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terça-feira, 17 de novembro de 2009

Crônica Minha



Fotografia: a beleza esvazia a denúncia?


José Antônio Silva


A beleza esvazia a denúncia? O apuro estético de uma foto de Sebastião Salgado – para citar um exemplo clássico - anula o horror que a originou e, de algum modo, segue retratado naquela foto? Ou, embora possa soar cínico, temos que reconhecer que tudo tem beleza, inclusive o horror?


Aquela foto, adquirida em uma galeria de arte, fulge na parede do escritório do figurão como um lembrete sobre a injustiça do mundo, a ser combatida, ou como obra estética a dar um pequeno e instigante choque de perversidade ao bom mocismo do ambiente?


Outra: é correto fazer a foto ao invés de largar a máquina e tentar ajudar aquele determinado ser humano em sofrimento? Somente desumanizando aquela pessoa e tratando-a como símbolo – e não como ser vivente e sensível, de carne e osso – para priorizar a feitura da foto? Mas a foto, afinal, não será útil para chamar a atenção do mundo sobre aquela situação, o que poderá evitar o sofrimento de outros tantos?


Sendo assim, a salvação de muitos deve ter prioridade sobre o sofrimento de poucos, ou de um? Esta regra está escrita em algum lugar? Ou vale mais tentar resgatar aqui e agora o que está ao alcance imediato de nossas mãos?


Seja como for, o que acha disso aquela vítima abandonada pelo fotógrafo? Ela – a vítima – a não ser que seja um santo ou um herói trágico, por certo não preferiria ser salva, a virar símbolo ou bandeira de alguma causa nobre? Ou ela, na situação de alto risco em que está, já não tem direito à escolha – mesmo que sua salvação imediata dependa de um primeiro e fundamental movimento do braço do fotógrafo?


Ele agarra o suicida que vai jogar-se do alto do viaduto ou, ao contrário, com ar lamentoso, escolhe a melhor lente para fazer a foto que venderá para o mundo todo, do homem jogando-se para a morte, num vôo plástico contra o pôr do sol?


Se o fotógrafo correr altos riscos pessoais – como os profissionais especializados na cobertura de guerras – seu ofício resta justificado? Trata-se de uma missão humanística, de denúncia, ou uma forma de conquistar a glória pessoal e profissional, numa viagem de adrenalina?


Será que há uma resposta para isso, ou as situações costumam misturar-se numa confusão, sem bem ou mal, que se chama destino? Será?

sábado, 14 de novembro de 2009

Livro


Minicontos e maxiqualidade


José Antônio Silva


A suprema economia de palavras – o que torna cada vocábulo necessariamente preciso e quase insubstituível – talvez aproxime o miniconto mais do poema, pela característica citada, do que do conto padrão. É como se a criança recém nascida fosse mais parecida com um primo, digamos, do que com o pai. Enfim, assim como exige o fazer poético (uma lapidação e um foco praticamente fonema a fonema, sílaba a sílaba, sem esquecer o todo), também o cultivo do miniconto não deixa por menos - sem trocadilho.


Aliás, para que esta criança sobreviva por si mesma, necessita ser assim, impecável. Pois não pode utilizar os recursos mais amplos das narrativas longas, com sua gama de climas, cenários e situações várias, e personagens à vontade. No presente caso, o autor só pode contar com a força concentrada do minimalismo.


Saindo das generalizações e fechando em close num exemplo concreto, temos em mãos “Minicontos e muito menos”, dividido meio a meio, como os valetes do naipe, por Laís Chaffe e Marcelo Spalding. Auxiliado por ótimas ilustrações sem meios tons de Alexandre Oliveira, o minilivro da Editora Casa Verde ( www.casaverde.art.br ) merece ser lido – e comentado.


Classudo, foge da tentatação de chamar de miniconto alguma frase de efeito ou uma piada – facilitário a que não resistem muitos outros praticantes.


Estes dois autores, aqui, provam que é possível ir longe com este ente literário de pernas curtas, o tal miniconto. Os climas, as sugestões, o duplo sentido, sobrevoam – do sublime ao sórdido - um quase nada de letras.


Confiram o acordo fáustico de Spalding, à página 22 do seu lado do livro:

Chegou tua hora, Serás moleque travesso, jogarás bola e bolita e botão, terás mulheres, filhos, carro e emprego. Gostarás de ir à praia e conhecerás o Rio de Janeiro, comprarás casa, terreno, assistirás ao teu time ser campeão do mundo, mas, antes dos cinqüenta, um disparo repentino levará teus movimentos, tua voz, tua fome. Topas?


“Velório”, de Laís, é sarcástico:

Cinco da madrugada. Convencem o viúvo a comer um sanduíche. Uma mosquinha ronda o presunto.


É... e que o tal sanduíche sirva de aperitivo, sem mosca, para que se abocanhe as demais histórias – minihistórias, com maxiqualidade.

Aliás, no caso, acho que já escrevi demais.

quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Crônica MInha

Bem, você sabe... não é divertido!

José Antônio Silva

Esse negócio de sair de um filme (ou parar de ler um livro) porque nos desagrada, nos incomoda... É de pensar: vigora hoje um mandamento não escrito segundo o qual só devemos fazer o que nos dá prazer imediato. Tudo tem que ser rápido, de preferência leve, e “divertido”. (Aliás, palavra que, no contexto, é um americanismo rapidamente absorvido e repetido por nós, a partir do cinema de Hollywood ou de declarações de roqueiros famosos: “Bem, você sabe... Vou tocar enquanto achar divertido”. Yeah!).


E o compromisso com sua arte, com sua vida, com a pulsão (no caso, de criar música)? Ou com a falta de outras alternativas viáveis e reais? E a responsabilidade com, digamos, filhos por criar, objetivos a alcançar ou a tentativa de contribuir com algo, por menor que seja, para que o mundo seja um pouquinho menos injusto e cruel?

Sei, é pedir demais. Afinal, no embalo consumista tudo vira descartável, a fila anda - estamos na vida a passeio.

Bem, você sabe... eu sinto muito, mas não é o que parece, e está longe de configurar um projeto sustentável.

Para elegermos “me divertir” como objetivo maior da existência – e há garotada de todas as idades repetindo este mantra – teríamos que ser monstros de egoísmo e alienação. E ainda assim nos esborracharíamos na primeira grande tragédia que interrompesse estas férias permanentes.

Voltemos ao filme ou livro abandonado. (Claro, há casos em que a obra é qualitativamente tão ruim que não há porque insistir. Não é ao que me refiro aqui).

Por vezes é bom exercitar a paciência e a perseverança, e terminar por aprender algo com o difícil filme/livro desprezado por nossa impaciência – inclusive o motivo de ter nos incomodado tanto de início. Poderemos sair dali até mesmo achando que, afinal de contas, a experiência não deixou de ser “divertida”.


sexta-feira, 6 de novembro de 2009

MPB



Abecedário Musical Impressionista - 4ª Leva


José Antônio Silva


Arnaldo Baptista – Sempre andou meio desligado, mesmo quando era psico-elétrico. Um caso à parte, escutava o diferente que os outros não ouviam. Fez fusões e confusões. Uma tragédia rock n’ roll/tropicalista. Nunca saberemos até onde chegaria musicalmente - não tivesse aprendido a voar de uma janela. Continua por aí, à procura de si, emocionando a platéia.



Clementina de Jesus – Força da natureza, mãe preta/mãe África, voz grave e anasalada de lavadeira do Brasil, impõe que se lhe peça a bênção. Enxaguando corimas, jongos, lundus, incelenças e modas – desaguando no samba de raiz. Experiência forte. Mas vá sem medo: prazer sem ressaca.


Dorival Caymmi – Em ortodoxo ritmo baiano, Do – ri – val – Ca – y – mmi foi construindo sua obra referencial sem se preocupar se era obra e muito menos se era referencial. Aos poucos, quase sem sair da rede, queixando-se à/de Marina Morena, constatando que o mar que bate na areia é bonito é bonito, queiram ou não, foi conquistando o Brasil com seu jeito manhoso e suas canções praieiras todas próprias.

Jards Macalé – Uma das peças soltas na engrenagem azeitada da MPB, buscador de linguagens e soluções pessoais – incluindo o toque próprio de violão – lá pelas tantas assumiu-se como sambista continuador/herdeiro de Moreira “Kid Morangueira” da Silva, mas é menos e mais que isso. Esteve em todas as turmas e movimentos, mas o seu é um pequeno e sutil movimento pessoal, movimento dos barcos, viajando de Cantareira.

Lobão – Estilo sequela ligth, já criou várias e belas canções pop/rock para tocar no rádio blá, blá-blá-blá eu te amo. Vida menos bandida, mais perdida, a meio palmo do chão. Até João Gilberto abriu uma vaga em seu repertório secular para declamar “Me Chama”. Ao compor, a música regula a verbosidade descontrolada do Lobão das entrevistas.

Nara Leão – Voz muito afinada, pequena, algo de infantil forever. Doce fruto da burguesia protegida da Zona Sul, descobriu o mundo exterior e seus problemas através da música e dos amigos músicos – o samba canção, a canção de protesto, a tropicália – após sua iniciação na elite bossanovista, da qual foi princesa. Olhos de ressaca, virou ícone de um Rio ainda suave, até porque não chegou a ver, ouvir e cantar o que viria.