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terça-feira, 30 de junho de 2009

Michael Jackson



As várias identidades de Jacko

José Antônio Silva

Identidade. Esta parece ser a chave, o segredo – o “passo da lua” – do inescrutável Michael Jackson, agora vivo somente (e não é pouco) nos CDs, DVDs, LPs, clips, posters, álbuns, revistas e, enfim, no coração das fãs e no imaginário coletivo contemporâneo. Identidade – ou procura, construção de uma, na qual se sentisse definitivamente confortável – foi o motor que o impulsionou e ao mesmo tempo o corroeu, psicológica e fisicamente, até o desfecho por provável overdose de analgésicos.


A causa direta de sua morte, aliás, é um dos poucos pontos em comum com a de dezenas, quiçá centenas de outros astros do rock e do pop, no mundo inteiro. No resto, abriu um caminho muito próprio. Quem era ele, o que pretendia ser?

A cor
Era um cantor negro, mas em questão de anos transformou-se em um branco mais pálido que muitos europeus. Os cabelos encaracolados e o corte black power converteram-se em longas madeixas lisas, domadas para sempre.
O nariz largo foi sendo afinado à bisturi, de modo sem dúvida doentio e descontrolado, até ficar mais fino, curto e delicado do que alguma jovem candidata à miss. No final, parecia uma boneca com algo de monstruoso.
Chegou a declarar: “Sei que sou negro”. Mas fizera questão, a vida toda, de enxergar outra coisa em frente ao espelho.

A sexualidade
Seus casamentos com mulheres não passaram de arranjos publicitários, tentativas de minorar os estragos causados à sua imagem pela suspeita forte de pedofilia. Os próprios filhos, criados por babá, não teriam o seu DNA: seriam frutos de inseminação artificial.


Manteve por toda a vida a voz muito afinada mas infantil, que contribuía para complementar o ar andrógino que de algum modo assumiu para si. Provável homossexual não assumido publicamente, foi desde sempre um dos artistas ou personalidades ícones da comunidade gay, ao lado de Madonna, Princesa Diana, Gloria Gaynor etc.

A idade
Sempre se mostrou fascinado pela infância (de várias modos), e sua aparência ao morrer podia ser de tudo, menos de um homem de 50 anos. Magro, frágil, é certo que crescia no palco ou nas telas, quando dominava tudo com seu talento, imposição corporal, música e coreografia.


Deu ao seu grande rancho californiano o nome mais do que significativo de Neverland – a Terra do Nunca de Peter Pan, o menino que se recusou a crescer. Para além dos episódios de pedofilia, ao que tudo indica sentia-se bem junto com crianças, gostava de brincar e viver neste mundo de fantasia, onde construíra um grande parque de diversões.


Suas plásticas no rosto, aliadas à voz infantil, lhe garantiram de fato um lugar na Terra do Nunca da história. Logo ele, que teve uma infância roubada pela disciplina e violência do pai, implacável na determinação de enriquecer sobre o talento dos talentosos Jackson Five, seus filhos.


As pessoas que tinham maior contato com Michael, recluso em seu mundo à parte, afirmam que ele – eterno menino-prodígio da arte - não tinha qualquer controle sobre sua fortuna, o dinheiro que ganhava e o patrimônio que já não possuía.

A arte
Como artista do mundo pop, Michael Jackson foi grande. Foi o único lugar onde encontrou uma identidade. Genial coreógrafo e bailarino, ótimo cantor, bom compositor, revolucionário na arte de juntar música e cinema, através de clipes como “Thriller”. Apesar de si mesmo e sua alienação, sua breack dance foi motor e impulso para a dança de rua da cultura hip hop, complemento à mensagem originalmente contestatória do rap.


A essência de sua arte, no entanto, ficou encerrada como sua personalidade no plano infantil. Para mim, ele foi um dos artistas que durante décadas – em especial durante os anos 80 e 90 – infantilizaram a cultura de massas mundial. Outro foi o cineasta Steve Spielberg, através de ET e da série Indiana Jones, e seus inúmeros seguidores e diluidores.


Influência? Sua música, seu visual e sua dança marcaram inegável e diretamente artistas contemporâneos a ele como Madonna e Prince, ou de gerações posteriores, como Britney Spears.

O saldo
No entanto, para meu gosto, não figura entre os maiores artistas do rock, do pop, do rithym and blues. Jimi Hendrix, explosão selvagem e ao mesmo tempo refinada de genialidade, Bob Dylan, com melodias e letras inesquecíveis, Bob Marley, Beatles (e em especial o provocador John Lennon), Rolling Stones, Janis Joplin e vários outros e outras colocaram este gênero rápido no patamar da cultura, do sonho social e da contestação ao coro dos contentes. Sem rebaixarem em nada a alta qualidade de suas obras.


Michael Jackson era um descontente que mesmo assim não desafinava o coro – assim como o talentosíssimo antecessor Elvis Presley. Fica como marca de excelência da indústria de entretenimento. Não é pouco, mas – acredito - é tudo.

2 comentários:

Steve disse...

Muito bom, Toninho, é a história do Pinoquio ao contrário, o menino que virou boneco, ou boneca, mas sem esquecer os 750 milhões de discos vendidos!

miro disse...

Bom texto, pai.

Só achei que definir suas coreografias já como break foi incorreto. Observando um autêntico b-boy em ação vemos que não há tanto assim dos movimentos de MJ... Mesmo assim, ninguém nega sua influência no primórdio da street dance.