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terça-feira, 28 de julho de 2009

Poetando

Subimos armados

José Antônio Silva


Subimos armados de punhais.
Íamos buscar o que era nosso.
E que nos fora roubado.

Subimos armados de ira e revolta.
Íamos acabar com o que era deles.
Que eles eram do outro lado.

Subimos armados de medo.
Íamos talvez encontrar a morte.
Quem conhecia os fados?

Subimos armados até os dentes.
Íamos agarrar nossa redenção.
Eram de ferro as nossas mentes.

Inverno/2009

sábado, 18 de julho de 2009

Crônica Minha



A maldição da Rainha Má no Reino dos Gaudérios


José Antônio Silva


No distante Reino dos Gaudérios, ou Gaudéria, há muitos anos uma rainha má impunha grandes sofrimentos aos seus súditos. Cercada de seus cortesãos, vivia em alto luxo, enquanto a plebe amargava uma vida de pobreza e ralas moedas ao fim de cada jornada.


Quando os representantes das corporações reclamavam da miséria que lhes era imposta, a soberana justificava: “Este é um sacrifício que todos precisam dividir, para que as finanças do reino voltem à normalidade e as burras do tesouro fiquem novamente cheias”.


As burras do Tesouro - Mas quem já estava cheia, mesmo, eram as burras e os burros de carga, que não suportavam dar tanto duro e só receber em troca migalhas, pancadas no lombo e explicações arrogantes.


Para piorar, Sua Majestosa Crueldade concedia benesses e mordomias sem fim aos seus conselheiros mais próximos e aos membros da Família Real. Seguia uma regra de ouro: “Para os amigos, tudo. Para os inimigos, justiça!”.


E a justiça que aplicava era sumária e duríssima: sua Guarda Real já executara um pobre artesão – logo que a Rainha chegara ao trono – que tivera o desplante de reclamar uma vida melhor para ele, sua família e os demais plebeus do reino.

Mais: seu próprio embaixador junto a um país amigo aparecera boiando sem vida num lago distante, com o cavalo amarrado à uma ponte. Comentava-se que o cavalgante diplomata sabia demais sobre as intrigas da corte...


O feiticeiro - Como sempre nessas histórias, também havia um bruxo neste reino, uma eminência parda. Tratava-se do Mestre, o próprio príncipe consorte – aliás, com mais sorte que juízo, dizia o populacho.


“Crusius Credo!” – bradava o feiticeiro o seu encantamento, nos porões do castelo. Era conhecido por seus estudos sobre a moeda, e que fazia desaparecer grandes quantias de ouro com um passe de mágica.


Aparentemente do nada, Sua Majestosa Crueldade e Mestre Crusius Credo fizeram surgir de uma hora para outra um rico palacete de verão, numa região literalmente nobre da capital do reino.


O povo cochichava na rua, e até as folhas coladas às paredes para informar os burgueses já não podiam deixar de estranhar o milagre.


Traidores da Rainha Má, temendo que suas cabeças rolassem também, iam pouco a pouco revelando seus segredos e as conjuras tramadas antes e depois da chegada ao poder.


Ouro para os comandantes - A ferro e fogo, Sua Majestosa Crueldade impunha sua ordem desordenada e sem lei. No entanto, dentro da própria Guarda Real, havia rumores de insatisfação: por que os comandantes recebiam mais e mais dobrões de ouro, sobrando para os soldados o risco das vielas escuras e a revolta crescente da plebe? E por um punhado de níqueis!


Um reino antes rico e respeitado pelos vizinhos, agora a Gaudéria sofria o desprezo alheio e via as populações cada vez mais sem trabalho, adoecendo sem médicos ou curandeiros, sem instrução nem esperança. Os filhos da plebe que insistiam em ter educação, eram confinados em grandes caixas de metal – sob o calor infernal do verão e o frio congelante do inverno gaudério.


A Rainha Má a tudo respondia justificando-se com a carência de dobrões, que a impedia de proporcionar uma existência melhor a todos os súditos. Vivia, porém, cercada de luxo em seu novo palácio, trocando seus conselheiros sucessivamente, numa tentativa de calar a boca da população.


Trânsito de carroças - Mas todos sabiam que o trânsito de carroças do reino fora entregue a um grupo de nobres cobiçosos, que tinham desviado do tesouro real nada menos que 44 milhões de dobrões em ouro.


Com a Guarda da Rainha dividida, as corporações e guildas de trabalhadores sem poder esconder sua revolta, os lavradores abandonados e os saqueadores agindo livremente pelas ruas e estradas do reino, a população aguardava que novos tempos chegassem o quanto antes. Como de costume, queriam ser felizes para sempre, ou pelo menos durante os próximos anos.


Mas a maldição da Rainha Má ainda não havia terminado.


Uma pergunta permanecia no ar: até quando?




Gaudéria, 18 de Julho do Ano da Graça de 2009


sexta-feira, 10 de julho de 2009

Palpitando






A canção morreu, mas escuta essa...

José Antônio Silva

Desde alguns anos, vem rolando um papo-cabeça de que a canção morreu. Vocês sabem, teria ocorrido o sepultamento (sem marcha fúnebre nem fita amarela) daquele tipo de som popular mas sofisticado – música e letra em alto nível de harmonia e qualidade – que fez a glória de Chico, Caetano, Paulinho da Viola e tantos outros por aqui. Ou como Bob Dylan, Lennon & McCartney, para não falar em Cole Porter e demais pioneiros, lá fora, entre milhares de nomes reconhecidos e consagrados. Antes de mais nada, a afirmação situa-se no terreno da provocação, do exagero – e assim deve ser entendida. Há inúmeros outros cancionistas criando belas obras, de velhos e novos sambistas a Los Hermanos, ou de Tom Waits a Amy Winnehouse.


Mas como em todo o exagero, a frase contém algo de verdade. Fala-se aqui de algo que, na verdade, espraia-se em grande diversidade de gêneros: samba, bossa-nova, MPB, pop, balada, forró, tango, blues, choro, rock, as canções italianas, a chanson francesa, o reggae, etc. Enfim, me refiro a esta espécie de música que pode ser facilmente cantada, e que existe em perfeita integração entre os elementos melódicos e verbais – e que neste 2009 já não desfruta da unanimidade que teve durante a maior parte do século XX. Século, aliás, onde grande parte dos gêneros citados neste parágrafo atingiram excelência de formato e maturidade.

Melodia virou “base”
As inovações tecnológicas e o som eletrônico levaram a audição contemporânea e sua fruição para outros lados, e não é demais lembrar o papel crescentemente influente do rap – com a fala sincopada ocupando quase por completo o espectro sonoro -, restando um arremedo de melodia como mera “base”. Existem sim artistas do hip hop testando essas barreiras naturais, com alguns resultados interessantes na mescla com o jazz, o funk, o pop, o samba, o reggae, mas a palavra mais discursada do que entoada é a atual rainha do palco. E tudo indica que assim seguirá ainda por bom tempo. Ou não – como diria precavidamente o já lembrado Caetano.


A sensibilidade de hoje, e aí digo eu, está mais insensível. Melodias derramadas e declarações de amor, mesmo com sofisticação (ou por isso mesmo) perderam espaço no mood contemporâneo: como em todas as artes, atualmente é restrito o espaço para o romantismo, o lirismo, para tudo que seja considerado ingênuo.

Ao mesmo tempo, na música popular do Brasil, popular mesmo, impera o batidão (funk carioca), ou o axé baiano, com letras e rimas pornô ou apenas primárias e paupérrimas. No entanto, o ritmo é forte e bota favelados e classe média urbana para dançar como quem transa.



Nem a chamada “música brega” (bolerões, guarânias, sertanejas, ie-ie-iês), que fez fama e fortuna de Waldick Sorianos, Reginaldos Rossis, Perlas, Odaires Josés e Sidneis Magals junto ao público mais casca grossa, hoje não tem muita vez. Esta prateleira é agora ocupada por sertanejos-country e pagodeiros “românticos”, que – verdade seja dita e cantada – mantêm seu publico . Já existe até o subgênero sertanejo universitário...

Envelhecendo com os mestres
No entanto, é preciso admitir que a canção já conheceu dias e noites melhores. Há muitas bandas de rock brasileiras que têm seus fãs, com baladinhas emo que pegam no ouvido, mas que o status da canção se perdeu – talvez acompanhando o envelhecimento da geração que a elevou ao nível mais alto no Brasil, nos anos 60 e 70 – disto não parece haver muita dúvida.


Um exemplo foi dado pelo eterno Roberto Carlos, que em seu especial de fim de ano na Globo, poucos anos atrás, bombou sua apresentação com a presença do MC Leozinho, ao lado de quem o Rei (da canção) entoou constrangidamente um refrão bobo ao ritmo do batidão: “Se ela dança/ eu danço/ falei pro DJ...” Queria se mostrar contemporâneo, o velho Roberto, esquecendo-se que já é eterno para os brasileiros.

Relativisando culturalmente
Voltemos ao tema principal. A canção está em baixa, e creio que isto se deve também a certos aspectos do relativismo cultural, para quem o refinamento de linguagem – um dos seus pontos altos – também foi para a linha de desmontagem: seria reflexo de um modelo tradicional, imposto de cima para baixo, europeu, machista, ocidental/judaico/cristão, racionalista e que deveria seguir para o paredão do esquecimento, em nome da justiça histórica e de outras correções políticas.


A “indústria cultural”? Sim, tem muito a ver com isso. Sob o signo do pragmatismo mais desvairado, às voltas com a pirataria, com a música baixada de graça da internet e outros problemas, abandonou quase por completo qualquer proposta artística que não vise sucesso imediato e massivo.


Enquanto isso, nas artes “não populares”, ocorre fenômeno inverso: amplia-se cada vez mais o fosso entre alta e baixa cultura. Hoje praticamente já não se admite uma obra (no setor que antes atendia por artes plásticas, ou na literatura) que “não reflita sobre si mesma”. A poesia, por exemplo, é cada vez mais rarefeita e auto-referente, quase um ensaio a respeito de um nó cego. A bilhões de quilômetros de distância, portanto, do alcance e das expectativas do leitor médio.


Ah, sim, a canção. A canção sobrevive, claro, e sobreviverá. Do mesmo modo que o cinema não matou o teatro, a televisão não matou o cinema, a fotografia não matou a pintura etc, etc (mas esperemos para ler as páginas policiais dos jornais do futuro).


Em todo caso, ao contrário de seus tempos de glória, a canção parece ser, cada vez mais, um petisco para pequenas platéias.


Os 20 melhores do Brasil – e outros tão bons quanto!

De quebra, coloco aqui os 20 maiores criadores de canções da MPB (no sentido amplo e irrestrito) na minha modesta opinião. (Alguns, para o fim que aqui me interessa, funcionam preferentemente como duplas, e assim vão). É evidente que meus critérios passam por algumas unanimidades, mas também por gostos e idiossincrasias pessoais, influenciadas por sua vez por minha história e trajetória de vida. Lá vão, correndo todos os riscos, mas sem ordem de importância:



1.Caetano Veloso, 2. Chico Buarque, 3. Gilberto Gil, 4. Paulinho da Viola, 5. Cartola, 6. Tom Jobim & Vinícius de Moraes, 7. Lupicínio Rodrigues, 8. Noel Rosa, 9. Adoniram Barbosa, 10. Luis Melodia, 11. João Bosco & Aldir Blanc, 12. Roberto & Erasmo Carlos, 13. Paulo Vanzolini, 14. Luiz Gonzaga & Humberto Teixeira, 15. Dorival Caimmy, 16. Braguinha, 17. Jorge Mautner, 18. Cazuza, 19. Rita Lee & Roberto de Carvalho, 20. Nei Lisboa. Importante: Esta lista passa a ter 22 nomes, pois por mistérios insondáveis do inconsciente esqueci de dois dos artistas que mais admiro na música brasileira: Jorge Ben Jor e Raulzito Seixas.

Quanta injustiça
Quando elaborei a relação, sabia que estava cometendo um caminhão de injustiças e esquecimentos. Para tentar minorar esta situação, elenco aqui vários outros artistas com méritos de sobra para figurar na relação acima (ou não), mas que residem igualmente no meu coração musical. Olha só:

Marina Lima, Lobão, Renato Russo, Djavan, Vitor Ramil, Seu Jorge, Jards Macalé, Herivelto Martins, Alceu Valença, Billy Blanco, Jackson do Pandeiro, Belchior, Milton Nascimento & Fernando Brant, Gonzaguinha, Menescal & Boscoli, Marcos & Paulo Sérgio Valle, Itamar Assumpção, Martinho da Vila, Adriana Calcanhoto, Nelson Cavaquinho & Guilherme de Britto, João do Valle, Sá, Rodrix & Guarabira, Maísa, Almir Sater, Zeca Baleiro, Renato Teixeira, Lenine, Edu Lobo, Guilherme Arantes, Carlinhos Hartlieb, Luiz Tatit, Capinam, Sérgio Sampaio, Nando Reis, Arrigo, Walter Franco, Beto Guedes, Lô Borges, Lulu Santos, Paulinho Moska, Arnaldo Antunes... Chega!


E chega mesmo, porque o que tem de compositor bom neste país não cabe nem na realidade virtual. E isso que eu não falei dos cantores e cantoras, não citei as grandes bandas, os instrumentistas geniais, etc...


quarta-feira, 8 de julho de 2009

Crônica Minha

Jornal novo lá em cima!

José Antônio Silva

Encontraram-se num final de tarde desses, numa mesa de bar – parece que os garçons tiveram que encostar mais uma, voando, para caberem todos.

O Raul Quevedo, magro, pálido e firme – mas sem perder a ternura jamais – começou a destacar logo a resistência heróica de Cuba, e naturalmente o papo convergiu para o golpe militar em Honduras. “A direita não percebe que o tempo das quarteladas em nosso continente já passou”, pregava o velho guerreiro.

Mais ponderado, um quase nada de ironia no sotaque fronteiriço, o Osmar Trindade – recém chegado e tomando pé naquele chão meio fofo – pigarreou:
- Mas, chê, eles não vão desistir nunca. Lá em Moçambique....

O Dedé Ferlauto, que rascunhava um novo verso no guardanapo alvíssimo, citou um outro jornalista, mais antigo, que traçava um quindim com um café preto, numa mesinha isolada: “Eles passarão, eu passarinho...”

Àquelas alturas - e que alturas - apareceu por ali um baita de um sujeito com bigodão ruivo e hirsuto, ainda segurando um espeto com uma costela atravessada. Um garçom se adiantou:
- Pode deixar que a gente assa, seu Betão.

Como não podia deixar de ser, criticaram muito o fim do diploma, mas a conversa agarrou fundamento quando o Trindade, após desentupir o mate, tirou do bolso o projeto de um novo jornal.

Nesse momento, lá de longe, escutou-se um gaguejar, mas plenamente compreensível:
- Ma...mas vai ser co...co...cooperativado? – queria saber o Antoninho Gonzalez.

Infelizmente não escutei a resposta – mas ainda ouvi que o Dedé declamava um novo poema, enquanto o Betão Andreatta soprava sua harmônica.
A trilha sonora me pareceu celestial, antes de cair da cama.




Esclarecimento - A crônica acima diz respeito à morte recente de várias jornalistas gaúchos referenciais para a categoria, a partir do falecimento de Osmar Trindade, um dos fundadores e editor do histórico Coojornal, na semana passada.