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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Palpitando

Humorista inexperiente


José Antônio Silva

Ele começou como um repórter inexperiente – mas era uma piada: tratava-se de um humorista disfarçado. No entanto, agora – com sua face verdadeira – Danilo Gentili, do simpático “CQC”, revelou-se de fato inexperiente, para dizer o mínimo. Em seu blog postou uma piada comparando negro com macaco.


Racismo em estado puro – naquele formato tradicional em que o humor serve de perpetuador de preconceitos. A questão que alguns engraçadinhos profissionais ainda não entenderam é que o humorismo está longe de ser uma manifestação inócua, insípida e inodora, que não fere. Ao contrário, há quem garanta que o humor é sempre cruel.


Na real, pode ser comparado a uma arma – e quem a maneja deve saber os danos que ela pode causar, sem os devidos cuidados.


(Parênteses: e aqui precisamos cautela, pois os excessos do “politicamente correto” são insuportáveis, até mesmo porque afrontam o bom senso e o equilíbrio. De origem anglo-saxã e protestante, se for levado às últimas conseqüências traria o fim não só do humorismo, mas de qualquer arte. E não é disso que se trata aqui. E sim do domínio do fácil, do preconceituoso, do imbecil, incapaz de crítica social coerente).


Voltando. Ao longo dos últimos séculos, os satiristas, os comediantes, os cartunistas - da imprensa, da feira, do teatro - tinham como alvo maior o poder: a monarquia, os generais, os bispos, os políticos, os banqueiros, até a burguesia dominante, sua caretice e sua comédia de costumes.


Por vezes corriam riscos ao mexerem com esses estamentos. Mas isso era parte inerente ao ofício. O humor revolucionário do Pasquim, durante a Ditadura militar brasileira, levou praticamente todos os humoristas-editores do jornal (menos Millôr) para trás das grades. Enfim, o exercício do humorismo exigia alguma coragem, mas em compensação defendia-se o que se considerava justo – e ainda se tirava um sarro da prepotência e do autoritarismo.


Neste contexto, debochar dos pobres, dos negros, dos índios, dos aleijados, etc não caia muito bem. Afinal, qual o mérito de chutar quem já está por baixo – pelas condições históricas – e a custo tenta erguer-se socialmente?


Isso sempre teve nome: covardia.


No Brasil, este tipo de humorismo sem lado, sem responsabilidade social, livre como uma metralhadora giratória ou um táxi, ganhou espaço de gala nos anos 80 com o “Casseta & Planeta”. Lembro dos cassetas fazendo humor em cima do MST, apesar do então recente Massacre dos Carajás (PA) ou do assassinato de Rose (Encruzilhada Natalino, RS) demonstrarem que ali se tratava de gente desesperada – de carne e osso; homens, mulheres e crianças -, tentando conquistar uma vida um pouquinho mais digna. E arrostando com a própria vida interesses de oligarquias que remontam, em muitos casos, às capitanias hereditárias...


Este esvaziamento de fundo político ficou inda mais bombado com a assunção triunfalista do neoliberalismo, em especial nos anos 90 – que atiçou o humor pelo humor, a graça em cima de infantilidades e preconceitos sociais, que sequer faziam cócegas nos detentores do poder. Não seria exagerado dizer que os humoristas desta praia, de certo modo regrediram ao tempo dos seus antepassados na função, que eram os bobos da Corte – e ganhavam afagos e coxas de frango dos nobres, quando não um pontapé carinhoso.


E assim vamos, com um humorismo – especialmente na internet e TV – marcado pela busca do riso fácil, pelo ibope, pelo sucesso de mercado. Claro que surgiram lu continuaram existindo coisas boas e interessantes: Marcelo Adnet e seu “Quinze Minutos”, o próprio “CQC”, a hilária Lady Keithy, a boa e velha "Grande Família", momentos inspirados do "Casseta", e outros mais. No geral, porém, embora possa haver gargalhadas, sua essência está mais para uma melancólica escorregada no conservadorismo.

Verdade que os humoristas batem à beça nos políticos – até porque esses pedem para apanhar (alô, Yeda! Alô, Sarney!). Mas cadê as críticas, as charges e as ironias contra os desmandos, ilegalidades e manipulações da Mídia, talvez o maior poder do mundo e do Brasil de hoje?


E na ausência de crítica a quem realmente manda, dê-lhe o humorismo abobrinha e reforçador de preconceitos: suas piadas, na essência, são sucesso garantido desde o tempo dos navios negreiros.

3 comentários:

saitica disse...

Tai José Antonio, meu crítico e humorista filosófo preferido.
Parabéns, concordo com sua análise.
Daniel de Andrade

Bolívar disse...

Velho Zeca, continuas em forma!!! Havia gostado da "Rainha Má" ao ponto de adotar a expressão, pois a hilária realmente faz lembrar os melhores (e piores) momentos dos contos de fada. Agora, com a análise sobre os "humoristas" da TV (como se não bastasse os Marcos Aurélios da vida..), fizeste mais um golaço...até parecendo o Máxi López ontem contra o Palmeiras. Vamos em frente, mesmo q a Rainha Má permaneça no trono e o Gilmar Mendes e o Sarney sigam "imexíveis", nós devemos fazer isso mesmo, ver com olhos de ver...

Steve disse...

Toninho, nem conhecia esse mala mas fui lá no blog e vi que ele se complicou mais ainda, explicando o inexplicável...piadinha de negro, hj em dia, francamente é coisa de brasileiro metido a europeu, caso dele!