Temas

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

MPB



Abecedário Musical Impressionista – Sétima Leva



José Antônio Silva



Ângela Maria – Laquê firme na cabeleira, comandava o navio do samba-canção, na década de 50, com muita voz e emoção correspondente. Foi do bolerão Babalu à Gente Humilde, do Chico. A “cantora mais popular do Brasil” está viva – mas esquecida: falhaste, coração.


Benito Di Paula – Mais para subúrbio que para subida de morro, o sambista Benito era surpresa e celebração. Nacionalista, em primeiro lugar cantava a mulher brasileira. Na busca de inspiração ia até os quadrinhos: ciceroneou pelas belezas e glórias pátrias um inacreditável amigo Charlie Brown.


Bezerra da Silva – Sambista de voz rouca, partideiro, fez sucesso com o hino do maconheiro responsável (“vou apertar/ mas não vou acender agora/ te segura, malandro/ pra fazer a cabeça tem hora”). A partir daí virou uma espécie de gangsta-rap do sambandido - mas com letras engraçadas e levada envolvente. Não deixou herdeiro nessa boca de fumo musical.


Elomar - Trovador dos sertões medievais da Bahia contemporânea, um Guimarães Rosa dos ventos musicais. Poeta cabreiro que sobrepaira uma época toda pessoal. Rusticidade sofisticada, ou o contrário.


Morais Moreira – Malandro contracultural à moda setentista. Depois do furacão Novo Baiano, abandonou a Preta Pretinha e caiu na folia, deixando sangrar uma veia carnavalesca e frevista, criando e/ou cantando marchinhas eternas. Mantém a coisa acesa e o bigode aparado.


Nei Matogrosso – Uma carreira em falsete, mas genuína. Paradoxalmente seco e molhado, entrou no palco nos anos 70, espalhafatoso, até se tornar, pouco a pouco, intérprete contido, sutil, visceral. Bate suas asas entre vários gêneros.


terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Livro


Quando o humorista abre a janela da poesia

José Antônio Silva


Estradas paralelas em direção ao paroxismo ou ao absurdo existencial, o humor e a poesia, apesar dos pontos em comum, geralmente ficam nos respectivos trilhos. Cada um na sua, tá ligado?


Claro que há humor em todo o poeta (ainda que seja sarcasmo, ainda que seja ironia sutil – quando não é escrachamento, como proposta de desespero). Claro que há poesia nos humoristas/cartunistas; muitos cartuns (quase sempre sem palavras) são pura poesia.


E há humoristas/poetas que misturam os dois componentes na medida certa. Recorramos (recorramos? Que coisa...) ao mestre Millôr, num hai kai: “Menino chorando/ lágrimas no chão/ vai contando”.


Tá, não é para gargalhar – um humor cuidadoso e ao mesmo tempo simples, um insight sobre aspectos contraditórios, e engraçados, da natureza humana.


Generalidades à parte, eis que o cartunista Bier – famoso pelos (maus?) elementos escatológicos que recheiam seus desenhos – pede licença e sai com um livro de poemas, suaves, sensíveis...


“Será que tá se afrescalhando o vivente, depois de velho?”, poderia perguntar um gaudério, apreciador de seus cartuns bagaceiros e de suas charges políticas, num tipo de humorismo de apelo direto e popularesco, que fez sua fama e estilo. Menos: o pulso ainda pulsa e em ‘Zoofilia’ o velho sátiro se reafirma: “Já tirando a cueca/ não distingue a rã/ da perereca”.


Porém, na maior parte do seu livro “Serenata para uma janela fechada” o autor abre a janela do próprio peito. No poema batizado de ‘Sem nome’, o humorista direto aqui se transfigura em poeta lírico e curte o mergulho, a vertigem no prazer das palavras, que se procuram e se encaixam, quase que por si mesmas. Falando sobre o encontro com a musa: “Meu peito vira céu/colorido por pandorgas largadas/ ao vento norte de setembro”. Mais: “Perco-me nelas/ quando os fios arrebentam/ e a delícia do abandono/ some num zênite de desejo”. Os versos continuam.


A poesia de Bier por vezes dessacraliza o vocabulário, assim reanimando, pela milionésima vez, como deve ser, a revolução dos modernistas. Em ‘Duelo’ ele escreveu: “Da faca/ fica / o talho./ Na lâmina/ o sangue/ escreve tchau”.


Lá pelas tantas, em “Atrás do mato”, o autor faz um inventário da flora nativa – sem perder o humor, é claro: “Pé de chorão/ na capela funerária/ provocação”. Ou: “Pé de ariticum/ com galho sobre a sanga/ tchibum”.


Aliás, hai kai cai muito bem na lavra do Augusto Franke Bier escritor. Veja na pequena jóia que é ‘Apesar de tudo’: “Não entendi ainda/ o homem já pisou na lua/ e ela continua linda”.


Registre-se, em tempo, a bela e singela capa do Uberti. Para concluir, fiquemos com Guaracy Fraga, mestre humorista das frases, na apresentação do livrinho: “(Declaro) que no mesmo sistema circulatório palpitam a aorta entupida e dilatada do chargista e a sua veia poética, capilarmente disfarçada. Nelas, o fluxo oxigenante de idéias”.


E era isso.


Ah, a edição de bolso, 104 páginas, ano 2008, ficou por conta da Editora Nova Roma Livraria (Porto Alegre), (51)3013-4535.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Poetando

Haiti em (de)composição

José Antônio Silva



Tão negra dor

irrompida do chão;

dura tensão

de vigas

e corpos retorcidos:

desconstrução

e decomposição

dos não ungidos.



Tão amargo

veneno a tragar

num gole lento.

Sem remédio

sem saída

mais e mais

sofrimento.



Uivos no dia e na noite;

como zumbi

se move o povo

em busca

de quem (ainda)

busca o ar

arfando

sob os escombros.



Horrível praga

maldita sina

karma que não se cumpre

e renasce em chaga

- sempre um novo jorro de sangue! -

que não termina.



Haiti

inferno no paraíso

ai de ti.

Janeiro - 2010


segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Crônica Minha


Tocando tudo, entrega total à Deusa Música

José Antônio Silva


Não duvido que ouvir, evidentemente, mas também ver, músicos solando seus instrumentos em jam sessions privadas ou concertos públicos, totalmente entregues aos improvisos, pode ser chato para algumas (ou muitas) pessoas. Pobre gente.

A um só tempo individualizada e integrada, num plano mais alto e raro, arranjando/harmonizando na hora melodias e ritmos, descobrindo/inventando concomitantemente – no jazz, no blues, no chorinho, no rock, no tango, no merengue, na bossa nova ou em qualquer outro gênero ou subgênero que conceda espaços amplos ao vôo da alma através da sonoridade –, a ação destes artistas é uma grande experiência sensorial.

Maior que esta somente se você estiver tocando (bem ou mal - isso não interessa muito, ao menos para você...), mas tocando com toda a entrega possível à Deusa Música.

Olimpíadas sonoras
Ou a uma das deusas e deuses da música. A deusa olímpica seria Euterpe, dividindo a ópera com sua irmã Aede, cantora. Para não falar de Apolo, regente titular do setor.

Os caras – vibrações, por falar nisso? – também estavam presentes no Egito, com Tot e Osíris. Na Índia, claro: e dê-lhe Brahma! Entre os hebreus da antiga, via Jubal.

Pitágoras, voltando para a Grécia, foi um humano genial, que entre muitas outras coisas inventou um instrumento para determinar matematicamente as relações entre os sons, o monocórdio. Mas parece que os críticos nasceram juntos com os artistas: Lassus, 540 A.C. também na península grega, foi o primeiro a teorizar sobre a música.

Holística chinesa
O Oriente também tinha os seus: Lin Len, 234 A.C., ministro do imperador chinês Haung-Ti, estabeleceu a oitava em doze semitons, aos quais chamou de doze lius. Esses doze lius foram divididos em liu Yang e liu Yin, que correspondiam, entre outras coisas, aos doze meses do ano. Quer dizer, uma visão holística pós-moderna na Antiguidade, comprovando que tudo é tudo e nada é nada, como dizia o mestre cantor Tim Maia: “Mais retorno! Mais grave! Mais agudo! Mais tudo, porra!”.

Enquanto você pensa nisso tudo, escute essa:

http://www.youtube.com/watch?v=vYK0xGt2Zls&feature=player_embedded


Em Tempo Hábil I – Na foto ao alto, minha homenagem ao irlandês Rory Gallagher, um dos grandes da guitarra, falecido em 1995, aos 47 anos, e hoje esquecido.

Em Tempo Hábil II - As abobrinhas e sacadas opinativas óbvias do texto acima são minhas; as informações históricas sérias eu surrupiei do Renato Roschel, num artigo sobre a origem da música no seguinte endereço:

http://almanaque.folha.uol.com.br/musicaoquee.htm

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Pesquisa

Instituto LavLiv de Neurolingüiça Tremada
desvenda a fala da mídia


José Antônio Silva

Com o objetivo de melhor traduzir aos leitores os termos e expressões técnicas corriqueiramente utilizadas pela isenta e combativa Grande Mídia Brasileira Ilimitada, apresentamos aqui os resultados, ainda parciais, de levantamento coordenado nos últimos anos pelo Instituto LavraLivre de Neuro-Lingüiça Tremada e Hifenizada. Os resultados da pesquisa de campo, praia, montanha e piscina, foram colhidos e computados por nossos bolsistas/estagiários/não remunerados e mal agradecidos, que sequer vieram trabalhar no Natal e Ano Novo. Mas, qualquer problema, a culpa maior é das fontes – que hoje em dia estão quase sempre poluídas. Enfim, taí.

Aquecimento global – Essa é quente! Do que é que tanto reclamam? Vai aquecer (ôpa!) a indústria de condicionadores de ar e splits. E se não faltar um gelinho pro uísque, tudo bem.

Auto-regulamentação publicitária - Inspiradora fábula infantil, na qual a personagem raposa boazinha protege o galinheiro.

Campeã de audiência - É pra quem pode, e não monopólio da comunicação, seus invejosos!

Celebridade – Loira, geralmente de fármacia, mas sempre ignorante e gostosa. Outra versão colhida pelos pesquisadores diz que celebridade é aquela mina que tem “célebro”.

Colaborador - A pessoa que ajuda, que é do bem, entende?, mesmo que seja empregado, funcionário ou trabalhador.

Consumidor - Nome muito mais fashion do aquela velharia de “cidadão”!

Créditos de carbono - Oportuna forma de investimento “verde”, que alguns tentam distorcer, acusando de “suborno mundial para continuar poluindo”.

Déficit Zero no RS – Elogiável obra de equilíbrio fiscal do governo, mesmo que torne deficitária e desequilibrada algumas bobagens como saúde, educação, meio ambiente, assistência social.

Empreendedor – É mentira que seja um desempregado desesperado tentando qualquer negócio – até mesmo virar empresário na marra.

Estágio não remunerado – Ótima oportunidade dos jovens adquirirem experiência: jamais exploração de mão de obra!

Flexibilização da legislação ambiental – Forma de garantir pogreço rápido mas sustentável – sustentando principalmente, é lógico, quem elabora a flexibilização.

Jornalismo Econômico - Um trabalho sério de assessoria de imprensa à bancos e grandes empresas.

Liberdade de imprensa – Às vezes escapa “liberdade de empresa”, mas também não é assim! Não dá pra dizer que o que eles defendem mesmo é uma liberação absoluta para as megaempresas de comunicação fazerem o que quiserem. Claro que não.

Ministério Público – Órgão da sociedade para desvendar mistérios privados envolvendo dinheiro público.

Parceria – Fazer uma parceria público-privada (PPP) é uma alternativa válida, não tem nada de mais – porém, sempre aparece um traíra para gravar o acerto das porcentagens!