Temas

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Mó Viagem





La Paz en las alturas

José Antônio Silva

La Paz: bela e estranha paisagem lunar, pessoas educadas e acessíveis, cholitas de chapéu côco, temperos fortes, fôlego arfante. E um câmbio muito favorável aos nossos reais (dizem que a Bolívia é o país mais barato das Américas).

Estas algumas primeiras impressões de quem passou recentemente uma semana na capital boliviana, a 3.300 metros de altura. Primeiros dias, passos lentos e atividade física controlada, para que o ar não falte. Lábios ressecados, nariz sangrando. Aos poucos, o organismo se habitua. Mas sempre é bom manter um certo controle na alimentação, apimentada...

A paisagem é marcante, a cidade cercada por uma muralha de picos arenosos, em muitos dos quais equilibram-se casas e casebres, ao estilo das favelas brazucas. Ao longe, pelo céu azul – azul até demais, como diria Roberto Carlos – avista-se pelo menos um imponente pico nevado, a nos lembrar que estamos em um país andino: o Illimani.

Prédios históricos impressionantes, ruas limpas, passeios interessantes que não tivemos tempo de curtir, na capital de Evo Morales (aliás, um presidente discretamente apoiado pela maioria das pessoas com quem conversamos). Lojinhas, na Calle de las Brujas, oferecem aguaios, mochilas, sombreros de cholas, estatuetas e muito artesanato autêntico deste povo (majoritariamente das etnias quéchua e aimára). Ao menos a metade dos taxistas que nos conduziram pela cidade, naqueles dias, já havia morado ou tinha parentes trabalhando e vivendo em São Paulo...

Escarpas no Vale da Lua
Apesar da rígida programação do evento (da manhã à noite), ainda consegui passear com outros participantes pelas trilhas escavadas nas arenosas escarpas do Vale de La Luna, em Calacoto, sul da capital.

Enfim: eu como roteirista, mais Claudinho Pereira como diretor (e acompanhados de Preta, sua mulher), participamos do II BoliviaLab, evento de cinema patrocinado pelo Ministério da Cultura do país, um mix de concurso de projetos cinematográficos e oficina de produção, pishing, financiamento, etc.

Uma oportunidade de conhecer projetos e novos cineastas, produtores e conferencistas de toda a América Latina e da Europa (como o pessoal do Programa Ibermedia).

Nem tudo correu superprofissionalmente – às vezes o microfone não tinha som, a luz não era apagada na hora da projeção, alguém dormia no ponto. Falhas relevadas pelos participantes em reconhecimento aos cuidados e a atenção do pessoal da produção do evento – o “comandante” Daniel, suas incansáveis escudeiras Cecília e Laura, mais a diretora Viviana Saavedra, Irinia, Catalina...

Também a Embaixada do Brasil colocou-se à nossa disposição e ainda nos forneceu como tradutora uma funcionária brasileira radicada na Bolívia, para a apresentação de nosso projeto.

Ele, o projeto de “largo” (longa-metragem) Charles Anjo 45, não recebeu qualquer premiação, talvez por considerarem que seria um filme mais facilmente patrocinável em nível de mercado (tomara...) O mesmo aconteceu com o outro indicado pelo Ministério da Cultura brasileira, da paulista Paula Kim. Mas só o fato de sermos indicados já constituiu uma vitória: fomos selecionados entre mais de 480 projetos brasileiros.

No balanço final, fiquei com a impressão de que o BoliviaLab, em sua segunda edição, ainda busca um perfil mais ajustado, um foco – que parece ser o de privilegiar projetos experimentais e de estreantes, com ênfase no campo do documentário, sem esquecer de premiar a prata da casa. Visivelmente, uma iniciativa em processo de evolução.

Navegar é preciso, mas...
A lamentar, pelo lado pessoal, somente o fato de perdermos o grande passeio de “buque” (navio) pelo Lago Titicaca no domingo de encerramento. Mas não houve como ir: por algum misterioso cochilo de produção, nossa conta de hotel foi fechada na manhã de domingo, enquanto nossas passagens de volta ao Brasil só serviam para o vôo da manhã de segunda-feira. Naquele domingo, preferimos garantir um lugar para ficar até o dia da viagem, ao invés de navegar...

Três vôos por dia para ir e três para voltar. (Porto Alegre-São Paulo; São Paulo-S.Cruz de La Sierra; S.Cruz-La Paz – e vice-versa). As viagens ficaram por conta do Ministério da Cultura brasileiro. A hospedagem e alimentação, bancadas por seu congênere da Bolívia.

La Paz é impressionante. Valeu.


ENTENDENDO MELHOR
Cholitas – Índias vestindo trajes típicos, como saias rodadas, aguaios e, em especial, chapéus côco, que de alguma maneira fantástica não desabam do alto de suas cabeleiras nem quando elas correm para atravessar a rua. São onipresentes: sempre haverá uma cholita ao alcance da vista.

Aguaios – Panos coloridos, com motivos indígenas, que as cholas usam para carregar compras, pacotes, crianças de colo, etc.

Aimáras e quéchuas – Etnias indígenas que formam a maioria da população de La Paz ( o restante é formado por brancos de classe média e alta). O povo fala espanhol, quase sempre: segundo me disseram, aimáras não entendem o idioma quéchua, e vice-versa.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Crônica Minha

Senhora Ciência e o exílio da Sabedoria

José Antônio Silva

Na Moderna Mitologia Terráquea, Tecnologia (filha bastarda e pragmática da Ciência com o bárbaro invasor Consumo) desbancou com raios eletrônicos e instantaneidade deusas milenares como Ética, Moral, Justiça, Tradição, Religiosidade, Solidariedade, com suas virtudes e defeitos... Sem falar na própria progenitora – hoje enlouquecida pela exigência de produzir bases sólidas para enfrentar o fluxo interminável de desafios criados pela Tecnologia. Afinal, estas demandas, obsessão da Tecnologia, trazem novos e maiores problemas, a serem encarados sempre pela velha Ciência.

Na olímpica mansão da família, a Casa Grande – com suas colunas jônicas de cristal líquido e holografia - reside a todo-poderosa Tecnologia. Sua desgastada mãe contenta-se com um chalé modesto, nos fundos da propriedade, onde dorme num catre - quando dorme. Seus raros momentos de lazer – aliás, vigiados por gadjets à laser –, dona Ciência os passa conversando com entidades consideradas menores (são desprezadas como demasiado humanas, com todos seus questionamentos e incertezas), como História, Política, Filosofia, Artes. Eros apenas abana ao passar ao largo, com pressa – pois nunca foi tão exigido como atualmente, sob o tacão de Consumo (o furioso ex-amante de Ciência, viciado em comprar e vender, e aliado estratégico da poderosa filha Tecnologia). Eros, dizem em voz baixa, já não é mais aquele – vive das glórias sensuais do passado e de overdose de comprimidos azuis e publicidade enganosa...

Coroa cínico
Já Consumo não é apenas um joguete a depender cegamente da filha. Tem seus próprios truques e poder. E não raro é ele quem obriga Tecnologia a criar mais demandas e produtos, ainda que esta também esteja exausta e consiga apenas lançar para o Mercado - um deus puramente funcional, hoje vivendo momentos de superexposição - artigos e produtos que em quase nada se diferenciam dos modelos vendidos no ano passado, ou que ainda não se mostram prontos a serem utilizados e curtidos do modo como alardeia a Propaganda. (Esta, outra deusa de escalão menor, sempre de braços com o Mercado – um coroa cínico, por vezes perverso, que se faz passar por garotão sarado e saudável).

À noite, antes de cerrar os olhos de exaustão, Ciência lembra de seus tempos de amplo prestígio e reconhecimento. Até as perseguições obscuras que sofria, reconhece agora, lhe ampliavam a mítica. Rola na cama dura, sentindo-se só e abandonada. Não consegue livrar-se de um pensamento recorrente: Sabedoria, antiquíssima deidade – reconhecidamente um pressuposto para que Ciência pudesse conduzir suas invenções, descobertas e intuições por caminhos de equilíbrio - hoje está retirada a algum pico distante, em meditação e voto de silêncio milenar (e deixa sempre o celular desligado).

O devaneio da velha Ciência, no meio da noite, é interrompido pela comunicação eletrônica imediata: seus amos - Consumo e Tecnologia - exigem que volte a trabalhar imediatamente. Sem perder tempo com lembranças e projeções.

Grande emergência
E a situação revela-se realmente muito grave, uma grande emergência. Os anos e décadas seguidos de destruição, poluição, desmatamento, aquecimento, vazamentos, superexploração da Terra (Pacha Mama, Gaia, e outras denominações locais, filha dileta do Cosmos), agora começam a cobrar providências que a velha Ciência não consegue dar conta – e a Tecnologia muito menos.

As massas de fiéis do Consumo e da Tecnologia, em pânico com a revolta do planeta, voltam-se contra seus ídolos e os arrastam do palácio olímpico. A veneranda Ciência é colocada no trono e imediatamente convoca Sabedoria para uma reunião sem hora para terminar. O Conselho inclui História, Política, Espiritualidade, Filosofia, Artes. Tecnologia é admitida no recinto apenas em função instrumental, sem direito a voto.

Um estrondo no quarto da Ciência e ela desaba do catre, onde sonhava. O próprio Consumo berra e esbraveja ao seu lado:
- Venha trabalhar, velha preguiçosa! Não pense que a Tecnologia vai resolver tudo sozinha! Temos produtos, muitos produtos, para jogar no Mercado! E é para ontem! Vagabunda!

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Poetando

Politicagem


José Antônio Silva


Política melhora toda a sociedade

Politicagem melhora a vida de certas autoridades



Política promove a cidadania

Politicagem corrói o dia a dia



Política defende o ser humano

Politicagem para explorar tem sempre um plano



Política divide a renda

Politicagem a concentra (mas está à venda...)



Política exige coragem

Politicagem exige omissão



Política precisa ser ambientalista

Politicagem é amplo sinônimo de poluição



Política vira saco de pancadas

Politicagem só dá risada



Política visa o bem comum

Politicagem apenas quer tomar algum



Política imprime solidariedade

Politicagem acredita que isso arde



Política é fazer acontecer

Politicagem é prometer e prometer



Política é compromisso

Politicagem não tem nada a ver com isso



Política é ter consciência

Politicagem não entende este conceito



Política vai à luta

Politicagem jamais abandona seu leito



Política é o que pedimos sempre

Politicagem é o que costumam entregar



Política é toda a cultura

Politicagem é a arte de enganar.




Junho 2010


terça-feira, 1 de junho de 2010

Internacional

Governo de Israel, trabalhando contra os judeus

José Antônio Silva


A cada vez que Israel pratica uma ação cruel, ilegal e moralmente injustificável – como este ataque mortal ao comboio de ajuda humanitária, em águas internacionais – age na certeza de que os EUA, com seu imenso poder na ONU e no mundo inteiro, não permitirá qualquer condenação mais forte das Nações Unidas. Desta vez não foi diferente: o máximo que Washington fez foi “lamentar” o episódio. E as manifestações críticas oriundas da ONU foram muito mais em caráter pessoal, de seus dirigentes, do que uma condenação formal. Já dizem por aí, e não há como negar: o ataque de Israel, tratando voluntários que levam alimentos à sitiada Faixa de Gaza como combatentes (que eles não são) é um exemplo clássico de terrorismo de estado.

Movimento pacifista
A cada vez que Israel pratica uma ação como essa, causa dor e indignação não só aos palestinos e seus apoiadores, assim como à maioria das nações: prejudica a si mesmo, enquanto país e enquanto povo. Vale a pena lembrar que há em Israel muitos movimentos pacifistas e que pregam um novo tipo de relacionamento com os palestinos e os demais vizinhos árabes. È incessante e corajosa a atividades dos militantes de grupos pacifistas como Shalom Achsahv (Paz Agora, em hebreu), Yesh Gwul (Há um limite), o grupo de esquerda Gush Shalom, o Tá Ayush e Anarquistas contra o Muro, entre outros.

A percepção de que a única solução “sustentável” (para usar um termo em voga) para a questão é, em última análise, aceitar dividir a terra e praticar a tolerância, é compartilhada por inúmeras personalidades, políticos, militares, professores, artistas, escritores como Amós Oz e Uri Avnery e cineastas como Ari Folman, Eran Riklis, B.Z. Goldberg – entre muitos outros israelenses.

Poder retrógrado
A cada vez que Israel, num governo de direita, apoiado pelos setores mais retrógrados da ortodoxia e do sionismo, pratica este tipo de ação revoltante, trabalha contra si mesmo. Houve uma péssima repercussão internacional causada pela invasão - em águas internacionais – de um barco carregado de alimentos para a população palestina de Gaza, uma “abordagem pirata” que culminou com o assassinato de nove militantes humanitários e pela prisão dos demais tripulantes (como a cineasta brasileira Iara Lee).

Reavivando os preconceitos
A cada vez que Israel mais e mais aposta na força desproporcional e na guerra para impor o terror, ampliar seu domínio territorial e as restrições aos seus vizinhos árabes, joga um manto de desprezo e ódio que cai sobre os ombros dos demais judeus, no mundo inteiro. Um bom termômetro disso está na média dos comentários de leitores postados nos sites de notícias: grande parte dos internautas mistura a revolta provocada por este tipo de ação com velhíssimos preconceitos contra os judeus de modo geral, a lamentar, entre outras imbecilidades, que “Hitler não tenha terminado o trabalho”...
Até que ponto o ataque valeu a pena?