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sexta-feira, 26 de março de 2010

Crônica Minha



A última fusqueta

José Antônio Silva

Entre os mistérios que a ciência ainda não conseguiu desvendar, avulta a questão: em que universo estão estacionados, ou locomovendo-se – talvez virtualmente -, os últimos fuscas (ou fucas, em gauchês castiço)? A indagação faz todo o sentido, pois suas irmãs mais rechonchudas e utilitaristas, as kombis, ainda circulam por aí – embora com evidentes sinais de decadência, como latarias batendo descompassadas, motores rugindo, portas laterais que não fecham com perfeição, artrite, fumacê e outros achaques da idade.

Dei-me conta do paradoxo ao procurar um fusca – um que fosse! – num trajeto parcial de minha residência, na zona sul de Porto Alegre, até o centro da cidade. Mais especificamente: do Posto Falcão, na curva da Avenida Icaraí, até a Borges de Medeiros com a Jerônimo Coelho. Pesquisa empírica, mas dotada de todo o rigor e, mais importante, interesse pelo objeto do estudo.

Correndo o risco de ser confundido com algum maluco, virava o pescoço para ambos os lados, no ônibus de poucos passageiros àquela altura, procurando vislumbrar por alguma janela o perfil fugidio de um besourinho motorizado.

E vejam bem: a região onde iniciei a investigação visual, assim como a maior parte do trajeto, não pertence a qualquer bairro nobre e importado, com suas máquinas poderosas. Nada.

Confiante que o destino não iria me desapontar, lembrei de uma máxima confirmada inúmeras vezes, no período em que eu mesmo dirigia uma fusqueta por aí (e isso quando os tradicionais sedan Volkswagen já há muito haviam saído de moda). Enfim, a lei natural que descobri, à época, é que um fusca nunca está sozinho.

Funciona (funcionava?) assim: você pode ficar sem ver um fusca por várias quadras, mas quando enxergar o primeiro, logo outros surgirão – do nada, das nuvens, de ruas transversais, de garagens inesperadas e discretas. Seja de onde for, logo você verá por ali mais dois, três, cinco ou seis fusquinhas de todas as cores e estados de conservação – desde o estágio ferro velho até aquela jóia que pertenceu a um só dono (uma professora, que o utilizava apenas para ir à missa dominical) e está em estado de novo, sem falar nos modelos tunados por jovens motoristas, que os transformam em shoppings ambulantes de luz, e cor e som.

No entanto, nada disso mais se vê. Esqueceram os fuscas? (Vocês sabem: New Beetle não vale aqui). Estão todos desmontados? Suas chapas foram vendidas? Os melhores hoje circulam garbosamente no Paraguai? O tempo – o monstro do tempo – os massacrou, digeriu e, com sorte, no máximo podemos encontrar uma “máquina” de girar o vidro, com a manivela, ou a janelinha do quebra-vento?

Ninguém mais usa luvas para guardá-las no porta-luvas? E Fafá de Belém, que terminou por batisar à revelia – pela sábia analogia do povo – aquele modelo com grandes faróis, não irá emitir uma nota de protesto? Ah, se algum fusca falasse...

E os fuscas do presidente Itamar Franco, que resolveu marcar sua gestão interina com uma verdadeira revolução na indústria automobilística nacional, encomendando à matriz da Volks a fabricação de um modelo brasileirinho, ainda nos 80’... – igualzinho aos anteriores. Verdade que ostentavam uma faixa pintada que os atravessava lateralmente, projetando-se do passado para o futuro, ou o contrário, não me lembro bem. Vocês se lembram? Acho que não. Só meus amigos Abreu e Rosina continuam fiéis. Espero!

Foram tantos bons serviços prestados, como nunca antes na história desse país. Vemos nas fotos históricas e filmes barulhentos da época, os fuscas atravessando a Transamazônica, entre imensas árvores caídas, onças e caminhões atolados na lama. Ele? Ele seguia em frente, dando risada. Que utilitários esportivos e picapes, que nada! O fusquinha era o jipe nosso de cada dia.

Cheguei ao centro da cidade desolado. Não avistei sequer um, unzinho que fosse pelo trajeto! Fusca, nem pensar! Fusca, tô fora!

Quanto ingratidão. Haverá de ter, por aí, alguma museu do fusca. Ou aquele colecionador que só anda cinco quilômetros com seu modelo super conservado e lustrado, aos feriados.

Talvez a polícia tenha notícias. Haveria um forte comércio paralelo que desconhecemos, e que esnoba os veículos de luxo e dá preferência aos fusquinhas? Mistérios...

E o que é pior: também não avistei nenhum Fiat 147.

7 comentários:

Berg disse...

Caro amigo Zé Antônio, faltou mencionar, em seu nostálgico e delicioso texto, as caronas que você e o companheiro Chagas, diariamente, apanhavam no meu Fusca 1500, facricado circa 1974. Bons tempos. Por acaso, estou escrevendo hoje, domingo, uma matéria sobre os 60 anos do lançamento da Kombi na Alemanha. Aliás, Kombinationsfahrzeg, o nome original, que quer dizer “combinação de veiculos”. De fato, como sí oocrrer no idioma gemânico, era justamente isso: o apoveitameto do conjunto mecânico de um Fusca em um veículo otilitário. Simples. Lançada no Brasil em 1957, a Kombi é o mais antigo veículo da indústria brasileira ainda em liha de montagem. pesar da posição d motorista, que não deve pocurar nos dcionários a palavra ergonomia. Longa vida às Kmbis!!

Abração,

Berg

Anônimo disse...

Foram-se os tempos de produção industrial voltada à praticidade e menores preços.
Engraçado... quero crer que o capitalismo era tão feroz quanto o é hoje. Por que mudaram a receita?
(anonimamente, Lilita)

José Antônio Silva disse...

Aê, Berg! Realmente, você lembrou bem lembrado aquelas nossas incríveis manhãs de ressaca indo pro trampo dentro do teu fusca. E quando roubaram os bancos e tivemos que ir sentados em caixotes?...
Idos de 1982/ 83, por aí?
E o debulhador de rótulas?
Heheh...
Grande abraço!
Zé Antônio

Fraga disse...

Zé, um publicitário amigo meu, Luis Moares(enteado do Fernando Sabino), carioca que morou em Sampa uns tempos (98/2002), difundiu a teoria de Onde Tem Um Fusca Tem Outro, que apaixonou uma cambada de fascinados pelos carrinhos. Ele fez um site, que ajudei a abastecer, cheguei a ter (estão em SC) quase 1000 fotos de 2, 3, 4... até 8 fuscas no mesmo enquadramento em locais públicos. Uma doença com seguidores até hoje, como podes ver neste blog: http://cenasdacidade.wordpress.com/2007/11/07/onde-tem-um-fusca-sempre-tem-outro

Laís disse...

Oi, Zé,

pois olha que no ano passado me chamava atenção um fusquinha que vi várias vezes estacionado na Cidade Baixa, à venda (o preço riscado no vidro, se não me engano, era de R$ 9 mil). O mais interessante: era um fusca ROSA! Dava até vontade de comprar. Nos últimos meses, não vi mais. Espero que esteja em boas mãos.

abraço!

Laís

Maria Lucia disse...

oi, Zé Antonio
acho que encontrei os fuscas! Estão todos aqui em Florianópolis. É impressionante a quantidade e a conservação. Cheguei a ver três de uma vez só na garagem de uma casa.
beijo

José Antônio Silva disse...

E assim vamos desencavando toda a frota...
E eu que nem sabia que estavas morando aí.
Valeu, Maria Lúcia!
grande abraço!
Zé Antônio