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domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mundo Visual


Retrato em branco e preto





Cafezinho pós-almoço,
no traço fraterno do Edgar Vasques.

Janeiro de 2010.

Poetando

Buraco negro


José Antônio Silva


Um buraco na infância

quintal da minha memória

que eu não lembro

e não esqueço.



Um buraco fundo e negro

que procurei tapar

com terra

pedregulho caco de telha

e mais outra terra por cima.



Um poço bem estreito

que acho não tinha fim

jogava tijolo

brita com cuspe

planta de vaso quebrado

aureola de santo

areia da praia

mais pedra

e sempre faltava um tanto.



Socava a tralha com o pé

puxava terra

no caminhão

joguei um grilo

galho quebrado

minhocas

e dê-lhe pedra e mais pedra

e o bruto não fechava.



No meio dos vultos

da noite

por vezes eu me encontrava

no pátio enluarado

ao lado do cachorrinho

ao pé do buraco

ajoelhado.



Até brinquedo joguei

um pião com pouco uso

o revólver do meu pai

um soco no meu irmão

um bolo da minha mãe

mas o vácuo não cessava.



Meia volta

volta e meia

me vem o buraco à mente

- e lá vou eu pro buraco

de volta ao inclemente.



Nuns dias até parecia

que havia diminuído

agora faltava pouco!

porém

olhando da borda

era tudo aquele pouco.



Ali já lancei folha verde

caderno velho

pedras de rim

cabelo branco

sonhos novos

até que entendi enfim:

aquele maldito só fecha

após enterrar a mim.

Out.2009


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Crônica Minha



Brigitte, Catherine, Juliette, Fanny, Isabelle...



José Antônio Silva


Bri-gi-tte (no Bri você arranha suavemente o r e já faz o biquinho francês; no gi você segue a rota; e na sílaba final, você ignora o e e escande o t dobrado, saborosamente, com a necessária delicadeza). Assim, com a língua entre os lábios e seus nomes sedutores na boca e nos ouvidos, podemos desfrutar da sensualidade de um dos maiores e mais respeitáveis olimpos de musas da história contemporânea. Sim, o cinema francês, tal qual o futebol brasileiro com sua fábrica incontrolável de craques da bola, geração a geração, oferece novas e lindas deusas, para todo o mundo. Mas no escurinho do cinema parece que é só para você.


E Deus criou a mulher, como redescobriu em grandíssimo estilo, Roger Vadim, nos anos 50. E que mulher... (aliás, uma parada duríssima, pois como nos revelam os velhos filmes, do outro lado do Atlântico tínhamos Marilyn Monroe - para não falar das italianas, suecas, etc.). Mas fiquemos em Paris e arredores: Brigitte Bardot com seus lábios cheios, seu olhar desafiador, seus dentinhos levemente apartados, seus seios em flor e... enfim.


Ela separava os homens dos meninos, como se diz. E em sua presença, quase todos viraravam meninos! Consta em algumas memórias vivas que o nosso futuro maestro soberano - nos anos 60, um latin lover bonitão, para gringa nenhuma botar defeito - terminou ficando num fim de festa com Brigitte, na histórica passagem da deusa da sensualidade por Buzios e Rio. BB, assim era conhecida, praticamente o intimou a levá-la para casa (dele). Franco e modesto, Tom Jobim confessou muitos anos depois, numa entrevista à TV, que pesando bem as coisas considerou aquilo tudo um pouco demais para seu caminhãzinho - e despachou a musa para o hotel dela, ao nascer do sol, saindo com o rabo literalmente entre as pernas. (Menos mal para o orgulho pátrio é que o namorado titular da deusa gaulesa, à época, era o marroquino-brasileiro Bob Zagury).


Mas enquanto Brigitte cansava sua beleza, eis que outro valor alto como a Torre Eiffel se alevantava,

pelas telas afora. Sim, era a misteriosa Belle de Jour!. A loira de olhos escuros envolta em mistério e promessas, um toque perverso de mulher séria caída em tentação e pecado, Catherine Deneuve chegava para tremer os cinemas. E – mais uma vez – seu “descobridor” era o mesmo Vadim... E você sabe, no fim ela não era apenas mais um “rostinho bonito” - reve

lou-se ótima intérprete nas mãos experientes de Polansky, Truffaut, Buñuel.


Quase ao mesmo tempo, nossos ouvidos começavam a ser admoestados pelos sussurros de Jane Birkin, que garantia nos amar – moi non plus... Em dueto musical, cinematográfico e erótico com Serge Gainsbourg (o Vadim de La Birkin) nem notávamos sua pronúncia suavemente estrangeira na língua de Verlaine, pois que era discípula da Rainha – quando com certeza a Rainha, e toda a Família Real é que deveriam ser discípulas de Jane.


A luta, porém, é difícil, e temos que abrir alas para Ardant – a ardente Fanny Ardant! Confesse que você já nem estava lembrando dela, no meio deste paraíso de non, non, non... Oui! Oui! Oui! Sim, Fanny é uma grande atriz e uma linda mulher. Morenaça proprietária de um bocão que se abre em sorriso que ilumina a sala escura do cinema, olhar derretedor. Hoje, na meia idade, ainda está inteira e na ativa.


Mesmo caso daquela que por várias vezes chegou a ser apontada em pesquisas da imprensa como uma das mulheres mais lindas do mundo – a bela de lábios levemente separados e arfantes e olhos esverdeados Isabelle Adjani. Caso sério, essa francesa de pai argelino e mãe alemã, que alugou seu ar de desamparo para produções como a História de Adele H.(quando vivia a historia da filha incompreendida de Victor Hugo, glória da literatura da França). De certo modo, Isabelle repetiu a fórmula – caso real envolvendo um grande nome das artes francesas – como Camille Claudel, injustiçada amante do mestre Rodin. Nas poltronas do cinema, todos os homens queriam ampará-la, coitada.


A fila nos cinemas e na vida andava, no entanto, e eis que entra em cena, para ficar, Juliette. Binoche. Morena pálida, de olhar provocante e boca que faz biquinho francês, antes de abrir em sorriso maroto. Ousada (não, Roger Vadim já estava muito velho quando ela surgiu). Kieslowsky apostou em Juliette e se deu bem, como protagonista de Bleu, o primeiro de sua trilogia de cores. Além de vários Cesar (prêmio maior do cinema francês), sua prateleira refulge também com um Oscar hollywoodiano, entre outros regalos e reconhecimentos. Mas essa francesa que tem em sua árvore genealógica ramos que se estendem mundo afora, da Polônia ao Brasil (ah, pois é!), parece não estar nem aí. Ela é bela, talentosa e quem quiser que goste. E quem não gosta, pelo amor de Deus?


Novas gerações chegam empurrando as divas e exigindo espaço – como se uma deusa literalmente escultural, vinda da Córsega (como o baixinho Napoleón Bonaparte, 200 anos antes), precisasse exigir alguma coisa. Laetitia Casta (sim, além do mais, casta!) começou como modelo, mas sua exuberância destoava do estilo cabide, exigido pelos modistas. E foi o velho urso Gerard Depardieu que a introduziu, digamos, no cinema ao contracenarem na versão filmada de Asterix e Obelix (Depardieu, evidentemente, era o gigantesco melhor amigo de Asterix). Aos poucos, foi aparecendo em outros filmes e terminou por dobrar os joelhos da velha França: longos cabelos castanhos emoldurando olhos verdes e lábios vermelhos, carnudos como romãs (eu sempre quis escrever isso!), a deusa mediterrânea foi escolhida para servir de modelo ao busto de Marianne, um perfil feminino – sempre atualizado - que representa a República Francesa e é distribuído por todas as repartições públicas da terra do pão bengala.


Aliás, mais uma prova da precisão de nossas escolhas até aqui: antes de Laetitia (você que já foi apresentado pode chamá-la de Letícia mesmo), os bustos – ah, os bustos... -anteriores da República traziam os não inferiores perfis de BB e Catherine Deneuve.


Após o vulcão de La Casta – ainda contribuindo para o aquecimento global - quem passou a brilhar de modo talvez mais discreto mas perene, a bordo do novo cinema francês, foi a suave e charmosa Audrey Tautou. O primeiro grande sucesso mundial foi o Fabuloso Destino de Amelie Poulain, onde a morena delicada, espalhou seu discreto veneno. Já fez das suas no block buster hollywoodiano O Código Da Vinci (rodado em Paris) e agora chega, mais madura, interpretando Coco Chanel.

Nada mais francês.


Sim, sim... Rommy Schneider, Milene Demongeot, Jeanne Moreau, Emmanuelle Beart, Anne Seydoux e tantas outras musas de gerações anteriores – e posteriores - merecem ser lembradas, claro. Mas sabe o que é? Essas francesas de cinema esgotam qualquer um.