos que, nesse quesito, já foi pior.

Agora, o que realmente diz muito mais sobre a mulherada – interpretações à parte – são os números de uma pesquisa de 2008 do Departamento Penitenciário Nacional (do Ministério da Justiça). Ali, ficamos sabendo que 85% dos presos do sexo masculino recebem visitas de suas companheiras e familiares.

Em descompensação, quando elas estão em cana, só são visitadas por 8,7% dos maridos e companheiros... O secretário da Segurança Público do Estado, Airton Michels, falando ao Correio do Povo, arrematou: “Quando o homem é preso, a mulher procura advogado para tirá-lo da cadeia. Quando a mulher é detida, o marido ou companheiro procura advogado para tratar do divórcio”.

Como dizia Millôr Fernandes, pano rápido!

quinta-feira, 17 de março de 2011

Crônica Minha

Pinpoo ou Pimpo?

José Antônio Silva


Parem as impressoras! Uma dúvida maior se alevanta. O cão Pinpoo, que para desespero de sua dona havia sumido no Aeroporto Salgado Filho na hora de embarcar num avião, foi recuperado por soldados da Brigada Militar. Quatorze dias depois de fugir da cesta em que seria transportado de Porto Alegre à Vitória, Espírito Santo, e ficar passando fome em matagais próximos do aeroporto, voltou ofegante aos braços acolhedores de sua dona, Dona Nair, 64 aninhos. Final feliz.

Mas a dúvida é sobre o nome do travesso e felpudo cachorrinho: por que Pinpoo? Por que não, em português correto, Pimpo?

Utilizar a grafia com dois “o” no final, remete à uma tentativa de americanização da palavra. Digo tentativa, pois para ficar coerente a pronúncia teria que ser equivalente à “Pimpu” – como Scooby Doo, o que não parece ser o caso.

A fuga radical, e talvez inconsciente, às regras do nosso idioma pátrio e mátrio continuou com a utilização da letra “n” – como se sabe, em português é o “m” que antecede ao “p”.

Mas enfim... que importância tem isso, você há de perguntar. E eu hei de concordar: praticamente nenhuma.

Agora, pode render um papo interessante sobre o tema – que englobaria por exemplo, as criativas versões de nomes (de seres humanos) estrangeiros aclimatados ao Brasil por grande parte da população, como “Dieniffer”, “Mayco” e tantas mais.

Por que, enfim, soar como estrangeiro? Baixa auto-estima nacional? Modismo? “Complexo de vira-lata”?, como dizia Nelson Rodrigues (aliás, nenhuma menção ao Pinpoo, que além da grafia levemente cosmopolita é uma cruza de pinscher com poodle, e portanto pode reivindicar até mesmo um passaporte britânico e cidadania européia).

Pensem nisso, que vocês não ficam se descabelando com o vazamento atômico no Japão, ou com os temporais que vêm fechando o tempo e o verão brasileiro.

terça-feira, 1 de março de 2011

Cultura





Scliar e a sucessão literária


José Antônio Silva



Porto Alegre e o Rio Grande, creio eu, têm dimensão para suportar (em todos os sentidos) um grande nome da literatura por vez – idéia que me vem à mente agora com a morte de Moacir Scliar. Ao menos, é isto que venho notando em meu tempo de vida - falo apenas do que venho observando nas últimas décadas. Penso que, pelo menos dos anos 60 para cá, tivemos três grandes nomes, que se sucederam como figuras de proa na barca da literatura riograndense.


Grandes no sentido mais largo do termo, englobando não só a consistência e o eventual brilhantismo da obra, mas também um alto nível de reconhecimento popular (inclusive nacional) e de crítica. O que não tira um milímetro da importância dos demais escritores e escritoras de forte talento que aqui iniciaram ou desenvolveram, e desenvolvem, sua trajetória literária.


Por ordem cronológica de entrada na (minha) cena, aparece Erico Verissimo, o construtor dos amplos painéis sobre a formação histórica do povo riograndense. E um criador de personagens que amalgamaram em si traços presentes na cultura pampeana, devolvendo ao imaginário riograndense figuras símbolo, ainda que idealizadas, como o Capitão Rodrigo Cambará, Ana Terra e outros. Erico, nascido em dezembro de 1905 e falecido em novembro de 1975, foi também editor, tradutor, um homem de posições políticas e – até hoje – talvez ainda seja o autor gaúcho mais conhecido no Brasil e no mundo.


Contemporâneo e colega de Editora Globo, Mario Quintana foi o nome que sucedeu ao amigo Verissimo no gosto popular e no reconhecimento crítico. Um homem problemático e que teve sérios problemas com o alcoolismo, Quintana sem dúvida foi um poeta maior, com uma dicção muito própria, aliando uma aparente singeleza formal a um refinamento que esconde várias camadas de significado. Nos últimos anos de vida, foi transformado pela mídia (ou aceitou o papel) em um “bom velhinho”, adorado por crianças e professorinhas. Ao morrer, em 1994, amargava a derrota de seu sonho de tornar-se um “imortal” da Academia Brasileira de Letras, sufocado pela politicagem medíocre que envolve todo o processo de escolha. Mas para a poesia brasileira – e sem dúvida para os gaúchos – é um imortal.

E eis que seria Moacyr Scliar a concretizar o desejo de Quintana, ao ser eleito para a ABL em 2003. Um escritor prolífico, dotado de grande poder de comunicação em seus romances e contos, agregou um caráter ainda mais universal à literatura riograndense. Jogando com a ironia, com o melancólico e típico humor judaico, por vezes imerso no realismo fantástico, tendo como cenário mais freqüente o seu Bom Fim da infância, Scliar abordou grandes temas. Seus livros de contos e romances abriram-lhe as portas do reconhecimento em vários lugares do mundo, até porque apostava quase sempre na leveza – e no recurso das parábolas - para narrar o peso da violência, da culpa, da mentira ou para tratar da revolução.

O fenômeno de um grande nome por época, no sistema literário, talvez seja típico de culturas menos cosmopolitas. Na também regionalizada Bahia, João Ubaldo Ribeiro ocupou naturalmente o espaço deixado por Jorge Amado.

Fato é que a morte de Scliar, como toda a morte, deixa um vácuo. No caso dele, no cenário das letras. A julgar apenas pelo sucesso nacional e local de público e crítica, em especial a partir de seu trabalho como cronista de jornal (mas também romancista), Luis Fernando Verissimo teria todas as condições de ofício para bem ocupar este posto, informal e não oficial, mas concreto, de algum modo. No entanto, tudo indica que precisa existir no autor alguma disposição para encarar o “sucesso”, desde as filas de autógrafos, as muitas entrevistas, a badalação, a presença em atos e eventos oficiais e oficiosos. O filho de Erico é famoso não apenas pelo talento humorístico e a leveza e precisão de suas análises políticas e sociais, mas igualmente pelo laconismo e a timidez. Do mesmo modo, vivo fosse, me parece que jamais seria entronizado no lugar uma personalidade fugidia e outsider como a de Caio Fernando Abreu.

Enfim, quem é hoje no RS a unir alto talento com amplo reconhecimento crítico e, principalmente, forte empatia popular?